Correio Braziliense
Esse grupo acompanhou a
trajetória política do Brasil desde o golpe que destituiu João Goulart, em
1964, até a recente confusão armada por Bolsonaro
Um evento importante para a política será realizado, hoje, para discutir a crise brasileira, com a participação dos ex-presidentes José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, no qual o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim fará uma abertura sobre a crise institucional que estamos atravessando, com mediação do ex-governador fluminense Moreira Franco. O seminário “Um novo rumo para o Brasil” é promovido pelas fundações do MDB, PSDB, DEM e Cidadania, e contará ainda com os presidentes dos respectivos partidos — o deputado federal Baleia Rossi (SP), o ex-ministro das Cidades Bruno Araújo, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto e o ex-senador Roberto Freire, respectivamente.
O evento estava sendo organizado havia
meses, para começar em 8 de setembro, mas o ex-presidente Michel Temer,
premonitoriamente, sugeriu que fosse adiado por uma semana, não apenas por
causa do feriadão do 7 de setembro, mas porque se temia que, no Dia da
Independência, algum fato relevante ocorresse, como acabou acontecendo,
exigindo certa decantação para que o evento não se transformasse numa operação
de apagar incêndio. Ou seja, que deixasse de discutir saídas para a crise
política que o país atravessa e o choque entre Poderes. Acabou que foi
exatamente isso o que ocorreu no dia 8 de setembro, uma operação para conter as
chamas dos discursos incendiários de Bolsonaro, que provocaram um locaute de
caminhoneiros e que assombraram os agentes econômicos e aliados do governo.
O título da coluna, obviamente, é uma
analogia, porque Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer nem de longe
têm a potência de voz dos três tenores aos quais se remete: Plácido Do- mingo,
José Carreras e Luciano Pavarotti, que cantaram juntos, em concertos, durante a
década de 1990 e no início da década de 2000. A primeira performance do trio
ocorreu nas Termas de Caracala, em Roma, Itália, em 7 de julho de 1990 — no
encerramento da Copa do Mundo de Futebol de 1990. Zubin Mehta conduziu a
Orquestra Maggio Musicale Fiorentino e a Orquestra do Teatro da Ópera de Roma.
Potência de voz no sentido figurado, porque
são vozes influentes ainda hoje na política brasileira. Sarney virou um oráculo
de muitos senadores influentes; FHC é o único que pode juntar os cacos do PSDB
e continua sendo a referência política do grupo de economistas que salvou o
país da hiperinflação; finalmente, Temer renasceu das cinzas, sendo o único
interlocutor do presidente Jair Bolsonaro no mundo da alta política — os demais
são operadores do baixo clero. O ex-ministro Nelson Jobim dispensa
apresentação: é um personagem importante na calibragem das propostas que podem
surgir do evento, porque foi ministro da Justiça de Fernando Henrique,
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e ministro da Defesa do ex-
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de personagem muito importante na
elaboração da Constituição de 1988.\
O anjo torto
Do time de presidentes de partidos, Roberto Freire (Cidadania) é o único que
participou da Constituinte. Viveu todos os momentos da transição à democracia,
desde sua eleição a deputado federal em 1978. Baleia Rossi (MDB), Bruno Araújo
(PS- DB) e ACM Neto (DEM) pertencem à nova geração que comanda o Congresso. No
seminário, formarão uma espécie de backing vocal. Na música, muita gente
subestima o coro que dá sustentação aos tenores e outros solistas, mas é
preciso muita habilidade para desempenhar esse papel. É necessário percepção e
habilidades que são desenvolvidas com estudos. Ter um ouvido bem apurado e
prestar bastante atenção para não “entrar” na voz principal.
O encontro será transmitido ao vivo pelas
redes sociais, a partir das 18h30, o primeiro da série de oito debates
programáticos (economia, meio ambiente, saúde, educação, segurança,
diversidade, relações exteriores), com grandes especialistas, na tentativa de
formular uma agenda nova para o país, entre as quais uma saída sustentável para
a crise econômica. Há muita experiência vivida nesse grupo, que acompanhou a
trajetória política do Brasil desde o golpe que destituiu o presidente João
Goulart, em 1964, até a confusão armada por Bolsonaro, na semana passada.
Para resumir a linha de pensamento
vitoriosa nesse processo, há dois eixos: a defesa da democracia e a conciliação
política. Mas ninguém se iluda: todos nesse grupo foram capazes de tomar
decisões firmes em momentos difíceis e liderar rupturas. Por isso mesmo, não se
deve esperar um debate monocórdico, um coro perfeito. Quem será o anjo torto?
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