O Globo
É Natal e deveríamos poder falar de temas
mais leves. Mas alguém viu aí Lula ou Geraldo Alckmin falando sobre segurança
digital? Talvez Sergio Moro? Ciro Gomes ou João Doria? O governo de Jair
Bolsonaro, nós já sabemos, não tem ideia a respeito do assunto. E, no tempo do
comércio eletrônico, na antevéspera de Natal, quem precisou rastrear uma encomenda
pelo site dos Correios não pôde. Você precisa saber se tem de dar um pulo com
urgência numa loja para comprar o que não chegará em tempo? A informação não
existe, houve mais um ataque hacker. O colapso digital do Ministério da Saúde
está a caminho da terceira semana, e o desastre segue. Enquanto isso, o
presidente cortou a verba de investimento em tecnologia da Receita Federal para
dar um aumento às polícias. Que ideia excelente.
Se não está ainda claro, deveria: o Estado brasileiro está sob ataque de um grupo hacker.
O país tem um governo paranoicamente
obcecado com segurança nacional. Sente-se ameaçado pela China, teme a invasão
europeia da Amazônia, o general que dirige a agência de inteligência acredita
que há um complô para o assassinato do presidente, e o intelectual que inspira
a todos vê comunistas em todo lugar onde alguém ousa pensar.
O Estado, porém, é atacado concretamente em
sua infraestrutura essencial, e o presidente está de férias no Guarujá,
dançando funk. Os outros três candidatos que compartilham com Bolsonaro o topo
das pesquisas falaram em público nesta semana, em vídeos pela internet. O
Brasil está sob ataque, nenhum deles entrou a sério no assunto.
Quando a empresa privada responsável por
20% do abastecimento de combustível nos EUA sofreu um ataque no início deste
ano, uma equipe de especialistas do FBI amanheceu em seus escritórios. O
presidente Joe Biden limpou sua agenda naquela manhã para se fechar no Salão
Oval com o Conselho de Segurança Nacional. Ao longo das primeiras 24 horas, as
principais consultorias de segurança da informação já haviam divulgado
relatórios públicos detalhados sobre os métodos de ação do grupo responsável. É
informação preciosa para que outros possam evitar novas invasões.
Faz duas semanas que, em meio a uma
pandemia, o Brasil perdeu a capacidade de ter dados precisos sobre mortes e
internações. Sobre como anda a vacinação. Se a variante Ômicron começar a se
espalhar rápido num dos estados menores, talvez demoremos alguns dias para
saber. E no dia 23 de dezembro o brasileiro perdeu a capacidade de acompanhar
suas entregas de Natal. Os Correios formam, hoje, parte da infraestrutura sem a
qual o comércio brasileiro não funciona. Todo o comércio brasileiro.
Que consultoria de segurança da informação
publicou um relatório sobre o grupo hacker Lapsus$? Nenhuma. Fontes no interior
do Ministério da Saúde informam que a invasão não ocorreu por técnica
sofisticada. Não: os hackers tinham logins e senhas. Mas, uma vez dentro do
sistema, sofisticados foram. Sabiam exatamente o que atacar. Parecem ser
brasileiros. Isso não quer dizer necessariamente que seja obra de gente
infiltrada. Pode ter sido um ataque planejado ao longo de muito tempo.
Esses não são hackers de Araraquara.
O governo que deveria estar completamente
mobilizado para resolver o problema é o de Bolsonaro. O governo que não foi
capaz de se defender é o atual. Mas não vamos nos enganar — se o analista de
inteligência Edward Snowden não houvesse contado que a Petrobras havia sido
hackeada, o governo de Dilma Rousseff nem saberia. Estamos, como país,
profundamente atrasados.
Nossos militares paranoicos ainda não
entenderam como se faz guerra hoje em dia.
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