O Globo
A adoção das cotas raciais nas
universidades públicas provocou um acirrado debate no Brasil. A vitória foi dos
defensores da medida. Hoje, 20 anos depois de iniciadas, e 10 anos após sua
adoção nacional, são visíveis as mudanças positivas das ações afirmativas. O
debate amadureceu, a presença dos pretos e pardos nas universidades teve uma
alta impressionante. Mas o racismo permanece, as barreiras são muitas, e a
presença dos pretos em posição de destaque ainda é pequena. O Congresso está
discutindo a revisão prevista para 2022. O momento não poderia ser mais
desafiador.
— O Congresso está rachado. A esquerda tem projetos para consolidar e expandir as cotas. A maioria dos projetos da direita é para abolir a política. A preocupação é que as propostas estão tramitando muito rápido, sem tempo para discussão. Por isso há uma apreensão generalizada e é muito difícil prever o que vai acontecer — disse o cientista político João Feres, do Observatório do Legislativo Brasileiro e professor da UERJ, a primeira universidade a adotar a reserva de vagas.
O reitor José Vicente, da Universidade
Zumbi dos Palmares, começou uma campanha meses atrás para que o sistema de
cotas seja mantido. Uma frente parlamentar foi criada que tem como coordenador
o deputado Bira do Pindaré (PSB-MA), ele próprio é autor de um dos muitos
projetos sobre o assunto no Congresso. José Vicente acha que o ideal é que seja
prorrogada. A revisão pode ser uma caixa de pandora, por causa do atual
governo.
— Na medida em que se sentir acuado, o presidente vai levantar os troféus
ideológicos. Isso pode contaminar o debate e trazer um prejuízo terrível com a
falta de prorrogação da lei e um limbo jurídico. Há um consenso de que o
resultado da lei de cotas é extremamente significativo e que a lei precisa ser
protegida — diz José Vicente.
As primeiras políticas foram adotadas pelas
universidades no começo deste século. Desde então a presença dos estudantes
pretos no ensino superior aumentou sempre. Estudo feito por Amélia Artes e
Arlene Ricoli, “Acesso de negros no ensino superior: o que mudou entre 2000 e
2010”, publicado no Cadernos de Pesquisa, da Fundação Carlos Chagas, mostrou
que na primeira década do século a presença dos negros nos cursos de graduação
aumentou 291%. Em 2018, os estudantes pretos e pardos superaram 50% das
matrículas em universidades federais.
Mesmo com curso superior, os negros têm
desvantagem no mercado de trabalho. Algumas empresas começam a mudar a maneira
de recrutar e isso é animador. Aos poucos o mercado vai mudando, mas ainda está
distante da almejada igualdade de oportunidades. O Índice de Equidade Racial
nas empresas em 2021 feito com 42 empresas mostrou que 30% dos funcionários
eram negros, nos quadros de gerência não chegavam a um quinto, na diretoria
eram menos de 5%.
Os dados da Pnad Contínua do IBGE mostram que o país ainda tem um longo caminho
a percorrer para reduzir a desigualdade de cor no mercado de trabalho. No
primeiro trimestre de 2012, quando a pesquisa começou, a taxa de desocupação de
brancos era de 6,6% contra 9,1% de pardos e 9,6% de pretos. Quase dez anos
depois, no segundo trimestre de 2021, o desemprego de brancos era de 11,7%,
contra 16,1% de pardos e 16,6% de pretos. Em 2012, o desemprego de pretos era
38% maior do que o desemprego de brancos. Hoje, é 42% maior.
O pesquisador do Inep e doutor em educação
pela USP Adriano Souza Senkevics publicou estudo mostrando que, em 1998, 75%
dos jovens matriculados nos cursos superiores eram dos 20% mais ricos, em 2015
essa faixa de renda representava 39% dos alunos. Ele acha que há uma
transformação na universidade, e a razão mais importante é a política de cotas.
— O que os dados mostram é que, se não
fosse a lei de cotas, o Brasil não teria tido uma inclusão tão potente de
alunos de escola pública, de baixa renda, negros e indígenas, principalmente
nos cursos mais concorridos — diz o pesquisador.
Sempre defendi as cotas com entusiasmo. Não
foi fácil o debate, mas aconteceu o avanço que os defensores das cotas previam.
Há, contudo, um caminho árduo à frente, para manter as conquistas e buscar um
Brasil menos desigual. O racismo brasileiro é um dos maiores obstáculos ao
progresso do país. Que essa não seja uma pauta só de novembro.
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