quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Como lidar com a inflação em 2021

Valor Econômico

Choque com recuperação de preços em dólares das matérias primas e forte desvalorização do real está se dissipando

Estamos vivendo um período de aceleração da inflação ao consumidor como mostra o índice de difusão de mais de 72% no IPCA de agosto. A complexidade deste processo pode ser identificada pelas constantes revisões das instituições financeiras a cada divulgação dos números oficiais, como aconteceu agora com o indicador de agosto.

Esta ciranda teve seu início no terceiro trimestre de 2020 quando, assustados com a ameaça de uma depressão econômica provocada pela pandemia, mercado e Banco Central começaram a reduzir suas previsões para a inflação um ano à frente. Com a aplicação rígida do protocolo seguido pelo BC, o Copom reduziu seguidamente a taxa Selic até 2% ao ano, como mostra parte do texto da Ata da 232ª reunião do Copom de 4 e 5 de agosto:

 “No cenário híbrido, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio constante a R$ 5,20/US$ as projeções de inflação do Copom situam-se em torno de 1,9% para 2020, 3,0% para 2021 e 3,4% para 2022”.

Mas este cenário assustador começou a ser questionado ainda em 2020, a partir de uma recuperação da economia mundial muito mais rápida do que a prevista inicialmente. A maioria dos governos e Bancos Centrais, rescaldados com a lentidão com que reagiram à crise de 2008, criaram rapidamente agressivos estímulos monetários e fiscais. Com isto, a recessão profunda que se previa ficou restrita a um pouco mais de um trimestre e a recuperação da demanda na grande maioria das economias na virada de 2020 já voltava aos níveis anteriores à pandemia.

Este cenário não previsto pelas autoridades econômicas, principalmente Bancos Centrais, acabou por provocar desequilíbrios importantes entre oferta e demanda em mercados como o da produção de bens de consumo e, principalmente, no sistema de logística internacional. Na prática, a demanda adicional criada pela expansão fiscal da ordem de 10% do PIB em economias de grande porte superou em muito a redução por conta das restrições de mobilidade social implantadas.

Este fenômeno foi mais forte no caso da China com uma queda de apenas 4% do PIB no segundo trimestre, e um crescimento no ano fechado de mais de 2%.

Com este perfil, a recuperação da demanda chinesa por matérias primas já estava ocorrendo no último trimestre do ano e provocando uma forte pressão sobre os preços em dólares das principais commodities agrícolas e metálicas, principalmente em países como o Brasil. No Brasil, país que se atrasou na definição de um plano consistente de combate à pandemia, enfrentamos uma vigorosa fuga de capital externo de curto prazo e que chegou a cerca de US$ 45 bilhões. Como resultado o real sofreu uma desvalorização superior a 40%, tornando ainda mais deletério o impacto da elevação das cotações internacionais nos preços internos, principalmente alimentos e combustíveis.

Outro desequilíbrio não previsto e criado pela surpresa com este pequeno espasmo de recessão levou a uma crise ainda desconhecida no funcionamento das cadeias produtivas globalizadas. O descompasso entre oferta e demanda por conta das reações diferenciadas de consumidores e empresas produtivas à pandemia criou a escassez de componentes cruciais, principalmente na indústria e no sistema logístico marítimo.

Alguns exemplos marcantes foram um aumento dos preços de automóveis usados de mais de 40% em função das limitações da produção dos novos e nos custos de movimentação de cargas via containers de aço pelas restrições sanitárias no comércio internacional. Em função destes choques caminhamos para o último trimestre de 2021 com os índices de preços na porta da fábrica ainda superando os 9% na China e a quase 7% nos Estados Unidos, níveis inclusive superiores ao que ocorre no Brasil

Principalmente na indústria, este fenômeno mundial chegou a nosso país na virada de 2020 para 2021, adicionando um novo choque externo aos cenários do Copom. Um exemplo claro destas dificuldades foi revelado nas estatísticas da indústria automobilística do último mês de agosto, com o estoque de carros zero km da indústria no nível mais baixo de sua história (13 dias de vendas).

Finalmente no Brasil um último “black swan” nos atingiu na forma de uma crise hídrica e a necessidade de uma correção discreta e bem acima dos custos normais de geração de energia elétrica. Mais uma vez os cenários com que o Copom trabalhava foram afetados de forma não esperada.

Estamos, portanto, diante de um processo inflacionário complexo e inédito em nossa longa história da busca da estabilização da nossa moeda. Para lutar o bom combate será preciso um exercício analítico de nível superior à simples aplicação de protocolos tradicionais conhecidos e, principalmente, respeito à natureza dos choques externos que sofremos e à sua linha do tempo.

Os números do IGPM mais recentes mostram que o choque representado pela recuperação dos preços em dólares das principais matérias primas em um ambiente de forte desvalorização do real está se dissipando. Mas ainda temos impactos atrasados principalmente sobre os índices de varejo como mostrou o IPCA de agosto, com um terço de seu número cheio correspondendo aos aumentos da gasolina, etanol e energia.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

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