O Globo
Assim como a camaleônica depoente Emanuela
Medrades, estamos todos exaustos da CPI da Covid. Foram quase três meses de
revelações desconcertantes e revoltantes para um país perplexo diante da
inépcia do governo federal na gestão da pandemia de Covid-19, e a pausa será
bem-vinda para respirar e para que os senadores possam organizar a estratégia
da reta final dos trabalhos.
Com a prorrogação das investigações
finalmente acatada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), é
preciso fazer com que a “parte 2” apresente aos brasileiros as respostas às
questões cruciais, deixe de lado os casos menores e, principalmente, se
preocupe em assegurar que, uma vez configurados crimes, eles sejam bem
demonstrados e tipificados.
O novo calendário decorrente da renovação por mais 90 dias traz uma possibilidade a mais para que o relatório final resulte em alguma consequência na Justiça brasileira: a conclusão da CPI se dará depois da decisão de Jair Bolsonaro sobre reconduzir ou não Augusto Aras à Procuradoria-Geral da República (PGR).
Preterido em duas ocasiões para uma cadeira
no Supremo Tribunal Federal, Aras só tem a esperar de Bolsonaro um novo mandato
à frente do Ministério Público Federal.
Os dois anos de sua gestão foram de
completa tibieza no papel fiscalizatório do MPF. Uma vez reconduzido, apostam
procuradores, ele poderá tentar se livrar da pecha de subserviente a Bolsonaro.
A CPI conta com essa possibilidade.
Caso esse “grito de independência” nunca
saia da garganta do PGR, um caminho estudado pelos senadores para evitar que o
relatório final caia no vazio é representar contra Bolsonaro no Tribunal Penal
Internacional (TPI), com sede em Haia.
Mas os próprios senadores são céticos
quanto à possibilidade de haver responsabilização do presidente pelo crime de
genocídio, que pressupõe, necessariamente, a deliberação de exterminar total ou
parcialmente um povo, grupo étnico ou religioso.
A estratégia da CPI neste caso seria
sustentar que Bolsonaro agiu intencionalmente para que uma grande parcela da
população se contaminasse pelo novo coronavírus, em busca de uma “imunidade de
rebanho”, defendida pelo tal gabinete paralelo, que elevou a mortandade no
país.
Trata-se de algo de difícil comprovação por
meio de dados e documentos. E o TPI costuma ser rigoroso em suas análises,
justamente para evitar servir de “VAR” para países que não conseguem punir seus
governantes na Justiça local.
Uma representação da CPI em Haia contra
Bolsonaro teria forte impacto político, inclusive internacional, mas poucas
chances de condenação, ainda mais num prazo de menos de um ano entre o fim da
CPI e as eleições de 2022.
Até aqui, o capítulo das vacinas é o que
melhor configura a responsabilidade direta do Executivo federal pela tragédia
da Covid-19 no Brasil. Deliberadamente, Bolsonaro e o Ministério da Saúde
postergaram a compra de vacinas diretamente com farmacêuticas, o que atrasou o
início da imunização no país e fez com que seu ritmo ficasse aquém do possível.
Paralelamente, suspenderam e boicotaram as medidas restritivas que poderiam
conter a segunda onda enquanto as vacinas não chegassem. Esses são fatos
demonstrados nos processos de negociação com a Pfizer e a CoronaVac.
Há ainda evidências dos crimes de
prevaricação e de corrupção na compra, só depois sustada, da vacina indiana
Covaxin por meio de uma intermediária que já havia dado calote no próprio
Ministério da Saúde, com sobrepreço e omissão direta do presidente da República
diante de denúncia de irregularidades.
Esses são os carros-chefes do relatório de Renan Calheiros, e a pausa de duas semanas sem holofotes e depoimentos ruidosos poderá ser muito salutar para que o próprio relator, os técnicos e os demais senadores mergulhem nos documentos a fim de traçar a linha acusatória.
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