EDITORIAIS:
Queiroga frustrou esperança de gestão
técnica na Saúde
O Globo
A chegada do médico Marcelo Queiroga ao
Ministério da Saúde, em 23 de março, foi vista com alento, após a gestão
desastrosa do general Eduardo Pazuello. Questionado sobre sua política à frente
da pasta, Queiroga, presidente licenciado da Sociedade Brasileira de
Cardiologia, foi direto: “A política é do governo Bolsonaro, e não do ministro
da Saúde. O ministro a executa”. Embora não tivesse o mesmo impacto da
subserviente declaração de seu antecessor (“Um manda, e o outro obedece”), não
se imaginava que o sentido da frase fosse tão literal.
Não chega a ser novidade a falta de
autonomia dos ministros da Saúde de Bolsonaro. Luiz Henrique Mandetta e seu
sucessor, Nelson Teich, deixaram o governo por não aceitar a interferência do
presidente na pasta, em especial a pressão para uso da cloroquina no tratamento
da Covid-19, quando estudos científicos comprovavam que o medicamento era
ineficaz contra a doença e podia causar efeitos adversos graves. Mandetta — que
expôs as vísceras dos desmandos de Bolsonaro no livro “Um paciente chamado
Brasil” — e Teich tinham uma biografia por que zelar.
É verdade que Queiroga assumiu em cenário de terra arrasada. No dia de sua posse, o Brasil registrou 3.158 mortes em 24 horas (hoje são menos de 200). A campanha de imunização, iniciada de forma trôpega, era um caos, com falta de vacinas e negociações espúrias para compra de doses. Queiroga acertadamente elegeu a vacinação como prioridade, a despeito da campanha de desinformação tocada por Bolsonaro.
Mas, ao longo de nove meses à frente da
pasta, Queiroga foi aos poucos substituindo o jaleco branco pelas vestes do
político que almeja disputar as próximas eleições. E assim tenta se equilibrar
entre sua crença na ciência e sua fé em Bolsonaro, ainda que por vezes elas se
tornem inconciliáveis.
Queiroga cancelou o convite à médica Luana
Araújo para um dos cargos mais importantes do ministério sem dar explicação
convincente. No depoimento demolidor de Luana à CPI da Covid, os motivos
ficaram claros: ela defendeu a ciência, criticou o negacionismo do governo e
condenou o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19. Queiroga teve de voltar
atrás também na nomeação do médico Ricardo Gurgel para coordenar o Programa
Nacional de Imunizações (PNI). Gurgel atribuiu a decisão ao fato de ter criticado
o “kit Covid” defendido por Bolsonaro.
Em sua metamorfose, Queiroga chegou a dizer
que era “melhor perder a vida que a liberdade”, repetindo declaração de
Bolsonaro contra o passaporte sanitário e a vacinação obrigatória. Na polêmica
mais recente, endossou as intimidações de Bolsonaro aos funcionários da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que aprovaram a vacinação contra a
Covid-19 em crianças. Foi além, impondo obstáculos como a convocação de uma
estapafúrdia consulta pública em vez de dar início imediato à imunização
pediátrica.
A ambiguidade de Queiroga desagrada a ambos
os lados e, mais importante, prejudica o combate à pandemia. Nos bastidores,
comenta-se que Bolsonaro está insatisfeito com ele, por achar que não defende
com firmeza o governo. E o presidente do Conselho Nacional dos Secretários de
Saúde (Conass), Carlos Lula, disse ao GLOBO que o Ministério da Saúde se
transformou em “papagaio de pirata” do presidente. Os interesses são
incompatíveis. Em sua tentativa de equilibrismo, Queiroga pode acabar se
esborrachando.
Manifestações bolsonaristas são reflexo de
tendência internacional
O Globo
Era clara a intenção do presidente Jair
Bolsonaro nos comícios golpistas do 7 de Setembro: dar uma demonstração de
força diante da queda na popularidade. A oposição não reagiu com manifestações
na mesma proporção, e a acomodação que se sucedeu mostra que Bolsonaro logrou
seu objetivo imediato, afastando o fantasma do impeachment que pairava no ar.
Ele terminou o ano tendo obtido do Congresso tudo o que queria para a campanha
eleitoral de 2022, algo que teria sido impossível sem as multidões que
mobilizou. O episódio demonstra a importância inegável — e crescente — das
manifestações de rua na política.
Tal constatação é corroborada por um estudo
que analisou protestos entre 2006 e 2020 no mundo todo, patrocinado pela
fundação alemã Friedrich Ebert, em parceria com a Iniciativa para Diálogo
Político da Universidade Columbia. Em mobilização, o período é comparável a
1848, 1917 ou 1968. Em 2006, houve 73 protestos notáveis. Em 2020, 251. Os
2.809 compilados entre esses dois anos incluem toda a sorte de movimento: da
Primavera Árabe aos Indignados na Espanha, dos coletes amarelos na França às
revoltas chilenas, do Occupy Wall Street ao Black Lives Matter nos Estados
Unidos, dos protestos de junho de 2013 no Brasil aos comícios anticorrupção,
pelo impeachment de Dilma Rousseff e contra Bolsonaro no início da pandemia
(ambos entre os dez maiores).
A maioria dos protestos no período (54%)
está na categoria difusa da demanda por maior representatividade política (ou
“democracia real”). “O número de manifestações cresceu ininterruptamente e os
protestos se tornaram mais políticos em virtude da decepção com o funcionamento
da democracia, da frustração com os políticos e da falta de confiança nos
governos”, escrevem os autores, Isabel Ortiz, Sara Burke, Mohamed Berrada e Hernán
Saenz Cortés. Em segundo lugar estão as manifestações de cunho econômico, por
emprego, condições de trabalho, contra privatizações etc. Em terceiro, as em
defesa de minorias como imigrantes, gays ou negros. Parcela pequena, mas
relevante (7%), teve vínculo com a extrema direita.
É nessa categoria que entrariam as
manifestações do 7 de Setembro, que reuniram características como “gritos por
liberdade individual (portar armas, não usar máscaras, não fazer quarentena)” e
“o ressentimento contra oligarquias e elites”. Entre os exemplos, os autores
incluem “o nacionalismo muçulmano de Erdogan na Turquia”, o “conservadorismo
nacional” de Bolsonaro no Brasil ou Viktor Orbán na Hungria e “o movimento
QAnon, que abraça teorias da conspiração sobre a invasão do Capitólio”.
A recomendação para deter a extrema direita
não é trivial: “O mundo não verá reversão da tendência (...) a não ser que haja
esforços significativos para combater polarização, desigualdade e
desinformação. Tais esforços endereçariam muitos ressentimentos subjacentes dos
manifestantes que, se ignorados, continuarão a chamar a atenção para os líderes
da direita radical que buscam dividir para conquistar”.
Um país capaz das reformas
O Estado de S. Paulo.
Muitas reformas foram feitas desde a
redemocratização. Olhar em perspectiva sua trajetória pode fornecer lições
importantes para os tempos atuais
A destacar as várias reformas feitas no
País desde a redemocratização, o conjunto de podcasts A Arte da Política
Econômica – uma iniciativa do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa
das Garças – mostra que houve um considerável avanço no ambiente institucional
e econômico do País. Não condiz com a realidade, portanto, a ideia de que nada
foi feito ou de que as coisas só pioram. Muito se fez ao longo dessas três
décadas e meia, e olhar em perspectiva a trajetória das reformas pode fornecer
lições importantes para os tempos atuais, tão desafiadores.
Em primeiro lugar, ao considerar o que foi
aprovado desde o governo de José Sarney, percebe-se que muita coisa foi feita.
E ainda mais significativo: muitas reformas foram aprovadas em situações
políticas e econômicas dificílimas. Elas não são uma utopia, tampouco exigem
circunstâncias excepcionalíssimas. Demandam, isso sim, diagnóstico qualificado
do problema, proposta séria e liderança e coordenação políticas.
Não se trata de otimismo ingênuo.
Levantamento do Estado, realizado a partir
dos podcasts da Casa das Garças, contabilizou 28 reformas aprovadas desde 1986,
começando pela extinção da chamada “conta movimento” do Banco do Brasil, que
fazia com que a instituição recebesse um fluxo automático e ilimitado de
recursos do Banco Central, como forma de viabilizar operações de interesse do
governo federal (por exemplo, compra de produtos agrícolas e concessão de crédito
rural). Na prática, a conta transformava o Banco do Brasil em autoridade
monetária paralela.
Ao olhar as reformas em perspectiva, fica
evidente também a disparidade entre os diferentes governos. Muitas reformas
foram realizadas, mas elas não aconteceram por uma espécie de impulso histórico
incontornável. Houve períodos com aprovação de medidas estruturantes em ritmo
intenso, como os governos de Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, e outros
em que nenhuma reforma foi aprovada. Não é exagero: durante o período em que
Dilma Rousseff esteve na Presidência da República, nenhuma medida de
modernização do País foi implementada.
A escandalosa omissão petista revela a
responsabilidade do cidadão na escolha de seu voto. Dilma Rousseff não aprovou
nenhuma reforma não porque não contasse com apoio político. Em seu primeiro
mandato, tinha ampla maioria no Congresso. O ponto é que ela não queria nenhuma
reforma. Sua agenda era intervencionista, em irracional adesão ao retrocesso.
Caso peculiar é o governo de Jair
Bolsonaro. O Congresso, quando ainda Rodrigo Maia ocupava a presidência da
Câmara dos Deputados, aprovou reformas significativas, como a da Previdência e
o novo marco do saneamento básico. No entanto, em vez de representar mérito
para o presidente Bolsonaro, a aprovação das duas medidas revela, sobretudo, o
influxo positivo, ao longo do tempo, de um governo verdadeiramente reformista.
Previdência e saneamento foram objeto de intenso estudo, debate e
amadurecimento no governo de Michel Temer.
As “reformas” do governo Bolsonaro – entre
aspas, porque carecem de elementos mínimos para se qualificarem como medidas
estruturantes – nunca foram prioridade do Palácio do Planalto. Basta ver as
PECs apresentadas, em fins de 2019, sob o rótulo de “Plano Mais Brasil” ou a
proposta de reforma administrativa. O governo as esqueceu.
O diagnóstico em perspectiva das reformas
deixa o presidente Jair Bolsonaro em situação delicada. O bolsonarismo travou a
tramitação no Congresso de dois projetos de reforma tributária (de longe, os
textos mais maduros sobre o tema que apareceram em anos) e trabalhou para
aprovar a PEC do Calote, paradigma de retrocesso na política fiscal.
Seria equivocado, portanto, ignorar que, ao
lado das reformas e avanços, também houve, ao longo do tempo, retrocessos e
paralisias. A modernização do Estado e do ambiente econômico não é uma utopia,
mas requer responsabilidade do eleitor e das lideranças políticas. O obstáculo
não é uma eventual impopularidade do governante, e sim o populismo, seja qual
for sua cor ideológica.
A quitanda eleitoral de Bolsonaro
O Estado de S. Paulo.
Agrados pontuais a grupos que dão votos ao
clã Bolsonaro revelam a estreiteza política do presidente da República
Apedido do presidente Jair Bolsonaro, o
Congresso aprovou a destinação de R$ 1,7 bilhão do Orçamento da União para
bancar um inoportuno reajuste de salário dos policiais federais – Polícia
Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Departamento Penitenciário
Nacional (Depen) – em 2022, ano em que Bolsonaro terá pela frente uma difícil
campanha pela reeleição. Seria ocioso esperar republicanismo no trato do
Orçamento de um Congresso fechado nos interesses paroquiais dos parlamentares e
de um presidente obcecado por seu plano de manutenção de poder.
De acordo com o próprio Ministério da
Justiça e da Segurança Pública, diretamente envolvido nas negociações com os
parlamentares, o aumento para a categoria dos policiais federais poderá ter um
impacto de R$ 11 bilhões nos próximos três anos. Como se não bastasse, o
governo ainda pretende apresentar no início do ano que vem um plano para
equiparar o salário máximo dos delegados da PF ao salário de ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF), teto constitucional do funcionalismo público,
atualmente fixado em R$ 39.293,92.
O agrado aos policiais federais, um dos
grupos que compõem a base eleitoral do clã Bolsonaro há décadas, desencadeou
uma onda de descontentamento em outras categorias de servidores públicos. À
imprensa, um ministro de Estado falou que o aumento aos policiais federais é
uma “crise contratada” com as demais categorias. “Mexeram em um vespeiro”,
disse outro. Ao Estado, o presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do
Banco Central (Sinal), Fábio Faiad, afirmou que “reajustes salariais devem ser
para todas as carreiras”. Em parte, Faiad tem razão. Bolsonaro agrada a alguns
milhares de policiais com objetivos eleitorais e “esquece” que há cerca de 1
milhão de servidores federais sem correção salarial há cinco anos. Por outro
lado, a reação do Sinal mostra que o problema maior, para as corporações do
funcionalismo, não é a profunda crise sanitária, econômica e social que o País
atravessa ou a falta de atenção do governo às prioridades nacionais, mas sim a
iniquidade na distribuição dos reajustes.
A reação mais dura, no entanto, veio dos
auditores da Receita Federal. O órgão foi diretamente afetado pelo aumento
concedido aos policiais federais porque os recursos para bancar o mimo saíram,
em grande parte, da alínea orçamentária destinada ao Fisco. De acordo com o
Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita (Sindifisco), uma das mais
organizadas e poderosas corporações do funcionalismo público, cerca de 500
auditores se “rebelaram” e pediram exoneração de cargos de chefia nos primeiros
dias após a aprovação do aumento aos policiais federais. As baixas afetaram as
dez regiões fiscais do País – São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo,
Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraíba, Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e Paraná – e, seguramente, causarão transtornos para os cidadãos
durante as viagens para as festas de fim de ano. Unidades da Receita Federal,
incluindo postos aduaneiros, ficarão “acéfalas”, segundo o Sindifisco, após os
pedidos de exoneração em massa.
É essa a consequência da estreiteza
política de Jair Bolsonaro. Incapaz de governar o País, ou seja, de pensar no
interesse nacional e formular políticas públicas voltadas ao atendimento de
necessidades de parcelas mais amplas da sociedade, o presidente age no varejo
de suas ambições, uma política que seria mais assemelhada à vereança, se ao
menos Bolsonaro tivesse interesse legítimo em melhorar a vida de uma comunidade
particular. Mas não. O presidente é orientado apenas por seus interesses
eleitorais e sua sede de poder. Ora são agrados aos caminhoneiros, ora são
decretos favorecendo os armamentistas. Agora, concede-se aumento para
servidores da área de segurança pública. Fossem as costureiras as que mais
dessem votos para a holding política em que se transformou a família Bolsonaro,
seguramente o Palácio do Planalto já teria pensado em alguma forma de subsidiar
a compra de tecidos e máquinas de costurar. E assim Bolsonaro finge que governa
o Brasil.
Cruzada insana
Folha de S. Paulo
Bolsonaro agora sabota a vacinação de
crianças e incentiva ataque a servidores
Em novo capítulo da sabotagem à gestão da
pandemia, Jair Bolsonaro quer promover uma cruzada das crianças, ao custo de
expor meninas e meninos ao risco de morte por Covid-19. A campanha perversa,
além do mais, facilita a disseminação do vírus entre aqueles que se ocupam de
cuidados infantis, de parentes a professores.
Bolsonaro faz o que pode para dificultar
a vacinação infantil, autorizada pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa). Difunde o medo, pretende criar empecilhos burocráticos e
incentiva a perseguição de técnicos que aprovaram a medida sanitária. É
secundado pelo bajulador Marcelo Queiroga, que ocupa a cadeira de ministro da
Saúde.
Depois que a Anvisa aprovou o uso do
imunizante em crianças de 5 a 11 anos, providência que chamou de
"inacreditável", o mandatário disse que a aplicação das injeções
requereria receita médica.
Queiroga determinou que a vacinação será
objeto de consulta e audiência públicas até 4 de janeiro, com decisão
no dia seguinte. A tentativa de sabotagem é óbvia.
Quanto mais atrasar a campanha, mais
estudantes voltarão às escolas sem suas doses de proteção. Bolsonaro assume o
risco de disseminar a doença entre cerca de 20,5 milhões de crianças, mais suas
famílias e próximos.
Técnicos do comitê de imunização da Saúde,
médicos e cientistas apoiaram a decisão da Anvisa. Agências similares nos
Estados Unidos e na União Europeia aprovaram a providência em outubro e
novembro, respectivamente. Os brasileiros são adeptos da imunização; levaram
seus adolescentes em massa aos postos de saúde.
Como se não bastasse, Bolsonaro anunciou
que pediu, "extraoficialmente", o nome de quem aprovou a vacina para
crianças, "para que todo mundo tome conhecimento [de] quem são essas
pessoas e obviamente forme seu juízo".
Foi como se convocasse suas milícias para
uma campanha de difamação. Mas houve mais, como era fácil prever —uma torrente
de ameaças
de morte contra servidores. A Anvisa pediu à Polícia Federal, ao Gabinete
de Segurança Institucional e à Procuradoria-Geral que investiguem esses
criminosos.
O Brasil e o mundo correm o risco de uma
nova onda de Covid-19, causada pela variante ômicron, de potencial nocivo ainda
pouco conhecido. Recomenda-se prudência e disciplina para abater a epidemia ou
conter seus repiques.
A doença Bolsonaro, entretanto, não tem
cura. A propaganda da morte continua, agora sob a pose farisaica de defesa do
bem-estar das crianças contra efeitos adversos do imunizante. Pior, o
mandatário convoca suas falanges para atacar funcionários de Estado que
conseguem ainda realizar suas tarefas de modo racional.
Trata-se de aversão ao trabalho, ojeriza à razão e desprezo pela vida.
Tumulto no Iphan
Folha de S. Paulo
Intervenção em instituto cultural revela
patrimonialismo e espírito destrutivo
O imbróglio
judicial e político que envolve a permanência no cargo da presidente
do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reflete a
situação anárquica e pouco republicana que se instaurou na área de cultura sob
o governo de Jair Bolsonaro.
Larissa Rodrigues foi nomeada para a função
em maio do ano passado, após um período de cinco meses em que o Iphan ficou sem
presidente. Servidora do Ministério do Turismo, pasta à qual o órgão está
ligado, por meio da Secretaria Especial de Cultura, ela tem sido questionada
desde o início.
Os motivos: não teria a formação e a
capacitação que são exigidas para o cargo e sua escolha selaria a subordinação
do Iphan a interesses pessoais de Bolsonaro e de seu círculo de amizades.
A suspensão, em 2019, de uma obra do
empresário Luciano Hang, dono da Havan e amigo do presidente, foi o estopim de
um processo intervencionista no instituto, anunciado na famigerada e filmada
reunião ministerial de 22 de abril de 2020. Na ocasião, o presidente queixou-se
da paralisação da obra —em cujo terreno foram encontradas peças arqueológicas.
A nomeação de Larissa Rodrigues se viu
contestada na Justiça. Coube a um ex-ministro da Cultura do governo Michel
Temer (MDB), o ex-deputado Marcelo Calero, liderar uma ação popular que
apontava desvio de finalidade na designação.
Na semana passada, após a divulgação de
novo vídeo em que Bolsonaro diz ter "ripado" funcionários da
instituição, a Justiça Federal do Rio acatou pedido de liminar do Ministério
Público e afastou Rodrigues do posto. A decisão foi logo revertida em resposta
a recurso da Advocacia-Geral da União.
O enredo rocambolesco espelha a maneira
personalista e tumultuosa com que Bolsonaro conduz sua administração, traços
que se acentuam na área da cultura, tratada pelo mandatário como inimiga de
suas convicções ideológicas.
De quem, entre inúmeras sandices, declarou
desconhecer até o significado da sigla Iphan, não se pode, de fato, esperar
nada de razoável em prol do patrimônio histórico e artístico do país.
Prevalecem nesse terreno, isso sim, o patrimonialismo, além da ignorância e do espírito destrutivo, de resto já fartamente conhecidos na atuação presidencial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário