O Globo
Há uma semana escrevi neste espaço, com
prematuro alívio, que a vacina havia nos protegido de danos ainda maiores que
Jair Bolsonaro poderia impingir ao país no trato da pandemia e que, graças a
ela, era possível vislumbrar um fim para o pesadelo de dois anos que o Brasil e
o mundo atravessam.
Não contava, mesmo com o retrospecto do
presidente de turno e de seu estafe, que estaríamos para começar um novo
calvário, em tudo semelhante ao de um ano atrás, para garantir que nossas
crianças de 5 a 11 anos tenham acesso a essa mesma garantia de salvação.
Mesmo diante de todas as evidências científicas, aqui e lá fora, de que as vacinas foram responsáveis pela queda consistente nos casos de Covid-19 e de que, mesmo diante de mutações do vírus, estão contendo a incidência da forma grave da doença e dos óbitos, Bolsonaro insiste em boicotá-las e em dificultar o acesso da população a elas.
Não só mandou que o Ministério da Saúde
deixasse de cumprir a recomendação da Anvisa, que autorizou a vacinação das
crianças no último dia 16, como deu determinação para que o titular da pasta, o
médico Marcelo Queiroga, empreendesse todos os esforços para tornar essa recusa
a uma obrigação de Estado algo “justificável”.
Demonstrando não conhecer limites para se
submeter aos desígnios negacionistas do chefe, Queiroga foi além de Bolsonaro:
enquanto ele já estava curtindo a vida adoidado no Guarujá, foi seu auxiliar
que brindou os brasileiros, na semana do Natal, com a declaração mais vil e
abjeta entre as tantas proferidas pelas cabeças coroadas do bolsonarismo desde
que vivemos a emergência sanitária.
“Os óbitos de crianças estão dentro de um
patamar que não implica em (sic) decisões emergenciais”, declarou o ministro
da Saúde do Brasil, ainda por cima em tom irritadiço. Segundo ele, isso
“favorece”, sim, outra declaração literal, o ministério que comanda a
empreender uma inútil consulta pública às tias do zap para que deem sua opinião
sobre a conveniência de imunizar as crianças.
São tantas as camadas de absurdo
administrativo, ético, moral ou lógico do conjunto de ações e declarações do
presidente e do ministro desde a acertada (e tardia, diga-se) decisão da Anvisa
que choca ainda mais o fato de o chefe do Ministério Público Federal não achar
que deva cobrar de nenhum deles suas obrigações.
Augusto Aras, pelo jeito, pegou o mesmo
pacote de férias antecipadas de Bolsonaro e não se digna a manifestar-se sobre
sucessivas ameaças aos direitos elementares da população, como receber uma
vacina já aprovada pelo órgão técnico competente.
A incúria é tamanha que, um dia depois da
publicação do edital mambembe em que se inventa no improviso uma consulta
pública inédita, ainda não havia o formulário para que os interessados em
palpitar sobre a vacinação o fizessem!
Está-se perdendo tempo precioso de
assegurar a imunização de crianças quando já perdemos mais de 300 delas desde o
início deste flagelo. Um número que está dentro do “patamar” que o médico
Marcelo Queiroga considera aceitável, daí por que não exista pressa para dar
segurança aos pequenos.
O único momento em que Bolsonaro e seus
auxiliares deixaram de cometer crimes confessos e em série contra a saúde
pública desde março de 2020 aconteceu enquanto ocorreu a CPI da Covid. Foi o
holofote colocado pela investigação sobre os desmandos do governo federal que
conteve a sanha negacionista que tantas vidas custou ao Brasil.
Tão logo ela se encerrou e o mesmo Aras
enfiou suas conclusões na gaveta enquanto finge que faz investigações prévias,
o presidente, Queiroga e companhia se sentiram livres para pôr o país em risco
de novo.
Vivemos sob o império do descaso, em todas
as pontas. Do governo federal e dos que têm a obrigação legal e funcional de
fiscalizá-lo e de contê-lo.
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