sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Claudia Safatle - Sem rumo e sem direção

Valor Econômico

“Estamos em um Estado caótico; sem direção, sem programa, sem projeto, uma estupidez geral”, diz Delfim Netto

O ministro Paulo Guedes está aborrecido com o fato de a crise institucional estar contaminando a economia, que começou a desandar. Ele assegura que isso nada tem a ver com os fundamentos. Segundo Guedes, o déficit primário neste ano deve ser de 1,7% do PIB, percentual e cai para 0,3% do PIB no ano que vem. Esses prognósticos, diz ele, garantem que não há descontrole nas contas públicas. “Hoje não há o menor fundamento, do ponto de vista estritamente econômico, para dizer que o Brasil está perdendo o controle. É exatamente o contrário, o Brasil atravessou a maior crise fiscal, a maior depressão dos tempos modernos, e se recuperou em tempo recorde”, tem dito o ministro nos encontros com empresários.

É importante que se diga que a crise entre os Poderes Executivo e Judiciário é obra do presidente Jair Bolsonaro, “que está obcecado com uma suposta conspiração contra a sua reeleição”, diz uma fonte oficial. A economia, que parecia estar reagindo e que poderia jogar a favor da reeleição, começou a fraquejar. Não exatamente por temor dos desdobramentos da briga de Bolsonaro com dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes e Luiz Roberto Barroso, e os riscos que isso traz para a democracia, mas porque está ficando claro a cada dia que nada mais vai andar, pois o presidente está ocupado com outros assuntos. Não vai haver reforma tributária nem administrativa, e é bastante provável que também não será votado o pacote do Imposto de Renda.

O projeto de lei 2.337/2021, que concebeu as mudanças no IR da pessoa física e jurídica, era uma colcha de retalhos sem um propósito claro mas, sem ele, fica mais difícil financiar o novo Bolsa Família, chamado de Auxílio Brasil.

O dólar, pelos fundamentos, deveria estar cotado a R$ 4,50, e não nos R$ 5,30, arrisca um assessor da área econômica do governo. A acentuada desvalorização da taxa de câmbio, associada ao aumento das tarifas de energia e dos preços da gasolina, piora as expectativas inflacionárias e o IPCA-15 já apresenta inflação de dois dígitos em quatro capitais. O IPCA-15 acumulado em 12 meses foi de 10,37% em Porto Alegre, 10,67% em Goiânia, 11,37% em Fortaleza e 11,43% em Curitiba.

“A turma do Palácio do Planalto, do entorno do presidente Bolsonaro, fica dizendo ‘Oh! Olha a inflação alta e os juros que estão subindo também’. Dizem que a proposta liberal não dá certo e que só queremos vender as empresas estatais”, conta um assessor. A elevação da taxa de juros piora o quadro fiscal, mas os juros básicos têm que subir porque a inflação está alta e ela está alta, em parte, por causa da taxa de câmbio, que tem tido comportamento volátil diante da postura do presidente da República, acredita a fonte.

No dia 30 de agosto termina o prazo para o envio, ao Congresso Nacional, do projeto de lei do Orçamento para 2022. Seria uma boa oportunidade de apresentar ao país os detalhes das contas públicas para o próximo exercício e dizer se elas cabem na lei do teto do gasto ou não. Mas tudo indica que a proposta orçamentária será provisória. Isso porque o governo não sabe ainda qual será a decisão do Congresso em relação à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que parcela o pagamento dos precatórios; e não deverá constar do projeto de lei do Orçamento, também, o novo Bolsa Família com os novos valores e um raio de cobertura mais amplo.

“Ainda bem que temos a lei do teto do gasto público [que estabelece a correção da despesa apenas pela inflação passada]. Isso é muito importante porque impede o governo de fazer maluquices”, comenta uma fonte da Economia.

“Agora, se precisamos de arrumar dinheiro para financiar o Auxílio Brasil, vamos vender ativos”, salienta a fonte. Recentemente, Guedes anunciou uma lista de bens imóveis que o governo pretende vender para a iniciativa privada. Citou, por exemplo o Palácio Gustavo Capanema, um prédio modernista onde funcionava os ministérios da Educação e da Saúde, no Rio. O anúncio pegou mal no meio cultural do país, que reagiu contra.

Há, porém, um fato inescapável na discussão sobre a venda de imóveis da União: se for vendido ao setor privado, o palácio deverá ser preservado. Nas mãos do Estado, ele corre sério risco de cair ou de pegar fogo, tal como aconteceu com o Museu Nacional, que, em 2 de setembro de 2018, foi consumido por um incêndio de grandes proporções; o Museu da Língua Portuguesa, que pegou fogo em dezembro de 2015; ou, ainda, a Cinemateca Brasileira, cujo incêndio, ocorrido em julho passado, destruiu um galpão com o acervo histórico.

Guedes está chateado, mas não pensa em pedir as contas. “Ele tem certeza de que não pode largar tudo porque sua saída criaria uma tremenda confusão”, diz um assessor que frequenta o gabinete do ministro.

Estupidez geral

Delfim Netto, 93 anos, diante da cena política brasileira, desabafa: “É desanimador! Uma coisa inconcebível! Estamos em um Estado caótico. Sem direção, sem programa, sem projeto, uma estupidez geral”.

Sobre a proposta de reforma do Imposto de Renda enviada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para a Câmara e que consumiu dois meses de discussão, por exemplo, ele comenta: “Estavam tentando construir o telhado sem ter feito o baldrame”. Delfim acredita que o projeto de lei está morto e enterrado, para o bem da nação.

“Estou começando a me animar com o Rodrigo Pacheco, presidente do Senado”, aponta o ex-ministro. O senador cresceu na resistência à ofensiva de Bolsonaro, que, prosseguindo na sua agenda particular e descolada dos reais problemas do país, mandou para o Senado um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Pacheco rejeitou o pedido do presidente e encerrou o assunto.

“Ele desponta como possível candidato à Presidência da República. É firme, educado, fino. Gostei muito do ‘basta’ que ele deu”, diz Delfim.

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