Folha de S. Paulo / O Globo
Moraes sabe como funcionam as milícias e
quem as financia e como rola o dinheiro
Um ano antes do pleito de 2022, o Tribunal
Superior Eleitoral escreveu uma boa página de sua história. Livrou a chapa de
Jair Bolsonaro da cassação e avisou aos interessados que se repetirem o golpe
das notícias falsas e das milícias eletrônicas, pagarão pelos seus delitos. Nas
palavras do ministro Alexandre de Moraes, que presidirá a Corte em 2020: “Irão
para a cadeia”.
A decisão unânime do TSE acompanhou o voto
de 51 páginas do corregedor Luiz Felipe Salomão. No ambiente envenenado da
política nacional, Salomão apresentou uma peça redonda e cirúrgica na
demonstração das malfeitorias cometidas e equilibrada na conclusão de que
faltaram provas e as impressões digitais necessárias para justificar a cassação
de uma chapa três anos depois de sua posse. O magistrado mostrou a letalidade
do vírus e abriu o caminho para a advertência de Moraes.
Passados três anos do festival de patranhas
de 20018, Alexandre de Moraes chegará à presidência do TSE em agosto, com a
estrela de xerife no peito. Salomão fez sua carreira na magistratura; Moraes,
no Ministério Público, com uma passagem pela Secretaria de Segurança de São
Paulo. Além disso, na condução do inquérito das notícias falsas conhece as
obras e pompas das milícias eletrônicas e mostrou-se rápido no gatilho ao
mandar delinquentes para a cadeia. Zé Trovão, o caminhoneiro foragido, decidiu
entregar-se à Polícia Federal. Na estrela de xerife de Moraes brilha o destempero
com que Jair Bolsonaro investiu contra ele, chamando-o de “canalha”.
Moraes sabe como funcionam as milícias e
quem as financia e como rola o dinheiro. Salomão, por seu turno, já firmou a
jurisprudência que congela os recursos que as alimentam. As conexões
internacionais dessas milícias, um fato que há três anos estavam no campo da
ficção cibernética, hoje estão mapeadas. Se há um ano elas tinham o beneplácito
do governo americano, hoje têm o FBI no seu encalço.
Com Moraes na presidência do TSE é possível prever que entre o início dos disparos propagadores de mentiras e a chegada dos responsáveis à carceragem passarão apenas dias ou, no máximo, poucas semanas. Basta ler o voto de Salomão e acompanhar as decisões de Moraes para se perceber que os reis das patranhas de 2018 são hoje sócios de colônias de nudismo.
Esteves errou a conta
O banqueiro André Esteves lida com números.
Noves fora outras impropriedades cometidas em sua fala aos clientes do BTG, ele
disse que “no dia 31 de março de 1964 não teve nenhum tiro, ninguém foi preso,
as crianças foram para escola, o mercado funcionou.”
O dia 31 de março, quando o general Olímpio
Mourão Filho se rebelou em Juiz de Fora, foi relativamente normal, com umas
poucas prisões. Como disse o marechal Cordeiro de Farias, “o Exército dormiu
janguista”. Cordeiro, um revoltoso desde 1924, foi um patriarca das
conspirações do século passado e sabia o que aconteceu naquelas horas. No dia
seguinte, acrescentou o marechal, o Exército “acordou revolucionário”. Foram
presas centenas de pessoas, entre as quais o governador Miguel Arraes, de
Pernambuco, mandado para Fernando de Noronha. Estádios e navios foram usados
como cadeias.
Mais: no dia 1º de abril morreram sete
pessoas.
Para os padrões, foi um golpe incruento
mas, como lembrou a Central Intelligence Agency ao presidente Lyndon Johnson na
manhã de 7 de abril: “Cresce o medo, não só no Congresso, mas mesmo entre
aliados da revolta, que a revolução tenha gerado um monstro.”
Não deu outra.
Ministros e meteoros
Em março de 2020, diante do estrago
provocado pela pandemia, o ministro Paulo Guedes disse que “nós fomos atingidos
por um meteoro”. Passou-se um ano e ele viu novamente um meteoro na conta de R$
90 bilhões dos precatórios devidos pela União.
A pandemia podia ser comparada a um
meteoro, por natural e imprevisível. Já o espeto dos precatórios nada tem de
natural e estava lá há anos. Mesmo assim, persistiu na teoria dos meteoros.
O último grande meteoro que atingiu o
Brasil foi o Bendegó, achado no século XVIII. Tem cinco toneladas e não fez
grandes estragos.
De lá para cá, o Brasil teve mais de cem
ministros da Fazenda.
Alguns deles fizeram estragos maiores que
os objetos caídos do céu.
Chamem o André
Durante seu piti ao responder às perguntas
de André Marinho numa entrevista, Jair Bolsonaro repetiu seis vezes que “se o
Marinho entrar mais uma vez na tela eu vou embora”. Como ele voltou, o capitão
levantou-se e abandonou a cena.
Não se pode saber o melhor caminho para que
Bolsonaro se vá, mas ele mostrou que se chamarem o André Marinho ele vai.
O verdadeiro fantasma
Gustavo Bebianno pode ter virado um
fantasma assombrando Jair Bolsonaro, mas a verdadeira assombração que ronda o
capitão está viva e atenta. É o general da reserva Carlos Alberto dos Santos
Cruz, defenestrado da Secretaria de Governo nos primeiros meses do governo.
Santos Cruz fala pouco. Tornou-se um atento
ouvinte de quase todos os generais da ativa que, tendo cometido a imprudência
de se juntar ao capitão, viram-se tratados como cabos.
Impunidade patriótica
Outro dia o ministro Tarcísio de Freitas,
da Infraestrutura, tratou da famosa greve dos caminhoneiros de 2018 e disse o
seguinte:
“A paralisação foi financiada por empresas
de transporte, com o apoio do agronegócio”.
Até as pedras sabiam disso, mas o presidente
Michel Temer e seu ministro da Defesa, Raul Jungmann, rosnaram e nenhum
empresário pagou pelo que fez.
Quando o movimento já durava uma semana,
com resultados catastróficos para a economia do país, o deputado Jair
Bolsonaro, candidato a presidente disse o seguinte:
“Qualquer multa, confisco ou prisão imposta
aos caminhoneiros por Temer ou Jungmann será revogada por um futuro presidente
honesto e patriota.”
O atalho do Centrão
Quando o Centrão se mostra disposto a
patrocinar uma emenda constitucional que dá cadeiras vitalícias (com imunidade)
aos ex-presidentes, está pavimentando o caminho do seu desembarque.
O capitão iria para o Senado e o Centrão
apoiaria o novo governo, seja qual for, como aconteceu em relação a todos os
seus antecessores.
Pontes não é burro
O ministro Marcos Pontes, da Tecnologia,
levou na esportiva o fato de seu colega Paulo Guedes tê-lo chamado de “burro”.
Ex-aluno do Instituto Tecnológico da
Aeronáutica e coronel da reserva da FAB, é provável que burro ele não seja.
Em abril do ano passado o doutor anunciou a
descoberta de dois remédios com 94% de eficácia contra o coronavírus:
— No máximo na metade de maio, um momento
crítico, nós teremos aqui uma solução de um tratamento.
Pontes não é burro, acha que os outros são.
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