EDITORIAIS
Regular o lobby
Folha de S. Paulo
Projeto é bom ponto de partida, mas terá de
superar a inércia do Legislativo
Um pacote
anticorrupção proposto pelo governo de Jair Bolsonaro decerto
não inspira grande confiança. Mas há medidas interessantes entre as
recém-anunciadas —e merece destaque o projeto de lei que regulamenta o lobby no
país.
Embora os termos "lobby" e
"lobista" não gozem da melhor das reputações por aqui, a atividade pode
ser perfeitamente legítima e legal, uma extensão do direito de peticionar
consagrado na Constituição.
Para que o lobby legítimo prevaleça sobre a
corrupção e o tráfico de influência, que seriam suas versões degeneradas, é
importante que a atividade ocorra sob o primado da transparência e sob regras
claras previamente estabelecidas.
O projeto do governo se afigura uma peça
bastante técnica, elaborada pela Controladoria-Geral da União, sob inspiração
da extensa documentação que a OCDE produziu sobre a matéria.
O texto escapa de velhas armadilhas. Tentativas anteriores de disciplinar o lobby vieram na forma de regulamentação profissional —o que não funciona bem, dado que indivíduos das mais diversas formações, de cientistas a relações públicas, passando pelos influenciadores digitais, podem em princípio fazer as vezes de lobistas.
Em vez disso, o objetivo é regular os
relacionamentos entre agentes públicos e a representação de interesses privados
por todas as pessoas naturais ou jurídicas.
Também é positiva a insistência do projeto
em fomentar a transparência ativa, cobrando o registro e a publicação de todas
as interações entre agentes públicos, compreendidos em sua concepção mais
ampla, que inclui estatais e fundações, e lobistas, com um detalhamento mínimo
do assunto tratado e em tempo hábil (sete dias).
Falta definir melhor os casos em que cabe
sigilo, e é preciso deixar mais claro que eles precisam ser exceções. O governo
Bolsonaro mostrou que as autoridades não hesitam em decretar sigilo mesmo quando
obviamente indevido.
Outro ponto que comporta aperfeiçoamentos é
o da distribuição de brindes, presentes e hospitalidades. Nos dois primeiros, o
que a experiência dos médicos ensina é que mesmo a distribuição de canetas e
calendários com o nome de drogas e laboratórios tem efeito sobre as
prescrições.
Isso ocorre porque a mera visão repetida de
nomes e logomarcas exerce um efeito que age abaixo do radar da consciência. Já
hospitalidades são mais difíceis de regular, mas, ao contrário de presentes,
podem servir ao interesse público.
O projeto é um bom ponto de partida para os
debates. Cumpre apontar que iniciativas para regulamentar o lobby pipocam no
Congresso há décadas sem que tenham avançado. Parece haver um forte lobby para
que tudo permaneça como está —nas sombras.
TCU em foco
Folha de S. Paulo
Fortalecido desde o impeachment, órgão
ainda é por demais vulnerável à política
Em mais uma derrota do governo de Jair
Bolsonaro (PL), o senador Antonio Anastasia (PSD-MG) foi indicado
pelo Senado para ocupar uma vaga de ministro do TCU (Tribunal
de Contas da União).
Com 60 anos, ele terá pelas regras atuais
mais 15 para exercer a cobiçada função, caso a Câmara dos Deputados chancele
sua indicação, o que parece certo. Na política, trata-se de uma eternidade.
O que torna a escolha inusual foi a disputa
que a precedeu, a primeira desde 2014. Anastasia contou com a força do
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, também do PSD mineiro. Teve 57 votos,
ante 19 de Kátia Abreu (PP-TO) e 7 de Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
A senadora tinha apoio de parte do governo
e de Renan Calheiros (MDB-AL), que queria manter a vaga a ser desocupada por
Raimundo Carreiro sob sua influência.
Já outra parte da gestão Bolsonaro
trabalhou por Coelho, ativo líder do governo no Senado. Ato contínuo à
vexatória eliminação, ele entregou o
cargo, contrariado.
Anastasia é avaliado no Senado como um dos
mais técnicos integrantes da Casa, mas isso não parece ter sido vital para sua
escolha. Foi o peso de Pacheco, pré-candidato ao Planalto, e a notória falta de
traquejo do governo que ditaram o rumo do processo ao fim.
Mesmo Carreiro não deixa a cadeira no TCU
por ter chegado aos 75 anos —tem 2 a menos. Ele foi indicado por Bolsonaro para
outra sinecura tradicional da política brasileira, a embaixada em Lisboa. O
presidente não contava com um potencial adversário assumindo a vaga aberta por
sua obra.
Órgão de controle das finanças federais, o
TCU tem 7 de seus 9 ministros indicados por critérios políticos. Se por anos só
ganhava relevância ao revelar algum contrato superfaturado, em 2015 mudou de
patamar ao rejeitar as contas da petista Dilma Rousseff, dando base ao processo
de impeachment.
Seu poder foi robustecido, aumentando o
apetite pelo status que a caneta de ministro tem. Anastasia, por sinal, herdará
processos sobre gastos do cartão corporativo de Bolsonaro e de sua família.
Esse jogo compromete a função precípua da
corte, que é a de zelar pela boa execução orçamentária. Seria desejável que, na
impossibilidade de retirar totalmente o interesse político sobre as indicações,
fossem estabelecidos critérios técnicos mais amplos para os ungidos.
Estranha decisão do presidente do STF no
caso da boate Kiss
O Estado de S. Paulo.
Além de atropelar a competência do STJ, a decisão do presidente do Supremo é um convite nada sutil para reabrir a discussão sobre o início do cumprimento da pena
Suspendendo a liminar concedida em sede de
habeas corpus pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), o
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, determinou o
imediato cumprimento das penas aplicadas aos quatro condenados no caso do
incêndio na boate Kiss. Além de atropelar a competência do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), a decisão de Luiz Fux representa uma tentativa de reabrir, por
vias tortas, a discussão sobre o início da execução da pena, discussão essa na
qual o presidente do Supremo foi voto vencido. Sempre, mas especialmente em
questões penais, o Poder Judiciário não pode estar refém das idiossincrasias de
um magistrado.
Deve-se, em primeiro lugar, reconhecer que
a decisão do TJRS não era isenta de controvérsia. Com as modificações trazidas
pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/19), existe base legal para o início imediato
da execução de penas iguais ou superiores a 15 anos aplicadas pelo Tribunal do
Júri. No entanto, isso não significa por si só que a decisão do tribunal gaúcho
esteja equivocada. Pode haver elementos no caso concreto que aconselham a
espera do julgamento da apelação. Além disso, mesmo que eventualmente não
represente a melhor aplicação da lei, decisão judicial não pode ser revogada
por magistrado sem competência para atuar no processo.
Ao longo das sete páginas da decisão de
Luiz Fux, observa-se uma interpretação especialmente ampla a respeito de suas
atribuições, de forma a autorizar sua atuação num processo cujo encaminhamento
– não é segredo para ninguém – diverge de sua opinião pessoal. Esta é a
principal deficiência da decisão: para fazer valer sua interpretação pessoal do
Direito, o ministro Fux assume uma atribuição institucional que não lhe
compete.
No Estado Democrático de Direito, o
exercício do poder deve se submeter, sem exceção, às atribuições de cada cargo.
Por isso, não é o próprio juiz, seja de qual instância for, que arbitra se tem
ou não competência para atuar em determinado caso. Uma forma de atuação nesses
moldes significaria abuso de poder.
Na decisão de Luiz Fux, há duas
circunstâncias agravantes. Para suspender a decisão do TJRS, o presidente do
Supremo valeu-se de uma interpretação que, em alguma medida, restringe o
alcance protetivo do habeas corpus. Ou seja, para dar ao caso o encaminhamento
de acordo com suas convicções pessoais (a prisão imediata dos réus), Luiz Fux
precisou fragilizar esse importante instrumento de respeito às garantias
fundamentais, previsto expressamente no art. 5.º, LXVIII da Constituição de
1988. A história nacional tem abundantes exemplos dos efeitos perniciosos desse
tipo de limitação sobre as liberdades individuais.
Além disso, a decisão do presidente do
Supremo tem um alcance que vai além do caso da boate Kiss. Toda a argumentação
de Luiz Fux é um convite nada sutil para reabrir a discussão sobre o início do
cumprimento da pena. A decisão tem, assim, um caráter de afronta não apenas à
recentíssima jurisprudência do STF sobre os efeitos práticos da presunção de
inocência, mas ao próprio caráter colegiado do Supremo.
Não há justiça possível sem um mínimo de
estabilidade na jurisprudência das Cortes superiores, cujo papel é precisamente
consolidar orientações, proporcionando segurança jurídica. Transformar cada
novo caso em oportunidade para reintroduzir discussões há pouco superadas é uma
atitude que não apenas deslegitima o Judiciário aos olhos da população, como
contraria a própria razão de ser dos tribunais superiores.
Atropelos judiciais são especialmente
graves em questões penais, sobretudo em processos de grande comoção popular,
como é o caso do incêndio na boate Kiss. O respeito às regras de competência e
o zelo com a jurisprudência são condições necessárias para que a justiça não se
transforme em justiçamento. A prestação jurisdicional não é exercício de popularidade,
tampouco teste da sagacidade do juiz, para avaliar se é capaz de fazer prevalecer
sua opinião pessoal.
Como valorizar os professores
O Estado de S. Paulo.
Prestigiar a docência é chave para uma
educação de qualidade. O novo plano de carreira de São Paulo dá um passo importante
nessa direção
É incontroverso entre os especialistas em
educação que a valorização dos professores é chave para qualificar a educação
no Brasil. Isso implica oferecer boas condições de trabalho, a começar por
melhores salários; capacitação a todos os professores; e prêmios ao desempenho
dos melhores. O novo plano de carreira proposto pelo governo do Estado de São
Paulo busca enfrentar esses desafios.
Os professores paulistas já tiveram uma das
maiores remunerações do País. Com a defasagem da inflação, hoje o valor inicial
está equiparado ao piso nacional de R$ 2.886,24. A proposta a ser enviada pelo
governador João Doria (PSDB-SP) à Assembleia Legislativa prevê um aumento
salarial de até 73%. A adesão será opcional. O piso será de R$ 5 mil. O governo
estima que, caso escolham aderir à nova carreira, 89% dos docentes terão
aumento imediato entre R$ 500 e R$ 2 mil. Com as promoções por desempenho, o
salário no topo da carreira poderá chegar a R$ 13 mil.
Atualmente, as progressões são
condicionadas a avaliações genéricas que medem as mesmas habilidades. Na
prática, as gratificações e bônus são incorporados vegetativamente por tempo de
serviço.
O novo modelo substitui esses mecanismos
ineficientes por provas de desempenho e desenvolvimentos distintos de acordo
com o nível de experiência do professor. Serão 15 níveis de carreira. As
avaliações, já adaptadas à nova Base Curricular Comum, serão realizadas a cada
dois anos.
Inicialmente, serão avaliados conhecimentos
teóricos e práticos. Outras progressões estarão atreladas ao desempenho em sala
de aula ou à participação em cursos de formação. Profissionais com
pós-graduação terão acréscimo de 3% a 5%. Também estão previstas recompensas
aos profissionais mais experientes engajados em tutoria para os mais novos.
Segundo a diretora do Centro de Políticas
Educacionais da FGV, Claudia Costin, o reajuste, se bem aplicado, vai na
direção certa: “Temos de atrair e reter talentos nessa profissão tão importante
para a educação e para o País”.
No cenário nacional, o programa merece
destaque por três motivos. Primeiro – em contraste com a perene negligência de
Brasília a propósito da reforma administrativa –, por propor uma progressão de
carreira vinculada à participação em programas de capacitação e a metas de
desempenho.
Em segundo lugar – em contraste com as
ofertas oportunistas de demagogos como o presidente Jair Bolsonaro de
benefícios a sua base de apoio em ano eleitoral –, o programa foi fruto de
planejamento e é fiscalmente sustentável.
O custo de R$ 3,7 bilhões será coberto pelo
novo Fundo de Desenvolvimento da Educação (Fundeb). Mesmo antes, em 2019, a
reformulação já havia sido ensaiada, à época com recursos provenientes de
economias com a extinção de programas e subsídios obsoletos. A proposta já
constava do Plano Estratégico apresentado no início do governo, assim como
outras iniciativas implementadas desde então, como o programa de transferência
de recursos técnicos, materiais e financeiros aos municípios de maneira mais
ágil e desburocratizada, ou a ampliação das ofertas de ensino integral e
disciplinas eletivas.
Na pandemia, ante o risco da evasão
escolar, o governo criou 300 mil bolsas de estudo, também vinculadas a
contrapartidas, ofereceu remuneração a 20 mil pais e mães para auxiliar na
adaptação das escolas e contratou milhares de professores para garantir um
retorno seguro e aulas de reforço.
Por fim, o programa se volta ao segmento
mais precário da educação brasileira. O País, especialmente São Paulo, tem
excelentes ofertas de ensino superior público. Nas últimas décadas, a
democratização do ensino fundamental progrediu expressivamente e hoje ele está
quase universalizado. Mas no ensino médio, de competência dos Estados, as taxas
de conclusão e desempenho ainda estão abaixo do medíocre. Além de ferir um
direito fundamental das crianças brasileiras, isso acarreta prejuízos
incalculáveis à cidadania e à economia do País.
Professores mais bem pagos, bem treinados e
motivados são peças-chave para mudar este quadro.
Bolsonaro planeja reajuste absurdo para
policiais
O Globo
Em seus 28 anos de carreira parlamentar, o
presidente Jair Bolsonaro se fez notar por duas características: 1) o discurso
em defesa da ditadura militar, de torturadores e de sua ideologia de extrema
direita; 2) seu trabalho incansável como uma espécie de líder sindical das
forças policiais. Na Presidência, embora tenha sido alvo das maiores
controvérsias por causa da primeira, a segunda persiste, com alcance e
potencial de estrago bem maiores que em seus tempos de deputado.
É o que revela a nova proposta de
reestruturação das carreiras policiais em estudo no governo, cujo custo ao longo
de três anos foi estimado em R$ 11 bilhões pelo Ministério da Justiça, segundo
reportagem do GLOBO. Na iniciativa privada, a palavra “reestruturação” provoca
arrepios na espinha, pois está associada a cortes e demissões. No setor
público, o sentimento é outro: o bolso do contribuinte parece sempre pródigo, e
“reestruturação” equivale a reajustes generosos.
Neste governo, nenhuma categoria tem sido
tão beneficiada quanto os militares ou as carreiras ligadas às forças de
segurança. Foram privilegiadas na reforma da Previdência, poupadas no arremedo
de reforma administrativa vindo do Planalto, contempladas com acúmulo salarial
e outras prebendas.
Foi pouco? Pois agora Bolsonaro quer fazer
novo agrado aos integrantes da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária
Federal (PRF), do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e a outras
carreiras vinculadas ao Ministério da Justiça. Pela estimativa do próprio
ministério, só no ano eleitoral de 2022 a brincadeira custaria R$ 2,8 bilhões
aos cofres públicos.
Não há, como esperado de um governo que tem
destruído as boas práticas orçamentárias, nenhuma contrapartida nas receitas,
obrigação prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal. O mais provável é que o
dinheiro saia do estouro no teto de gastos autorizado pela desvairada PEC dos
Precatórios, aprovada no Congresso a pretexto de financiar o programa social
Auxílio Brasil.
Não se trata de gasto emergencial, ditado
pelas circunstâncias. Ao contrário. Para 2023, o custo é estimado em R$ 4,1
bilhões. Para 2024, R$ 4,2 bilhões. Doravante será um adicional de 38% no custo
das corporações, gravado no Orçamento. Na PRF, o pessoal custará 45% mais caro
para a sociedade. No Ministério da Justiça, 73%. No Depen, 65%. E na PF, 27%. É
insondável o efeito desse trem da alegria nas demandas de outras categorias do
funcionalismo que Bolsonaro também quer agradar. Ou nos estados e municípios.
É bom lembrar que, mesmo com redução
recente no total de funcionários da União, o custo do funcionalismo tem
crescido sem trégua. Entre 2008 e 2019, o gasto subiu 125%, segundo estudo do
Instituto Millenium. O Brasil gasta 14% do PIB com funcionários públicos —
sétima posição no mundo —, patamar que exigiria serviços bem melhores que os
prestados à sociedade.
Ninguém contesta a necessidade de reestruturar
as carreiras do setor público para que correspondam à realidade de um Estado
moderno. É essa justamente a alma da tão necessária e sempre adiada reforma
administrativa. Num país em crise fiscal profunda, isso precisa ser feito para
tornar o gasto menor, ou no mínimo comprovadamente mais eficiente, segundo
estudos sérios e análises embasadas. Não para promover um festival de aumentos
às categorias que o presidente sindicalista quer manter a seu lado no ano
eleitoral.
Tragédia das chuvas em Minas e na Bahia
revela despreparo de governos
O Globo
Para além da solidariedade, a imagem de uma
família resgatada num colchão com a ajuda de moradores, durante as cheias que
castigam o Sul da Bahia, revela o despreparo dos governos para lidar com
fenômenos climáticos previsíveis. Não há dúvida de que os volumes de
precipitação em algumas regiões do país nos últimos dias foram extraordinários,
os maiores em décadas. Em Minas, 58 municípios estão em situação de emergência.
Na Bahia, pelo menos 11 pessoas morreram em consequência das chuvas.
Mas a intensidade da tempestade não pode
servir de pretexto para a inércia dos governantes. Chuvas torrenciais nesta
época do ano não são exceção. Transbordamento de rios, deslizamentos, queda de
pontes, avarias em estradas são cenários esperados, e os governos deveriam
estar prontos para agir. Principalmente porque a Organização Meteorológica
Mundial já afirmou que, em virtude das mudanças climáticas, eventos extremos
estão — e se tornarão — mais frequentes e mais letais.
No Rio, numa prévia do que poderá ser o
verão, uma tempestade no último domingo teve os efeitos esperados: ruas
alagadas, árvores derrubadas pelo vento, falta de luz. Não há por que imaginar
que nos próximos meses será diferente. Mas a prevenção foi deixada de lado.
Como mostrou reportagem do GLOBO, a prefeitura usou apenas 28% do orçamento
previsto para ações contra as cheias.
Não é caso isolado. Em todo o país, ações
de prevenção não costumam ser prioridade. Claro que é impossível evitar a
ocorrência de tragédias climáticas, mas é viável reduzir danos e impedir
mortes. Para isso, é necessário ter planos de contingência e profissionais
capazes de colocá-los em prática nas situações de emergência. Sobrevoar as
áreas atingidas e prometer recursos, o roteiro de praxe, demonstra
sensibilidade, mas não resolve o problema.
Diagnóstico existe. Pesquisa do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Centro Nacional de
Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) mostra que o Brasil tem
cerca de 8,2 milhões morando em áreas suscetíveis a desastres, como encostas e
margens de rios. É preciso ter um plano de longo prazo para remover essas
famílias para locais seguros. Ao mesmo tempo, é necessário criar protocolos
para socorro emergencial. Os sistemas de sirenes em favelas do Rio são um
exemplo bem-sucedido.
Infelizmente, percorre-se o caminho
inverso. Contrariando o Senado, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar
mudanças no Código Florestal que liberam construções às margens de rios em
áreas urbanas. Tragédia anunciada.
Quando ocorrem cheias e deslizamentos, não
adianta invocar a excepcionalidade das chuvas. Sabe-se que elas serão cada vez
mais fortes e mais frequentes. Pode ser inexorável que cidades fiquem
submersas, como aconteceu em Minas e na Bahia. Mas é obrigação de prefeitos,
governadores, ministros e do presidente da República ter a capacidade de
retirar as famílias antes que as águas subam. Ainda que algum prejuízo seja
inevitável, ao menos as vidas é preciso salvar.
Fed deve subir antes, e por mais vezes, a
taxa de juros
Valor Econômico
Reforçar o dólar, no futuro próximo, seria
péssimo para o combate à inflação no Brasil
O Federal Reserve americano resolveu
enfrentar a inflação para evitar que ela se torne persistente e vê a
possibilidade de que os fed funds tenham três altas de 0,25 ponto percentual em
2022. É uma mudança rápida em relação ao cenário que o banco traçava em
novembro, quando a alta dos preços era atribuída a fatores provisórios. A
redução da compra de títulos foi acelerada para US$ 20 bilhões de papéis do
Tesouro e US$ 10 bilhões de papéis lastreados em hipotecas. Nesse ritmo, as
aquisições se encerrarão em meados de março e o Fed poderá seguir então adiante
com o início do aperto da política monetária, antecipando, mas não fugindo do
roteiro previamente sinalizado aos investidores.
Para o presidente do Fed, Jerome Powell, a
combinação de uma inflação muito acima da meta e da evolução do mercado de
trabalho muito mais rápida do que o esperado deu o sinal de que era hora de
mudar a instância da política monetária. Ainda que não sejam parte do filme da
inflação até agora, disse Powell, os salários estão crescendo a taxas que não
se viam há muitos anos (5,7% em doze meses), fenômeno disseminado, tanto quanto
o emprego, até entre os trabalhadores de menor qualificação e escolaridade. A
inflação, por seu lado, chegou a 6,8% em novembro (CPI), a maior desde 1982,
enquanto que o núcleo dos gastos pessoais de consumo (PCE), a medida preferida
pelo Fed, atingiu 4,2% e, pelas previsões dos membros do Comitê de Mercado
Aberto, apenas voltará para perto de 2% em 2024.
Mesmo acelerando o cronograma e abrindo a
possibilidade de três altas nos juros no ano que vem, ainda assim a política
monetária continuará sendo acomodativa. Pela mediana das projeções dos fed
funds, os juros devem subir para 1% ao fim de 2022 e ainda assim continuarão
negativos em termos reais - o núcleo do PCE estimado é de 2,7%. Da mesma
maneira, as taxas reais continuarão negativas também em 2023. O gradualismo
ainda não deixou a agenda do Fed e só o fará se a inflação disparar. O Fed
acredita que as pressões inflacionárias começarão a se dissipar em meados de
2022, com substanciais quedas do índice e do núcleo (neste caso, de 4,4% para
2,7%) entre um ano e outro.
A pandemia mexeu profundamente com os
mecanismos da economia. A covid-19 continua sendo o fator determinante para seu
futuro, disse Powell. A nova variante (ômicron) ampliou as incertezas e sabe-se
até agora pouco sobre ela. Para a política monetária, disse Powell, ainda não
há indicações de se a ômicron afetará mais a demanda, como ocorreu quando a
variante delta entrou violentamente em cena) ou a oferta, por exemplo, o que
exigiria respostas diferentes do banco.
Mas tanto o emprego quanto a inflação atual
são frutos dos desarranjos provocados pela pandemia. No caso da inflação, há
problemas nas cadeias de suprimento, combinados com o deslocamento da demanda
para bens - só agora o pêndulo se desloca gradativamente para os serviços. No
caso do emprego, a participação da força de trabalho progride a passos mais
lentos do que se esperaria levando em consideração o vigor da recuperação do
mercado de trabalho. Ambos sofrem também o efeito dos fortes pacotes fiscais
contra a pandemia e das massivas injeções de liquidez feitas pelo Fed.
O Fed segue diversas medidas para
determinar o pleno emprego, que se tornou o eixo da atual política, revertendo
parcialmente a anterior, que prescrevia a alta dos juros preventiva ao menor
sinal de que a inflação poderia fugir à meta. Powell disse que o último teste
da condição de pleno emprego será feito em 2022 e ele têm poucas dúvidas de que
será atingido. Em tese, mesmo que isso não ocorra, o Fed desistiria de aumentar
os juros. O arcabouço do banco, segundo Powell, recomenda que se persiga o
máximo emprego possível consistente com a estabilidade de preços - esta está
agora ameaçada.
Os mercados acionários americanos subiram
após o anúncio das decisões do Fed. A elevação dos juros, mesmo gradual, porém,
pode causar problemas nos países emergentes mais frágeis, Turquia em primeiro
lugar. Há sinais de que o fluxo de recursos para esses países diminuiu desde
outubro e o apetite pelo risco tende a diminuir, ainda que moderadamente,
diante de aumentos moderados de juros. Mas dúvidas sobre esse cenário podem trazer
muita instabilidade aos mercados e reforçar o dólar, o que no futuro próximo
seria péssimo para o combate à inflação no Brasil.
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