Folha de S. Paulo
A Abin é sempre esquecida quando o golpe é citado, e esse é um erro
Um indicador visível e seguro dos efeitos
do bolsonarismo nas Forças Armadas, segundo a parte mais notória da
opinião pública, veio da opção de confiança depositada em duas repórteres ou no
general de quatro estrelas e ministro da
Defesa que as contestou, Walter Braga Netto.
Mesmo sem possibilidade de oferecer prova do que noticiaram, as duas
jornalistas viram-se acreditadas enquanto a nota contestatória do
general-ministro ruía em desconsideração imediata e irremediável.
Com muitas razões para tanto, foi logo
aceita como verdadeira a notícia de um recado ao presidente da Câmara, Arthur
Lira, no qual o ministro da Defesa o advertia de que “sem o voto auditável [ou impresso], não há eleição em 2022”.
O bordão de Bolsonaro, repetido no dia do
recado. Não seria senão para isso, e outras atitudes assim, que foram
substituídos os comandantes da Marinha e da Força Aérea, assumindo dois
oficiais tidos como bolsonaristas. Também o do Exército, passado a um presumido
manobrável, e posta a Defesa em mãos do ex-braço direito (e direita) de
Bolsonaro no Planalto.
A articulação antidemocrática foi fortalecida, portanto, e fez agora a segunda demonstração de sua índole. Prever a terceira não é temeridade.
Fatos sobrepostos, o incidente da
reportagem e a substituição do general Luiz Eduardo Ramos na chefia da Casa
Civil, substituído
pelo camaleônico senador Ciro Nogueira, deram origem a uma interpretação que se
expandiu com facilidade idêntica à da sua formulação. “Os militares
recuam do centro do governo”, “estão perdendo a guerra”, “o centrão atua para
defenestrar os militares” do governo.
A poderosa função de Ciro Nogueira,
liderança do centrão, vem do que ele pode obter para suprir as carências do
governo na Câmara. Não é outra coisa que os militares bolsonaristas desejam, de
olhos postos na eleição que ameaçam e nas pesquisas que os ameaçam abraçados a Bolsonaro.
Militares bolsonaristas não se contrapõem: são aliados. De ocasião, é verdade,
e de igualdade de caráteres, lembrando-se que o general Augusto Heleno volta à
moda pelo que cantava: “se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão”. Nem o
Ciro Nogueira com quem o general agora se enlaça.
Golpe e eleição se misturam. O Ciro
Nogueira que dará a deputados o que faça aprovar concessões eleitoreiras pró
Bolsonaro, fará o mesmo para a sua pretendida candidatura ao governo do Piauí.
Onyx Lorenzoni, no Trabalho, tem igual tarefa para Bolsonaro e para sua ambição
no Rio Grande do Sul.
Nas presidências da Câmara e do Senado,
Arthur Lira e o amorfo Rodrigo Pacheco jogam o jogo de Bolsonaro, inclusive
digerindo as ameaças militares, também para benefícios a suas sonhadas
candidaturas aos governos de Alagoas e Minas.
Bolsonaro
ficou de apresentar nesta semana as tais provas de fraude nas urnas
eletrônicas. Caso mostre alguma coisa, será obra que a Abin,
inconfiável por definição, está fazendo há meses. A Abin é sempre esquecida
quando o golpe é citado, e esse é um erro. A “procura de fraudes”, por exemplo,
ativada pelo diretor da agência, delegado bolsonarista Alexandre Ramagem, deve
ser o apelido de outra coisa. Talvez o que apareça como fraude da urna, ou
fraude fraudada.
Andreza Matais e Vera Rosa, além do
trabalho jornalístico, tiveram a coragem de se expor às contestações
problemáticas, dada a ausência de prova disponível para suas informações. O Estado
de S. Paulo merece igual reconhecimento pela publicação. Que a mim fez
lembrar a serena firmeza do velho Octavio Frias, em tantas situações
e decisões semelhantes. Mas há quem ache que o jornalismo está morrendo.
FALOU NELES
A delação espontânea da viúva de Adriano da Nóbrega, o ex-capitão miliciano assassinado por PMs na Bahia, encalhou no Ministério Público do Rio. É que Júlia Lotufo falou muito e, embora se disponha a falar ainda mais, já deixou o sobrenome Bolsonaro na pior situação.
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