Valor Econômico
“Estamos em um Estado caótico; sem direção,
sem programa, sem projeto, uma estupidez geral”, diz Delfim Netto
O ministro Paulo Guedes está aborrecido com
o fato de a crise institucional estar contaminando a economia, que começou a
desandar. Ele assegura que isso nada tem a ver com os fundamentos. Segundo
Guedes, o déficit primário neste ano deve ser de 1,7% do PIB, percentual e cai
para 0,3% do PIB no ano que vem. Esses prognósticos, diz ele, garantem que não
há descontrole nas contas públicas. “Hoje não há o menor fundamento, do ponto
de vista estritamente econômico, para dizer que o Brasil está perdendo o
controle. É exatamente o contrário, o Brasil atravessou a maior crise fiscal, a
maior depressão dos tempos modernos, e se recuperou em tempo recorde”, tem dito
o ministro nos encontros com empresários.
É importante que se diga que a crise entre os Poderes Executivo e Judiciário é obra do presidente Jair Bolsonaro, “que está obcecado com uma suposta conspiração contra a sua reeleição”, diz uma fonte oficial. A economia, que parecia estar reagindo e que poderia jogar a favor da reeleição, começou a fraquejar. Não exatamente por temor dos desdobramentos da briga de Bolsonaro com dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes e Luiz Roberto Barroso, e os riscos que isso traz para a democracia, mas porque está ficando claro a cada dia que nada mais vai andar, pois o presidente está ocupado com outros assuntos. Não vai haver reforma tributária nem administrativa, e é bastante provável que também não será votado o pacote do Imposto de Renda.
O projeto de lei 2.337/2021, que concebeu
as mudanças no IR da pessoa física e jurídica, era uma colcha de retalhos sem
um propósito claro mas, sem ele, fica mais difícil financiar o novo Bolsa
Família, chamado de Auxílio Brasil.
O dólar, pelos fundamentos, deveria estar
cotado a R$ 4,50, e não nos R$ 5,30, arrisca um assessor da área econômica do
governo. A acentuada desvalorização da taxa de câmbio, associada ao aumento das
tarifas de energia e dos preços da gasolina, piora as expectativas
inflacionárias e o IPCA-15 já apresenta inflação de dois dígitos em quatro
capitais. O IPCA-15 acumulado em 12 meses foi de 10,37% em Porto Alegre, 10,67%
em Goiânia, 11,37% em Fortaleza e 11,43% em Curitiba.
“A turma do Palácio do Planalto, do entorno
do presidente Bolsonaro, fica dizendo ‘Oh! Olha a inflação alta e os juros que
estão subindo também’. Dizem que a proposta liberal não dá certo e que só
queremos vender as empresas estatais”, conta um assessor. A elevação da taxa de
juros piora o quadro fiscal, mas os juros básicos têm que subir porque a
inflação está alta e ela está alta, em parte, por causa da taxa de câmbio, que
tem tido comportamento volátil diante da postura do presidente da República,
acredita a fonte.
No dia 30 de agosto termina o prazo para o
envio, ao Congresso Nacional, do projeto de lei do Orçamento para 2022. Seria
uma boa oportunidade de apresentar ao país os detalhes das contas públicas para
o próximo exercício e dizer se elas cabem na lei do teto do gasto ou não. Mas
tudo indica que a proposta orçamentária será provisória. Isso porque o governo
não sabe ainda qual será a decisão do Congresso em relação à Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) que parcela o pagamento dos precatórios; e não deverá
constar do projeto de lei do Orçamento, também, o novo Bolsa Família com os
novos valores e um raio de cobertura mais amplo.
“Ainda bem que temos a lei do teto do gasto
público [que estabelece a correção da despesa apenas pela inflação passada].
Isso é muito importante porque impede o governo de fazer maluquices”, comenta
uma fonte da Economia.
“Agora, se precisamos de arrumar dinheiro
para financiar o Auxílio Brasil, vamos vender ativos”, salienta a fonte.
Recentemente, Guedes anunciou uma lista de bens imóveis que o governo pretende
vender para a iniciativa privada. Citou, por exemplo o Palácio Gustavo
Capanema, um prédio modernista onde funcionava os ministérios da Educação e da
Saúde, no Rio. O anúncio pegou mal no meio cultural do país, que reagiu contra.
Há, porém, um fato inescapável na discussão
sobre a venda de imóveis da União: se for vendido ao setor privado, o palácio
deverá ser preservado. Nas mãos do Estado, ele corre sério risco de cair ou de
pegar fogo, tal como aconteceu com o Museu Nacional, que, em 2 de setembro de
2018, foi consumido por um incêndio de grandes proporções; o Museu da Língua
Portuguesa, que pegou fogo em dezembro de 2015; ou, ainda, a Cinemateca
Brasileira, cujo incêndio, ocorrido em julho passado, destruiu um galpão com o
acervo histórico.
Guedes está chateado, mas não pensa em
pedir as contas. “Ele tem certeza de que não pode largar tudo porque sua saída
criaria uma tremenda confusão”, diz um assessor que frequenta o gabinete do
ministro.
Estupidez geral
Delfim Netto, 93 anos, diante da cena
política brasileira, desabafa: “É desanimador! Uma coisa inconcebível! Estamos
em um Estado caótico. Sem direção, sem programa, sem projeto, uma estupidez
geral”.
Sobre a proposta de reforma do Imposto de
Renda enviada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para a Câmara e que
consumiu dois meses de discussão, por exemplo, ele comenta: “Estavam tentando
construir o telhado sem ter feito o baldrame”. Delfim acredita que o projeto de
lei está morto e enterrado, para o bem da nação.
“Estou começando a me animar com o Rodrigo
Pacheco, presidente do Senado”, aponta o ex-ministro. O senador cresceu na
resistência à ofensiva de Bolsonaro, que, prosseguindo na sua agenda particular
e descolada dos reais problemas do país, mandou para o Senado um pedido de
impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Pacheco rejeitou o pedido do presidente e encerrou o assunto.
“Ele desponta como possível candidato à Presidência da República. É firme, educado, fino. Gostei muito do ‘basta’ que ele deu”, diz Delfim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário