Valor Econômico
Paulo Guedes, quem diria, propôs tributação
de dividendos
Num artigo publicado no “The New York
Times” em 14 de agosto de 2011, o megainvestidor Warren Buffett criticou os
governantes que, a cada crise econômica, pediam à população uma cota de
sacrifício, mas acabavam poupando os multimilionários, inclusive ele próprio e
seus amigos. “Parem de mimar os super ricos”, era a mensagem-título.
O “Oráculo de Omaha” referia-se às
alíquotas de imposto de renda sobre os ganhos de capital e a distribuição de
dividendos, que foram substancialmente reduzidas nos Estados Unidos a partir da
década de 1980, no governo de Ronald Reagan. A filosofia dominante desde então
prescrevia que taxar mais pesadamente o topo da pirâmide de renda
desincentivava o investimento, e em última instância prejudicava os mais
pobres, pois afetava o potencial de geração de empregos no país.
Um dos homens mais ricos do mundo pedindo para o governo cobrar mais impostos sobre seus rendimentos - a proposta soou como música aos ouvidos do Partido Democrata, à época com a difícil missão de assumir os Estados Unidos durante a ressaca da grave crise financeira de 2008. No tradicional discurso sobre o Estado da Nação, no início de 2012, o presidente Barack Obama aproveitou a deixa para criticar as brechas da legislação americana, que faziam com que o bilionário da Berkshire Hathaway tivesse uma carga tributária menor do que a de sua secretária. Num lance de marketing político, Debbie Bosanek, a secretária de Buffett, estava sentada ao lado da primeira-dama Michelle Obama na plateia do Capitólio.
A proposta dos Democratas de impor uma
alíquota de 30% sobre os rendimentos de pessoas físicas que ultrapassassem US$
1 milhão ficou conhecida como “taxa Buffett”; no entanto, ela não conseguiu
superar a obstrução republicana e acabou arquivada.
No dia 8 de junho, o site de jornalismo
investigativo “Propublica” vazou as declarações de imposto de renda de alguns
dos mais poderosos capitalistas americanos, como Elon Musk, Jeff Bezos, Bill
Gates e Mark Zuckerberg. E adivinha quem pagou a menor fração do seu incremento
de riquezas em tributos nos últimos 15 anos? Ele mesmo: Warren Buffett.
Muitos acusaram Buffett de hipocrisia, mas
como qualquer agente racional, ele simplesmente jogou conforme as regras
vigentes. Buffett e nenhum dos demais bilionários praticou qualquer ato ilegal
para pagar pouco ou quase nada. As normas é que estão erradas, e as distorções
precisam ser eliminadas.
O Brasil realmente não é um país fácil de
ser explicado. O governo Fernando Henrique Cardoso, autodenominado de
centro-esquerda, foi mais realista que o de Ronald Reagan e em 1995 isentou
totalmente a distribuição de lucros e dividendos. Na sequência, com o Partido
dos Trabalhadores no comando, incentivou-se a pejotização e os benefícios a
advogados e outros profissionais liberais - a “classe média” que na verdade faz
parte da elite brasileira. Num país tão miserável quanto o Brasil, é bom
lembrar que quem recebe mais de R$ 20 mil por mês pertence aos 5% mais ricos da
população.
Ironia do destino, coube ao dito ultra
liberal Paulo Guedes propor a extinção da isenção de impostos sobre lucros e
dividendos que tanto beneficia essa classe alta. O Projeto de Lei nº
2.337/2021, entregue pelo ministro da Economia ao presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), na sexta-feira (25/06), impõe a cobrança de 20% sobre a
distribuição de ganhos de pessoas jurídicas a seus sócios.
Conforme pode ser visto no gráfico, a
legislação atual contribui para a tão criticada regressividade na cobrança de
tributos no país. Segundo dados da Receita Federal com base nas declarações de
IRPF do ano fiscal de 2019, quanto mais ricos, maior a parcela dos rendimentos
que vêm da distribuição isenta de lucros e dividendos (linha amarela) - e menos
se paga proporcionalmente em imposto de renda (linha azul).
Guardadas as devidas proporções, o Brasil
também tem seus Warren Buffetts, Jeff Bezos e Bill Gates. Os 3.049 brasileiros
que declararam ter recebido mais de R$ 1,1 bilhão em 2019 (nosso 0,01% mais
rico) pagaram uma alíquota efetiva de 1,7% de imposto de renda no ano passado.
Nesse sentido, a iniciativa do Ministério da Economia de reabrir a discussão
sobre a tributação do andar de cima é importante - embora pouco ambiciosa.
Ao manter uma faixa de isenção para os
lucros distribuídos por optantes do Simples até o limite de R$ 20 mil por mês,
Guedes restringe bastante o impacto da medida. Também ficaram de fora outros
benefícios para a pretensa “classe média”, como as deduções de despesas de
saúde e educação, ou a criação de novas alíquotas para as rendas mais altas.
De toda forma, é um começo. A aposta agora
é saber o que será mais difícil: vencer a resistência da elite contra o fim da
isenção ou ver a esquerda defender uma proposta vinda de Paulo Guedes.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”
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