sexta-feira, 16 de julho de 2021

Vera Magalhães - Pausa na comissão é bem-vinda

O Globo

Assim como a camaleônica depoente Emanuela Medrades, estamos todos exaustos da CPI da Covid. Foram quase três meses de revelações desconcertantes e revoltantes para um país perplexo diante da inépcia do governo federal na gestão da pandemia de Covid-19, e a pausa será bem-vinda para respirar e para que os senadores possam organizar a estratégia da reta final dos trabalhos.

Com a prorrogação das investigações finalmente acatada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), é preciso fazer com que a “parte 2” apresente aos brasileiros as respostas às questões cruciais, deixe de lado os casos menores e, principalmente, se preocupe em assegurar que, uma vez configurados crimes, eles sejam bem demonstrados e tipificados.

O novo calendário decorrente da renovação por mais 90 dias traz uma possibilidade a mais para que o relatório final resulte em alguma consequência na Justiça brasileira: a conclusão da CPI se dará depois da decisão de Jair Bolsonaro sobre reconduzir ou não Augusto Aras à Procuradoria-Geral da República (PGR).

Preterido em duas ocasiões para uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, Aras só tem a esperar de Bolsonaro um novo mandato à frente do Ministério Público Federal.

Os dois anos de sua gestão foram de completa tibieza no papel fiscalizatório do MPF. Uma vez reconduzido, apostam procuradores, ele poderá tentar se livrar da pecha de subserviente a Bolsonaro. A CPI conta com essa possibilidade.

Caso esse “grito de independência” nunca saia da garganta do PGR, um caminho estudado pelos senadores para evitar que o relatório final caia no vazio é representar contra Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia.

Mas os próprios senadores são céticos quanto à possibilidade de haver responsabilização do presidente pelo crime de genocídio, que pressupõe, necessariamente, a deliberação de exterminar total ou parcialmente um povo, grupo étnico ou religioso.

A estratégia da CPI neste caso seria sustentar que Bolsonaro agiu intencionalmente para que uma grande parcela da população se contaminasse pelo novo coronavírus, em busca de uma “imunidade de rebanho”, defendida pelo tal gabinete paralelo, que elevou a mortandade no país.

Trata-se de algo de difícil comprovação por meio de dados e documentos. E o TPI costuma ser rigoroso em suas análises, justamente para evitar servir de “VAR” para países que não conseguem punir seus governantes na Justiça local.

Uma representação da CPI em Haia contra Bolsonaro teria forte impacto político, inclusive internacional, mas poucas chances de condenação, ainda mais num prazo de menos de um ano entre o fim da CPI e as eleições de 2022.

Até aqui, o capítulo das vacinas é o que melhor configura a responsabilidade direta do Executivo federal pela tragédia da Covid-19 no Brasil. Deliberadamente, Bolsonaro e o Ministério da Saúde postergaram a compra de vacinas diretamente com farmacêuticas, o que atrasou o início da imunização no país e fez com que seu ritmo ficasse aquém do possível. Paralelamente, suspenderam e boicotaram as medidas restritivas que poderiam conter a segunda onda enquanto as vacinas não chegassem. Esses são fatos demonstrados nos processos de negociação com a Pfizer e a CoronaVac.

Há ainda evidências dos crimes de prevaricação e de corrupção na compra, só depois sustada, da vacina indiana Covaxin por meio de uma intermediária que já havia dado calote no próprio Ministério da Saúde, com sobrepreço e omissão direta do presidente da República diante de denúncia de irregularidades.

Esses são os carros-chefes do relatório de Renan Calheiros, e a pausa de duas semanas sem holofotes e depoimentos ruidosos poderá ser muito salutar para que o próprio relator, os técnicos e os demais senadores mergulhem nos documentos a fim de traçar a linha acusatória.

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