O Estado de S. Paulo
Enquanto presidente ressuscita facada para
desviar foco da CPI, aliados pragmáticos acham que governo precisa contemplar o
Senado
Dirigentes de partidos do Centrão esperam
que a internação de Jair
Bolsonaro e o recesso do Congresso, nos próximos dias, sirvam
como pausa para um freio de arrumação política. Após a ofensiva de Bolsonaro
contra ministros do Supremo Tribunal Federal e ameaças golpistas, o
presidente foi instado a adotar o estilo “Jairzinho paz e amor”, que não durou
48 horas. Agora, o discurso de aliados mais ideológicos para desviar o foco da
crise é puxado pela hasthag #QuemMandouMatarBolsonaro. Pragmático, o Centrão
avalia que não se vence a tempestade no gogó e quer um nome do Senado como
ministro, para ajudar na articulação do governo.
O presidente tem usado sua doença como mais uma arma contra o PT e seus adversários, ao lembrar da facada sofrida em setembro de 2018, durante a campanha eleitoral. Além disso, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) disse não entender os critérios usados pelo Judiciário para quebrar o sigilo telefônico de “algumas pessoas” e “proteger outras”. Nesse capítulo, voltou à cena a acusação de que Adélio Bispo – autor da facada em Bolsonaro – foi financiado por forças ocultas da esquerda para cometer o atentado.
As quebras de sigilo telefônico criticadas por Flávio estão relacionadas a uma nova frente de investigação aberta pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes sobre o que ele classificou como “organização criminosa” envolvendo o “gabinete do ódio” instalado no Palácio do Planalto. Ao determinar a abertura do inquérito, Moraes destacou que o grupo na mira da Polícia Federal tem “posição privilegiada” no convívio com Bolsonaro e conta com auxílio de parlamentares – entre eles filhos do presidente – para pregar “o retorno do Estado de Exceção”.
Pressionado pela CPI da Covid,
por denúncias de corrupção e pelo crescente desgaste de imagem, agravado por
protestos de rua pedindo o impeachment, Bolsonaro ouviu de aliados, dias antes
da internação, o conselho para “submergir” e fazer mudanças no ministério.
Uma das trocas sugeridas para apaziguar os
ânimos seria a nomeação de um senador para o “núcleo duro” da equipe. No
diagnóstico desses interlocutores, a estratégia diminuiria as resistências à
indicação de André Mendonça para ocupar uma cadeira no Supremo. Mendonça ainda
precisa ter o nome aprovado pelo Senado e será sabatinado pela Casa em agosto,
após o recesso.
Um dos líderes do Centrão chegou a dizer ao
presidente que, se cada um dos Poderes voltar para “sua casinha”, será possível
virar a página da crise. Apesar do quadro de desmanche do governo, dirigentes
de partidos próximos a Bolsonaro afirmam que a eleição de 2022 não está perdida
para o Planalto, sob o argumento de que a pandemia vai arrefecer e haverá
melhorias no cenário econômico e social.
Bolsonaro, porém, não quer substituir o
ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, seu amigo de mais de 40
anos, apesar dos apelos de aliados, que dão como certa a queda do líder do
governo na Câmara, Ricardo
Barros (Progressistas-PR). Ex-ministro da Saúde, Barros teve o
nome citado pelo deputado Luiz Miranda (DEM-DF) em depoimento à CPI da Covid.
Até agora Bolsonaro não desmentiu que atribuiu a Barros o “rolo” nas
negociações para compra da vacina indiana Covaxin.
Na prática, o articulador político do
Planalto tem sido Flávio, o filho “01”. Foi ele que, nesta quinta-feira, 15,
encerrou postagem nas redes sociais com a hasthag #QuemMandouMatarBolsonaro. O
contra-ataque do governo para sair das cordas passa por criar um novo fato,
que, neste caso, une a facada, a esquerda, o mártir e, agora, as eleições de
2022.
“Bolsonaro alimenta o vitimismo para
promover uma cortina de fumaça e se distanciar da CPI da Covid, da corrupção e
do genocídio. Em vez de se preocupar com sua recuperação, quer capitalizar a
compulsão pela morte”, disse o deputado Ivan Valente (PSOL-SP). Na
avaliação de Valente, um dos deputados que deixaram o PT em 2005, na esteira do
escândalo do mensalão, Bolsonaro aposta em fake news e no confronto permanente
para sobreviver.
Adélio Bispo, o homem que desferiu a facada
contra Bolsonaro, foi filiado ao PSOL, mas na época do atentado já havia se
desligado do partido há anos. A investigação da Polícia Federal nunca confirmou
a tese bolsonarista de que Adélio, considerado inimputável por insanidade
mental, agiu a mando de alguém.
A exemplo do que ocorre na acusação feita pelo presidente ao sustentar que as eleições de 2014 e de 2018 foram fraudadas, Bolsonaro diz não ter provas de nada. Mas a simples tese da conspiração serve para construir a narrativa do salvador da Pátria sacrificado, que embala a campanha à reeleição. Como na fábula do sapo e do escorpião, Bolsonaro sempre seguirá a sua natureza.
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