Valor Econômico
O país caminha a passos largos para (mais)
estagnação e um ambiente de regras e práticas muito ruins
Neste penúltimo ano de (des)governo, o país
assiste a um retrocesso em várias áreas. Em curto espaço de tempo, observou-se
uma mudança oportunista da regra do Teto dos Gastos, a deterioração do processo
orçamentário, com gastos secretos e discricionários, e a aprovação de uma PEC
que institucionalizou o calote de dívidas públicas. Isto tudo em um governo que
se vendeu inicialmente como liberal, como aquele que faria uma revolução no
sistema político e econômico.
O ímpeto liberal se limitou a temas técnicos que não mobilizam a opinião pública nem requerem complexas negociações políticas, como por exemplo algumas (boas) reformas setoriais - Lei do Saneamento, Lei do Gás, Lei dos Portos -, bem como algumas com impacto sobre toda a economia - nova Lei de Falências, Lei da Liberdade Econômica, e a independência do Banco Central. A reforma de mais impacto no longo prazo, a da Previdência, que já vinha sendo encaminhada pelo governo Temer, foi aprovada pelo Congresso sem o empenho de Bolsonaro. Entretanto, a revolução liberal anunciada não ocorreu, e nas dimensões que realmente importam - redução do tamanho do Estado, livre fluxo de mercadorias e serviços, reforma tributária e administrativa - muito pouco foi feito.
O governo que se elegeu prometendo
privatizar várias estatais - com exceção da Petrobras, Banco do Brasil e Caixa
- assistiu seu secretário especial de privatização pedir demissão após apenas
um ano e meio no cargo por falta de apoio político para levar a cabo a
empreitada. Desde o início do governo nada foi vendido. Pior, houve tentativa
de interferência na Petrobras e sua política de preços. O uso político de
empresas estatais manteve-se, como atesta a simbólica TV Brasil, antes
condenada como cabide de empregos de sindicalistas, depois transformada em
cabide de empregos de militares reformados amigos e ideólogos negacionistas.
Outra dimensão liberal clássica seria a
abertura do comércio internacional. O livre fluxo de mercadorias e serviços
permitiria a especialização em áreas onde há vantagem comparativa, maior
inserção em cadeias produtivas globais, compra de tecnologia e insumos de ponta
a preços competitivos. Entretanto, quase nada foi feito. O acordo de comércio
internacional com a União Europeia, por exemplo, não progrediu pois esbarrou na
(anti)política ambiental. Um liberal “raiz” estaria propondo uma redução unilateral
de tarifas e barreiras não tarifárias, estaria agressivamente abrindo a
economia, mas nada disso ocorreu, apesar do discurso.
A reforma tributária não avançou. A atual
estrutura é excessivamente distorciva e burocrática, com vários impostos de
incidência semelhante se somando, uma infinidade de regimes especiais, impostos
em cascata, etc. Um caos. O governo não foi capaz de articular uma proposta
ampla que atacasse consistentemente esses problemas, tendo se perdido em
tolices como a volta da CPMF.
Um princípio liberal é a igualdade de
oportunidades para todos. O Estado deveria agir para diminuir os privilégios
dos mais favorecidos e ajudar os menos favorecidos a suplantar as barreiras e
dificuldades que enfrentam. Uma educação pública de qualidade seria fundamental
para aumentar as chances dos mais pobres, mas nessa área o governo vem falhando
miseravelmente.
Durante a pandemia, em vez de coordenar
esforços para que as escolas funcionassem adequadamente, o governo não fez
absolutamente nada de relevante, de modo que uma parcela enorme dos alunos
ficou mais de um ano sem aulas. Pior, vetou gastos que permitiriam levar
internet adequada e educação à distância para os alunos da rede pública. Ao
lavar as mãos, o governo escolheu os alunos ricos, que podem pagar escolas
privadas, em detrimento dos mais pobres, uma opção pelos privilegiados.
O abandono da agenda liberal terá impactos
permanentes. A adoção em seu lugar de uma agenda populista está provocando uma
deterioração institucional rápida. Tudo somado o país caminha a passos largos
para (mais) estagnação econômica e um ambiente de regras e práticas muito
ruins, que privilegiam poucos.
Onde estão os efeitos permanentes mais
nocivos? Primeiramente na educação, pois abandonou-se uma geração de estudantes
que terá enorme dificuldade em recuperar o atraso, com impacto de longo prazo
sobre pobreza, desigualdade e perspectiva de emprego dos jovens. Em segundo
lugar, ao manter um Estado inchado - sem privatizações ou reforma
administrativa - favorece-se a ineficiência e facilita-se a corrupção. Em
terceiro, a paralisia na agenda tributária preserva a má alocação de recursos,
bem como cria barreiras a investimentos e inovações. Finalmente, ao não avançar
na abertura ao comércio exterior, mantém-se a baixa produtividade, inibindo-se
o crescimento e perdendo-se oportunidades.
E a deterioração institucional do país
está, como dito acima, em um processo orçamentário viciado; em uma expansão de
gastos que não respeita regras fiscais; no calote dos precatórios; no aparelhamento
de órgãos de Estado - Polícia Federal, Ibama, Inpe, etc - para proteger
interesses particulares; no desrespeito à legislação ambiental a fim de
favorecer apoiadores; na intervenção na saúde para defender agendas
anti-científicas, entre várias tendências preocupantes.
Não há esperanças que reformas importantes
sejam aprovadas no último ano do mandato. Também não se vê reversão
significativa na dimensão institucional, ao contrário, a tendência parece ser
de agravamento. A distância entre o prometido e a realidade é enorme. A
oportunidade de corrigir o rumo se oferece ao eleitorado em outubro de 2022.
*Pedro Cavalcanti Ferreira é
professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento
Renato Fragelli Cardoso é
professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE-FGV).
Nenhum comentário:
Postar um comentário