Folha de S. Paulo
Há remédio institucional contra a ascensão
de extremistas?
A cidade
de Nova York realizou há poucos dias eleições sob nova regra
eleitoral: o voto alternativo (conhecido pelas siglas RCV ou STV/IR). A
expectativa de que possa ser remédio contra a polarização levou a sua
disseminação nos Estados Unidos na última década.
A regra já é adotada em dezenas de cidades;
dois estados já o fazem para eleições presidenciais e cinco as adotam em
primárias do partido democrata. Irlanda e Austrália utilizam-na há décadas, mas
no Reino Unido ela acabou não sendo aprovada no referendo de 2011.
Na nova regra, os eleitores devem ordenar suas preferências em relação aos candidatos. Caso o mais votado, em termos de primeira preferência, não tenha obtido mais de 50% dos votos, são contadas as segundas preferências, e sucessivamente até que se tenha obtido uma maioria. Os candidatos têm assim incentivos para cortejar eleitores para além do núcleo de suas bases e disputar a segunda ou terceira preferência destes grupos. Havendo, portanto, menos animosidade contra adversários.
Alguns analistas argumentam que a nova
regra poderia ter ajudado um moderado como
Biden. O inverso teria ocorrido com Trump (as primárias republicanas seguem
o padrão de maioria simples) que logrou ser escolhido mesmo tendo uma maioria
global contra si. Mais importante: o partidarismo lhes dá verniz majoritário
—94% dos que se identificam como republicanos sufragaram seu nome no pleito presidencial
de 2020.
O RCV e a representação proporcional (RP)
vêm sendo defendidos como a solução institucional para a polarização nos EUA,
mas o argumento contrário foi defendido no passado em relação à RP, à qual se
atribuiu à ascensão de Hitler, levando a Alemanha a introduzir , em 1949, um
componente majoritário no sistema e uma cláusula de barreira elevada.
A RP permite que partidos extremistas
obtenham representação, o que não aconteceria caso o país adotasse distritos de
um representante com maioria simples. O sistema partidário passaria a ser
dominado por dois partidos moderados devido às tendências centrípetas que a
regra cria. Os partidos extremistas só terão maioria nas jurisdições onde
estejam concentrados geograficamente e teriam contra si os incentivos ao voto
útil por parte dos eleitores.
A dinâmica é afetada também por outros
fatores como sistema de governo, a utilização de primárias, e a existência de
segundo turno. O presidencialismo, sim, baixa as barreiras para outsiders, o
que é exacerbado pela regra de dois turnos. Mas fatores contextuais importam:
crises podem criar uma janela de oportunidade para extremistas. Que podem
introduzir dimensões novas no espaço da disputa política, como já apontei neste
espaço.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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