Folha de S. Paulo
País voltou ao modelo em que poderosos
apostam que conseguirão tutelar o presidente
No fim da tarde, algumas das principais
autoridades do país interromperam suas agendas para buscar
um troféu no Planalto. Se o país atravessasse uma fase normal,
aquele seria um desperdício de tempo e dinheiro. Numa situação com 14 milhões
de desempregados, inflação em disparada e uma crise política permanente, foi um
despropósito completo.
Os chefes do Congresso e um ministro do STF foram agraciados com um prêmio para quem se destacou na área das comunicações. Pode não ser fácil apontar feitos de Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e Dias Toffoli no setor, mas os três cumpriram com excelência papéis de figurantes na encenação de normalidade após as ameaças autoritárias do presidente.
As elites de Brasília reinstalaram a
política de acomodações que, ao longo dos últimos anos, deixou o caminho livre
para Bolsonaro sabotar políticas públicas e ameaçar a democracia. Uma semana
depois do showmício golpista, elas estiveram sentadas ao lado do presidente e
discutiram o projeto do governo para estimular a navegação de cabotagem.
Na cerimônia de entrega do prêmio,
Bolsonaro vestiu a fantasia. Disse que formava "um só corpo" com STF
e Congresso, enalteceu o centrão e alegou que muitas vezes erra "no
palavreado". Para não perder o costume, elogiou as Forças Armadas e citou
o artigo 142 da Constituição, que ele gosta de usar nos acenos
intervencionistas à sua base radical.
Há muita gente disposta a acreditar que o
presidente seguirá o roteiro de Michel Temer. Autor da nota em que Bolsonaro
pedia uma trégua ao STF, o emedebista foi o centro das atenções de um jantar em
que figuras da política e da economia gargalhavam da imitação de
um Bolsonaro que falava em mandar um ministro do tribunal para
o pau de arara.
O movimento dos
últimos dias acalmou investidores e satisfez políticos
interessados em gerenciar as crises fabricadas pelo presidente. O país voltou
ao velho modelo em que poderosos e endinheirados apostam que podem tutelar
Bolsonaro. Os prejuízos desse jogo estão aí.
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