Valor Econômico
Alexandre de Moraes sinaliza que apenas irá
reagir a eventuais a ataques
Confiem no capitão, apelam alguns aliados
de Jair Bolsonaro àqueles que ficaram inconformados com a mudança de postura do
presidente da República nos últimos dias. Ele joga xadrez, e não damas,
acrescentam. “Recuou para atingir seus objetivos mais à frente.”
A especificação da modalidade é relevante. Em seu memorável livro “Sobre a China”, por exemplo, o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger mostra como é possível entender as mentalidades ocidental e chinesa a partir da análise dos jogos intelectuais mais tradicionais de cada sociedade. Na China, joga-se o “wei qi”, que tem como objetivo o cerco estratégico por meio da paciente acumulação de vantagens relativas e simultâneas em diversas áreas do tabuleiro. Mais popular no Ocidente, o xadrez é marcado por batalhas épicas por meio das quais um lado busca impor a morte ou a rendição do exército oposto.
Na comparação bolsonarista, surge o jogo de
damas: enquanto o enxadrista tem à disposição uma série de movimentos,
inclusive o recuo, o praticante de damas só pode mover as peças comuns para a
frente. Neste jogo, a captura de peças do adversário é obrigatória quando
existe essa possibilidade. É tudo ou nada. E o contra-ataque pode ser
fulminante, o que explica o fato de aliados do presidente terem passado a
citá-lo como estrategista praticante do xadrez para justificar sua decisão de
pedir socorro ao ex-presidente Michel Temer (MDB). Era preciso reconstruir
pontes com o Supremo Tribunal Federal (STF) o mais rápido possível, mesmo que
aparentemente os peões tenham sido movimentados em vão no dia 7.
Resultado desse encontro, a divulgação da
carta com linhas conciliatórias de imediato atraiu uma série de críticas das
alas mais radicais que apoiam o governo. Provocou, também, queda drástica da
sua popularidade nas redes sociais, um tabuleiro no qual Bolsonaro se acostumou
a ganhar e aposta para impulsionar sua campanha à reeleição. Nas contas do
Palácio do Planalto, 150 milhões de brasileiros são usuários das redes sociais.
Setenta por cento da população.
Mas tal movimento, ponderam os aliados
fiéis do presidente, deve ser visto apenas como um recuo tático. Necessário, é
verdade, mas não definitivo.
Acredita-se no núcleo político do governo
que Bolsonaro saiu relativamente fortalecido da última semana, o que lhe
assegura um lugar estratégico para manter-se altivo no jogo, nas relações com o
Congresso e o Supremo.
Fortalecido porque os atos do dia 7 de
setembro, pró-Bolsonaro, foram enormes e se espalharam por vários Estados.
Outro aspecto citado por interlocutores é o fato de as manifestações terem sido
pacíficas - a véspera foi tensa, quando os apoiadores ultrapassaram a barreira
fixada na Esplanada dos Ministérios pela Polícia Militar do Distrito Federal,
mas não foram registrados incidentes relevantes durante os atos. Bolsonaro deu
uma inequívoca demonstração de força política, e a mobilização da oposição no
dia 12 foi pífia.
O emprego do advérbio “relativamente” pelo
entorno presidencial, por outro lado, decorre do fato de que o chefe do
Executivo não conseguiu implodir a cadeia de comando das polícias militares,
muito menos a estrutura hierárquica das Forças Armadas, e precisou executar o
tal “recuo tático”.
Bolsonaro extrapolou. Em vez de controlar a
massa, deixou-se por ela influenciar. Sob a ótica até de aliados, errou no
discurso. Principalmente quando falou na avenida Paulista, onde os próprios
excessos contribuíram para contaminar um ambiente institucional já deteriorado.
Em um trecho do pronunciamento feito na
capital paulista, Bolsonaro bradava que Alexandre de Moraes, do STF, ainda
tinha tempo de se redimir e arquivar os inquéritos que tanto incomodam o
presidente e seu grupo político. No entanto, diante da reação negativa dos que
o ouviam, logo remodelou a fala e disse que, na realidade, já havia acabado o
tempo do magistrado. Foi quando chamou o ministro do Supremo de “canalha”.
Ovação obtida, crise institucional
contratada.
“Tivemos vários anos de recessão e dois
anos de pandemia. Não podemos ter agora uma crise institucional”, lamentou
horas depois um interlocutor do presidente que acompanhava de perto as
articulações que se iniciaram com a ida de Temer ao gabinete presidencial e
acabaram com o telefonema que colocou de um lado da linha Bolsonaro e, do
outro, o próprio ministro Alexandre de Moraes.
Aguardam-se, agora, os próximos lances de
Bolsonaro, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional.
Se depender da disposição governista, não
se deve concluir que a macro-estratégia do presidente tenha sido alterada. E é
exatamente por isso que exigem, tanto na sociedade civil quanto no Congresso,
que a base permaneça em formação para as batalhas que se seguirão. Uma das metas
de curto prazo é obter espaço nas contas públicas e fontes de financiamento
para lançar um programa social que apague da memória do eleitor a marca “Bolsa
Família”. Outra prioridade é afastar o risco de ver os integrantes da família
presidencial alvejados por decisões judiciais.
No Congresso, as discussões sobre a
possibilidade de abertura de um processo de impeachment foram adiadas. Na
Câmara, Bolsonaro está blindado. O Senado lhe é mais hostil, mas o governo hoje
tem número suficiente para mantê-lo no cargo também nesta Casa.
Se o impeachment voltar à pauta nos
próximos meses, virá com alguma articulação que considere o caso do
ex-presidente Fernando Collor como referência. Além da cadeira, Collor também
perdeu os direitos políticos e foi impedido de disputar as próximas eleições,
diferentemente do que foi feito com a ex-presidente Dilma Rousseff com a ajuda
do STF e dos partidos de centro.
Quanto a Alexandre de Moraes, quem
conversou com o magistrado tem a certeza de que está disposto a permanecer
inerte, mas reagirá se ele próprio ou o Judiciário voltarem a ser alvos do
presidente e seu grupo político.
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