Valor Econômico
Pano de fundo da cobrança sobre o Banco
Central é transição para 2023
“Confesso
que fiquei surpreso em ver o TCU analisando politica macroeconômica, com toda
franqueza, se me permitem”. Foi assim que Arminio Fraga, publicamente e ante o
anfitrião, demonstrou sua estranheza com o evento para o qual foi convidado.
Corria o seminário promovido pelo Tribunal de Contas da União, sobre a condução
da política monetária.
Lá estavam, além de Fraga e do atual
presidente do BC, Roberto Campos, três outros ex-presidentes da autarquia (Ilan
Goldfajn, Affonso Celso Pastore e Henrique Meirelles) e um ex-diretor (André
Lara Resende).
O escopo do seminário foi delineado pelo
anfitrião, ministro Bruno Dantas, na abertura. Está em curso uma auditoria para
avaliar a atuação do Banco Central no manejo dos instrumentos que lhe foram
conferidos pelo chamado “Orçamento de guerra”.
Com a emenda constitucional do primeiro trimestre de 2020, a autarquia recebeu um mandato extraordinário para comprar e vender títulos do Tesouro sem as amarras vigentes em tempos menos calamitosos (“quantitative easing”). No Brasil, porém, ao contrário do que aconteceu com bancos centrais dos EUA, da União Europeia e do Reino Unido, esses instrumentos não foram usados.
O introito de Dantas, porém, abriu as
comportas para que a discussão - e a auditoria do TCU - avançasse sobre a atual
política monetária e sua intersecção com as políticas fiscal e cambial. O
ministro avançou sobre a necessidade de se discutir a coordenação do BC com o
Tesouro “para a melhor operacionalização da política monetária, em particular
após a autonomia do Banco”.
Depois de Roberto Campos defender sua
gestão, Pastore não apenas o respaldou como criticou a inclusão das medidas de
flexibilização monetária: “Não havia necessidade, sou extremamente crítico”. O
decano dos ex-presidentes foi além. Disse que se as medidas tivessem sido
adotadas a inflação hoje seria muito mais alta que 10%.
Na sequência, Lara Resende confirmou os
temores que sua presença suscitara entre aqueles que julgaram ter sido
convidados para debater com o atual e os ex-presidentes. Seu nome foi sugerido
pelos técnicos do TCU depois que outro ex-presidente, Gustavo Franco, cancelou.
Houve quem achasse que tinha caído numa
armadilha. Lara Resende elogiou a condução do BC na pandemia, mas não a de
hoje. “A atual política monetária transfere, para os detentores de dívida
pública, quase 6% do PIB, o equivalente a três vezes o investimento público
feito no país nos últimos anos”, concluiu Lara Resende, avançando na
constatação de que se promove o “sequestro da governança democrática do
orçamento”. Quem respondeu a Lara Resende foi Arminio Fraga: “Não podemos
brincar com fogo”.
Estava em pauta o passado e o presente, mas
era, principalmente, dos encontros marcados com o futuro que se falava.
Trata-se da dúvida sobre como se comportará o BC em dois momentos. O primeiro é
aquele decorrente de um presidente que, em sua luta desenfreada pela reeleição,
enfie o pé nos gastos para expandir o Auxílio Brasil, anistiar devedores do
Fies, aumentar salário do funcionalismo, conceder o vale-gás e um subsídio para
minorar o aumento nas tarifas no início de 2022, além do Refis.
A segunda incerteza que pairava sobre
aquele debate é o da transição para o futuro governo. O presidente a ser
empossado estará sequestrado pelo loteamento do Orçamento, pelas amarras
fiscais e pela “herança maldita”. Montará governo e base parlamentar, mas terá
o mesmo Roberto Campos de hoje no cumprimento de um mandato de quatro anos.
Ao promover o debate, o TCU, órgão de
assessoramento do Legislativo, cumpre a demanda do Congresso ao aprovar o
“Orçamento de guerra” para que o Banco Central prestasse contas dos
instrumentos que lhe foram conferidos. O rumo da discussão sugere, porém, que o
tribunal se projeta para ir além, estendendo seus préstimos ao Executivo.
Não é de hoje que o ativismo da Corte de
Contas tem sido questionado. Em novembro, o ministro Augusto Nardes chegou a
sugerir a derrubada do teto de gastos por até cinco anos para viabilizar o
investimento em infraestrutura. A pretensão acendeu o alerta sobre as funções
de um tribunal destinado a fiscalizar a observância das leis orçamentárias e as
contas públicas.
A expansão da Corte passou a incomodar até
o Supremo. Um ministro do STF ligou para um ministro do TCU para alertar que a
resolução que veta a nomeação à Corte de indicados que respondam ação penal por
crime doloso contra a administração pública ou ação de improbidade
administrativa era inconstitucional.
A resolução praticamente impedia o senador
Fernando Bezerra Coelho de assumir a vaga deixada pelo ministro Raimundo
Carreiro, indicado para a Embaixada do Brasil em Lisboa. Como o senador perdeu
a disputa pela vaga, o embate da inconstitucionalidade não prosseguiu.
A presidente do TCU, Ana Arraes, completa a
idade limite para permanência na Corte em julho. Como seu mandato no comando da
Corte só termina em novembro, uma das soluções pode vir a ser a antecipação da
posse de Bruno Dantas na presidência.
Ministro mais articulado com os Três
Poderes em toda a Corte de Contas, frequentemente convocado ao Palácio do
Planalto, Dantas ganhará, com a chegada do senador Antonio Anastasia, um rival
em seu domínio técnico sobre os temas. Na confecção da PEC do Orçamento de
guerra, por exemplo, processo em que Dantas foi consultado, Anastasia se
insurgiu contra os poderes de flexibilização monetária incluídos no texto.
Presidente da Câmara quando a PEC foi
aprovada, o deputado Rodrigo Maia tem dúvida se o papel cabe ao TCU, mas não
que a fiscalização sobre o BC deva aumentar: “Por que a taxa de juro saiu do
controle tão rapidamente? A independência do BC pressupõe mais transparência e
clareza nas decisões”
Ao verbalizar a reação dos que julgam haver
cobrança demais sobre os políticos e de menos sobre as autoridades monetárias
encontra eco no ministro que vai presidir o TCU em 2022: “Além das
consequências negativas, há um custo político enorme para o Congresso mexer em
regras fiscais como o teto de gastos. O BC é uma instituição respeitável, porém
não eleita, e cada alteração brusca na Selic gera uma dívida de 6% do PIB. Por
isso, precisa garantir que seus processos decisórios sejam transparentes, bem
fundamentados e, sobretudo, que atendam ao interesse público”. Já dá pra ter
ideia do que vem por aí.
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