O Globo
Podem me chamar de obsessivo. O jornalismo
também é feito de obsessões. Paulo Guedes decerto chamou o colunista de
obsessivo enquanto este se dedicava a mostrar a impossibilidade de um programa
reformista liberal sob o populismo de instabilidades de Bolsonaro; e como o
ministro, contratando a dilapidação fiscal, entregara-se ao propósito gastador
que, crê-se no governo, dará competitividade eleitoral ao presidente.
Mostrar não seria bem o verbo. Demonstrar.
Ainda que houvesse competência para formular e promover reformas estruturais, e
não havia, o propósito de reeleger o mito sempre foi o norte de Guedes. Aí
está. Nada é pessoal.
Insisto agora no tema do orçamento secreto; particularmente, o orçamento secreto de Rodrigo Pacheco. Haverá um? O comportamento do presidente do Senado nos autoriza a pensar que sim. Ele é o mentor-articulador do conjunto de gambiarras institucionais que, descumprindo decisão do Supremo, mentindo para descumprir determinação da Corte constitucional, propõe meia transparência para o futuro — e nenhuma sobre o passado, sobre os exercícios orçamentários de 2020 e 2021.
Por quê?
Arthur Lira, embora de robusta atuação
patrimonialista, não pode ser o único vilão. A conta não fecha. Onde terá ido
parar a “cota presidente do Senado” do orçamento secreto? Existirá uma Codevasf
de Pacheco, como havia para Alcolumbre?
Também os fatos apontam para a existência
da rubrica “Pacheco” nas planilhas do orçamento secreto — listas que ele e Lira
querem manter ocultas, mantidos ocultos, assim, os nomes dos parlamentares que
apadrinharam a distribuição de bilhões, nos últimos dois anos, sob a fachada da
emenda do relator. Diz a dupla que haveria “impossibilidade fática” para
revelar esses patronos. Dados que a própria consultoria do Senado, em nota
técnica, informa serem de iluminação possível.
É uma obviedade. Só o Estadão teve acesso a
uma lista com 285 senadores e deputados solicitantes de repasses. Como esses
benefícios compunham o esforço de convencimento para que congressistas votassem
a favor de matérias de interesse do governo e da cúpula do Legislativo, só
mesmo um parvo acreditaria que o relator-geral do Orçamento de 2021, o sumido
senador Marcio Bittar, e os gabinetes de Lira e Pacheco não têm esses mapas.
Nenhum ministro do Supremo cairá nessa.
Certo?
Outro argumento vergonhoso — para ludibriar
o STF e liberar a execução dos bilhões — é que a lei não obriga especificamente
a identificação de quem apadrinha as emendas do relator. Temos mesmo o comando
do Congresso tentando convencer o tribunal constitucional de que a República
pode se acomodar — pode se saciar — num grau intermediário de transparência.
Que tal, ministra Rosa Weber?
Dizem, os sócios Lira e Pacheco, para
defender o arranjo informal, que não seria possível identificar e divulgar os
donos das emendas do relator relativamente a 2020 e 2021 porque a legislação
não previa esse nível de clareza no passado. Como se, acima de qualquer
regramento exclusivo, não houvesse a Constituição e os princípios da transparência
e da publicidade.
Ora! Não há lei particular a respeito
porque essa modalidade de emenda tem originalmente outra função: promover
correções materiais em erros do Orçamento; e não repartir, arbitrária e
obscuramente, bilhões entre aliados.
Falei em fatos. Mais fatos. Os fatos que
autorizam especular sobre a existência da rubrica “Rodrigo Pacheco” nas
planilhas do orçamento secreto: com pouco mais de R$ 1 bilhão empenhado sob a
emenda do relator, Minas Gerais, do senador Pacheco, superou São Paulo (R$
783,9 milhões) para se tornar, no Orçamento de 2021, com Pacheco na presidência
do Senado, o estado mais beneficiado pela RP9.
Até 7 de novembro, pouco mais de R$ 1
bilhão dos R$ 9,3 bilhões reservados pela União para as emendas do relator
destinava-se a municípios mineiros, segundo levantamento da associação Contas
Abertas. Fato: em 2020, Minas fora apenas o quinto estado no ranking dos
recursos empenhados sob essa modalidade.
Esse tipo de escalada chama a atenção para
outro aspecto antirrepublicano do orçamento secreto. A porção menos falada; e
que vai sendo sustentada, passando despercebida em meio à embromação com
resoluções vagas sobre meia publicidade futura. Para além da transparência que
não se quer dar aos nomes dos padrinhos de cada destinação, há a
discricionariedade das distribuições. A forma autocrática como poucos senhores
do Orçamento usam dinheiro público — como instrumento ao exercício imperial de
poder — para se aquinhoar e a seus aliados.
Não será por outra razão que se vinga Davi Alcolumbre; por ter perdido o trono, depois de um 2020 — ele, reizinho do Senado — glorioso em emendas do relator para o Amapá. Alcolumbre esperneia pela boca perdida. Pacheco se move — articula — por poder explorar a sua plenamente. É a vez dele. Quer ser presidente da República. Sua maior contribuição ao Brasil até aqui: operar pelo desmonte da Lei de Acesso à Informação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário