Folha de S. Paulo
Terceira via nunca foi tão improvável, nem
tão necessária
Pouco a pouco vão se afunilando as escolhas
para a candidatura
de terceira via, essa última esperança de que o Brasil escape da
dicotomia Lula e Bolsonaro em
2022. Mas por que ser contra essas duas candidaturas?
De Bolsonaro não é preciso falar muito, já que o estamos vivendo: o misto de incompetência e má fé a que estamos submetidos há quase três anos lançou o país num clima de bagunça constante no qual tudo se deteriora: educação, meio ambiente, saúde pública (sem esquecer a conduta criminosa na pandemia), economia, relações internacionais. Em todas as áreas, o retrocesso é palpável. Bolsonaro é bom em criar ruído e desviar o foco; em todo o resto, é um desastre. Sem falar nos insuportáveis ataques à democracia.
Quanto a Lula, ele chega montado na mesma
máquina de guerra petista que deu início a retórica do ódio político no Brasil
(mais tarde aperfeiçoada pelo bolsonarismo) enquanto capitaneava os maiores
escândalos de corrupção da nossa história. No discurso hoje dominante no PT,
mensalão e petrolão nunca
existiram, Venezuela
e Nicarágua são exemplos de democracia e a prioridade no Brasil
deveriam ser o controle social da mídia e o combate ao neoliberalismo.
Além dos motivos que depõem contra os dois,
o debate político brasileiro se beneficiaria da quebra da lógica da polarização
que piora a cada ciclo eleitoral. 2022 promete ser ainda pior que 2018.
Promover um segundo turno diferente de Lula x Bolsonaro já arejaria o debate.
O problema está na matemática. De acordo
com a pesquisa mais recente (PoderData, 22 a 24 de novembro), a soma das
intenções de voto de todos os candidatos da terceira via dá algo próximo da
intenção de voto de Bolsonaro. Portanto, qualquer que seja o escolhido da
terceira via, ele terá que não apenas concentrar grande parte desses votos hoje
dispersos como também conquistar eleitores novos.
Para essa conquista ocorrer, há duas
possibilidades: tirar votos de Lula ou de Bolsonaro. No momento, Lula parece
solidamente estabelecido. E, como não está no poder, não deve ser prejudicado
por uma possível deterioração econômica do país ao longo do ano que vem.
Bolsonaro, sim: se o Brasil for mal, ele pagará o preço em popularidade, o que
pode beneficiar candidatos mais à direita, como Moro e Doria.
Uma centro-direita que reafirme bandeiras
como combate à corrupção e modernização econômica pode crescer frente a um
governo que abandonou suas pautas originais para se entregar de corpo e alma ao
fisiologismo mais descarado que se tem notícia, no qual centrão e orçamento
secreto dão as cartas do jogo. Ademais, com a rejeição elevada do presidente,
em algum momento até o mais ardoroso bolsonarista vai se perguntar se é uma boa
ideia votar nele no primeiro turno para entregar a vitória de bandeja a Lula.
Quanto ao primeiro ponto —a redução do
número de candidatos—, o ideal seria que Moro, Ciro e Doria não concorressem ao
mesmo tempo. No entanto, abrir mão da candidatura em nome da terceira via
parece fora de questão para pelo menos dois deles (Doria e Ciro). Moro é o que
parte de uma intenção de votos mais alta e que mais potencial tem de tirar
votos de Bolsonaro, mas é também o mais cru politicamente. Resta esperar que os
eleitores elejam um vencedor e esvaziem as outras candidaturas. A meta é
louvável, mas não nos enganemos: os ventos sopram contra.
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