O Globo
O que parecia apenas um balão de ensaio
está se transformando em fato político relevante. Ao abrir caminho para aceitar
ser vice-presidente na chapa de Lula, o ex-governador de São Paulo Geraldo
Alckmin não apenas se vinga de seu arqui-inimigo João Doria, como permite que
Lula dê a guinada para o centro que era esperada e parecia ter sido superada
pela ala radical do PT que defende ditaduras como as de Maduro na Venezuela e
Ortega na Nicarágua.
Lula saiu da prisão menos disposto a ser o “Lulinha Paz e Amor” que chegou à
Presidência da República em 2002. O PSDB sempre foi a alternativa ao PT, e
Bolsonaro, que para muita gente parecia ser a nova opção, já não é mais. É uma
extrema direita que não respeita a democracia. Como as recentes pesquisas
mostram, Bolsonaro está esvaziando, carcomido pela inflação, pelo desemprego,
por um governo inepto, pela radicalização.
Lula, cada vez que fala a favor das ditaduras da América Latina ou do tal
“controle social da mídia”, deixa de ser opção moderada para os que procuram
uma saída. Não está conseguindo ir para o centro, como em 2002. Faz a mesma
coisa que Bolsonaro com seus extremistas: aumenta a intensidade da retórica
para segurar seus nichos mais radicais.
Convidando Alckmin, dá um cavalo de pau no rumo radicalizado da campanha, além de fortalecer sua base eleitoral em São Paulo. O PSDB sempre venceu as eleições presidenciais paulistas com diferenças grandiosas, de até 7 milhões de votos na campanha de 2014, quando o candidato era o mineiro Aécio Neves. Na eleição de 2018, Bolsonaro ganhou em praticamente todas as cidades paulistas.
Trazendo Alckmim para seu lado, Lula acrescenta problemas a João Doria, que terá dificuldades em outros dois colégios eleitorais importantes, Minas e Rio Grande do Sul. O governador Eduardo Leite recusou elegantemente o convite para coordenar a campanha de João Doria, e é difícil que continue no PSDB após seu governo. A não ser que Doria tenha uma participação pífia na corrida presidencial que não lhe permita controlar o partido. O PSDB, porém, já há algum tempo não tem grandes líderes que lhe garantam estar no segundo turno em todas as eleições.
O eleitorado de centro-direita que apoiava os tucanos foi abduzido por Bolsonaro em 2018, e é nessa brecha que pode entrar o ex-juiz Sergio Moro, que surge como terceira força na disputa de 2022. Moro está fazendo política, conversando com vários partidos e tem atrás de si uma imensa massa de eleitores desiludidos com Bolsonaro e temerosos de Lula. Doria, mesmo fazendo um bom governo, e tendo a seu favor a vacina CoronaVac, ainda não conseguiu convencer nem mesmo os eleitores do estado que governa de sua capacidade política.
Eduardo Leite, em meio à campanha, pode apoiar outro candidato, mas não tem substância política fora do PSDB, como tem Geraldo Alckmin. Ele representava o novo dentro do partido, porém, fora dele, representa muito pouco. Ainda não tem importância que faça mudar uma eleição. Aécio será o maior problema para Doria, porque não quer sair do partido e controla a maioria da máquina tucana em Minas, o terceiro maior colégio eleitoral do país. Já está comprovado, e Aécio tem essa experiência na carne, que quem ganha em Minas ganha no Brasil. Aécio apoiará provavelmente Bolsonaro.
É exatamente essa atuação melíflua dos tucanos em nível nacional que levou o partido a perder a força eleitoral. Mas a análise geopolítica dos votos mostra que ou Doria, ou Moro, especialmente este, poderão trabalhar essa base tucana que se dispersou em 2018, depois do furacão bolsonarista. As pesquisas recentes mostram o presidente da República em queda livre na aprovação de seu governo e de sua pessoa. Se a situação econômica não melhorar, e nada indica que irá, Bolsonaro pode voltar a ser o que é: um cabo Daciolo turbinado pelos imprevistos da política. Diz-se que, em política, só há dois fatos importantes: o novo e o consumado. Seria Moro o fato novo dessa campanha, que Eduardo Leite não conseguiu ser? Ou será Alckmim, se unindo a seus adversários históricos?
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