O Globo
Não, não é verdade que será necessário
furar o teto de gastos públicos em 2022 para financiar o programa Auxílio
Brasil — com o pagamento de R$ 400 por mês para 14 ou até 17 milhões de
famílias muito pobres.
Considere apenas um número. Por baixo, o
governo federal terá algo como R$ 1,5 trilhão para gastos no ano que vem.
Dinheiro para gastar onde quiser. Nessa montanha de recursos, não seria
possível encontrar uns míseros R$ 50 bilhões para os mais pobres?
Sim, os números parecem meio chutados.
Ocorre que este Orçamento federal é mesmo feito aos chutes e pedaladas. Na
primeira versão, calculava-se inflação menor de 4% para 2022, crescimento
robusto e juros baixos.
Mas, em consequência mesmo dos improvisos e
das inconsistências geradas pelo governo Bolsonaro, o quadro mudou rapidamente
ao longo de 2021. Há fatores externos, claro, como os efeitos da pandemia, mas
o real se desvaloriza mais que as demais moedas de países emergentes; a
inflação aqui sobe mais; os juros que os investidores cobram do Tesouro brasileiro,
em títulos de dez anos, já passam de 12% anuais, também acima do padrão
emergente; e, finalmente, o risco Brasil (o prêmio exigido pelos investidores
para “comprar” Brasil) também é mais alto que o dos nossos pares.
Claramente, o problema está aqui e tem nome: o populismo escrachado do presidente Bolsonaro, cujo único objetivo é tentar se reeleger em 2022, não para fazer reformas ou privatizações ou qualquer outra mentira, mas simplesmente para não ser preso.
Populismo exige improvisação e mentiras. Por
exemplo: o Auxílio Brasil não é um verdadeiro programa social, com foco e
objetivos bem definidos, como era o Bolsa Família. Este tinha uma constatação e
um fundamento, definidos lá atrás por técnicos do Banco Mundial.
A constatação: as famílias pobres
permaneciam pobres porque as crianças tinham que ajudar os pais no trabalho e
não podiam frequentar a escola. O fundamento: dar uma renda mínima às famílias,
desde que mantivessem as crianças na escola e ainda cumprissem visitas
regulares aos postos de saúde, especialmente para vacinação. Iniciado no Brasil
nos anos 90, é um sucesso mundial.
O Auxílio Brasil é eleitoreiro. São R$ 400
por família só para superar o Bolsa Família de Lula; vale só para 2022, o ano
eleitoral; não há contrapartidas definidas, o que significa que haverá grande
corrupção, com o dinheiro distribuído a quem não precisa, como aconteceu com o
auxílio emergencial.
Mesmo assim, como demonstrou o Instituto
Fiscal Independente (IFI), seria possível pagar esses R$ 400 sem furar o teto,
sem quebrar a regra fiscal básica criada em 2016.
E por que é preciso um teto de gastos, que
engessa o gasto social? — dizem os chamados progressistas.
Porque o governo federal havia se
transformado numa máquina de gastar cada vez mais dinheiro. Em 1997, o gasto
público total equivalia a 14% do Produto Interno Bruto. Em 2016, já passava dos
20%.
E não se tem notícia de que os brasileiros
vivessem num magnífico Estado de bem-estar social. O gasto público é desigual,
os salários do funcionalismo vão do mínimo a um teto de quase 40 mínimos,
frequentemente superado com gambiarras postas em lei.
A ideia do teto é simples: gasta-se num ano
o mesmo aplicado no ano anterior, mais a inflação.
Não engessa nada. Não engessa as emendas
parlamentares, o dinheiro que os parlamentares federais têm direito a gastar
com suas clientelas. Hoje, a maior parte desse dinheiro é controlada pelo
presidente da Câmara, Arthur Lira, o chefe do Centrão.
Tudo considerado, eis o fato: resolveram
pedalar as contas e furar o teto para salvar (e aumentar) as emendas e os
fundos partidário e eleitoral. O resto é populismo para livrar Bolsonaro e seus
filhos da cadeia.
A conta vai para a população e já está
sendo paga na forma de mais inflação (com dólar nas alturas), mais juros, menos
investimento e consumo, menos crescimento e mais desemprego.
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