Blog Falou e Disse
Era a festa da alegria (São João)
Tinha tanta poesia (São João)
Tinha mais animação, mais amor, mais emoção
Eu não sei se eu mudei ou mudou o São João
São João Antigo – música de Luis Gonzaga e
Zé Dantas
Quem não se emociona ao ouvir essa música
de Luís Gonzaga? A música é de Luís Gonzaga e Zé Dantas. Foi gravada em 27 de
março de 1957. Não sabiam os autores que que mais de 60 anos depois a música
teria tamanha significação face a situação de pandemia que o País atravessa.
Luiz Gonzaga do Nascimento, o maior
sanfoneiro, que se tornou conhecido no Brasil inteiro, nascido no Sertão do
Araripe, município de Exu, Estado de Pernambuco, era filho de camponeses sem
terra, moradores da fazenda Caiçara. Gonzaga praticamente não frequentou
escola: “Fiquei no primeiro ano, não pude continuar”, diz ele em uma de suas
entrevistas à imprensa. O pai, Januário, além de trabalhar na terra, tocava
sanfona e tinha uma espécie de oficina. (Anotado no texto de Sulamita Vieira –
Metáforas do Sertão)
Vivendo no Rio de Janeiro, divulgou a
cultura do povo nordestino, seu modo de vida, suas crenças, através de suas
canções em parceria com Zé Dantas, Humberto Teixeira e outros, nas décadas de
40, 50 e 60, através do rádio que atravessava a chamada Era de Ouro no processo
de comunicação no País e no auge do processo de industrialização.
Era também o tempo do baião.
Em seu trabalho sobre o Rei do Baião,
Sulamita Vieira, professora da universidade Federal do Ceará, ressalta que “no
seu canto, Luiz Gonzaga evoca um sertão de pobreza, de seca, de abandono e, ao
mesmo tempo, canta a fartura misturada a uma espécie de grandeza natural;
exalta o amor, as festas, o aconchego, a valentia do “cabra macho” e o
atendimento das preces dos sertanejos por parte dos seus santos protetores.”
Tornou-se, portanto, seu Lula, como passou
a ser chamado carinhosamente, um cantor e sanfoneiro muito popular. O
cantor, compositor e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil disse, em recente
entrevista, que Luiz Gonzaga foi “a primeira coisa significativa do ponto de
vista da cultura de massa no Brasil”. Além de ser seu primeiro ídolo da música
popular brasileira. (Agencia Brasil)
Enfrentou o preconceito, contou a nossa história, adotou o vestuário do vaqueiro – um dos símbolos da região – talvez o mais identificado com a visão do colonizador.
Bem que dizia Gonzaga na música intitulada
São João Antigo. Por conta da pandemia, a comemoração do São João tem passado
por reformulações.
Mas, apesar da pandemia e das restrições em
função das regras sanitárias a serem mantidas, no Nordeste do Brasil o São João
permanece vivo. Quem não se emociona quando é chegado o mês de junho, ao ouvir
o toque da sanfona com os dedos deslizando ao tocar um baião? “A fogueira está
queimando, em homenagem a São João, o forró já começou, vamos gente arrastar pé
neste salão…”
Só os nordestinos entendem essa magia que
brota com as lembranças dos ancestrais e seus costumes no enfrentamento da
colonização da região, labutando em terras áridas, com escassez de chuvas e
água, esperando sempre de Deus um comando para suas vidas.
Se Deus quiser, teremos chuva. A data
limite é sempre o dia de São José, 19 de março.
Pelo segundo ano consecutivo, o São João do Nordeste não foi o mesmo. Mas, não faltou o sentimento, a animação, o canto, a dança, a fogueira acesa, os fogos pelos ares, em muitas casas pelo interior do nordeste. Este ano não faltou o milho verde espalhado pelas feiras com o preço baixo, desmerecendo a carestia que nos rodeia, como se fosse uma benção dos santos festejados: Antônio, João e Pedro… “Com a filha de João, Antônio ia se casar, mas Pedro fugiu com a noiva na hora de ir para o altar…”
O povo do Nordeste cultiva grandes
sentimentos, entre os quais a autoestima e a esperança, refletidas na música de
Gonzaga… “Hoje longe muitas léguas, numa triste solidão… espero a chuva
cair de novo pra eu voltar pro meu sertão (ASA BRANCA, toada. H. Teixeira
e L. Gonzaga)
As grandes festas populares foram
canceladas, mas o povo se reinventa com as mesmas características e práticas
utilizadas para a reinvenção de suas vidas nos momentos de dificuldades e de
suas possibilidades, no enfrentamento à pobreza, na convivência com o clima
muito árido.
O São João mudou, as regras restritivas
foram respeitadas,mas a população, de várias formas, encontrou o caminho para
preservar a sua cultura, seu modo de vida.
No Nordeste, o mês de junho, tempo de
colheita de milho e feijão da agricultura familiar, além de ser o mês das
festas é também o tempo de movimentação da economia. São milhares de fogueiras,
de pontos de entretenimento, de barracas funcionando com comidas regionais,
queima de fogos e o “baião comendo solto”, com sanfona, zabumba e triangulo.
Mês de São João é tempo do povo do nordeste
ganhar dinheiro, o que não vem acontecendo com a pandemia. As vendas foram
incrementadas pelo sistema de vendas na internet, através do que chamamos de
plataforma. E os espetáculos musicais encontraram amparo nas lives amplamente
difundidas. Toda essa mudança realizada com paciência, resiliência e muita
criatividade de um povo que já se reinventa sempre que se faz necessário.
E tome São João no Instagram, no Facebook,
no Tik tok, no WhatsApp, na televisão, no rádio e todo mundo com seu celular de
lado ouvindo o baião. …“e tome xote Mariquinha e tome xote sá Zefinha, hum e
tome mais”,na voz de Gonzaga e Dominguinhos.
E quando se viaja para o interior em busca
dos familiares e se escuta o clássico de Gonzaga e Zé Dantas “Riacho do navio,
corre pro Pajeú, o rio Pajeú vai despejar no São Francisco e o Rio São
Francisco vai bater no meio do mar…” se sente o impacto da palavra despejar,
como doação de todos os sentimentos que habitam a nossa alma nordestina.
Em Pernambuco foram 17.487 vidas perdidas
até 25/06/2021, segundo a Secretaria de Saúde, muitas delas precocemente, não
fosse a irresponsabilidade do governo federal na aquisição das vacinas. No
Nordeste as mortes significam 30% do que ocorre no país, ou seja, cerca de 153
mil, dos 511 mil mortos pelo País inteiro.
No Semiárido, por exemplo, o vírus atua de
forma silenciosa e só é descoberto depois que alguém morre, segundo Weiner
Vieira, pesquisador da Fiocruz, referindo-se à subnotificação na região.
Enquanto não passam a pandemia e outras
mazelas, seguimos sobrevivendo.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga.
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