sexta-feira, 30 de julho de 2021

César Felício - Rendição ou ruptura

Valor Econômico

Ainda não está clara a vitória da política no governo Bolsonaro

Tutelar presidentes sempre é uma prática arriscada, em qualquer dimensão de tempo e de espaço. A nomeação do senador Ciro Nogueira para a pasta da Casa Civil foi recebida dentro do Congresso, particularmente pelos seus correligionários, como uma capitulação de Jair Bolsonaro à “realpolitik”.

A presença de Nogueira como o condestável do governo junto ao Legislativo significaria o fim de diversas coisas: do flerte de Bolsonaro e das Forças Armadas com o golpe, caso se torne evidente que o cenário eleitoral de 2022 é de derrota; da aposta na crise institucional permanente com o Judiciário, uma tônica de Bolsonaro desde que tomou posse; no uso da radicalização ideológica como instrumento para intimidar expoentes da sociedade civil a se manifestarem livremente contra o governo. Todos fatores que deixaram o Brasil no plano institucional e de ambiente político muito mais perto do modelo de El Salvador do que o do Uruguai, por exemplo.

Teria se passado uma régua. Nogueira na Casa Civil significaria o novo marco zero. “A nomeação de Ciro Nogueira faz cessar todas as conspirações”, diz, por exemplo, o veterano senador Esperidião Amin (PP-SC), que atua na política desde que Bolsonaro era cadete nas Agulhas Negras. Para o otimista Amin, Nogueira no ministério deixa no passado o rumor de sabres que alertou Brasília nos últimos dois meses, com a militância bolsonarista do ministro da Defesa, Braga Netto. “Isso agora é passado, nunca existiu. Ou tudo segue existindo, mas muito menor” conclui. “Se não estivesse agora no governo um navegador dos sete mares como é Ciro Nogueira, podia-se pensar na radicalização. Mas agora não vamos simplesmente para uma distensão. Vamos para uma pacificação”, aposta.

Ele vê uma perspectiva de o Legislativo concentrar-se em pautas da agenda econômica no segundo semestre e do Brasil preparar-se para as eleições de 2022 como se fosse o país normal que não é: o calendário eleitoral irá avançar como estava previsto e o fator decisivo para avaliar quem ganha a disputa em outubro do próximo ano virá mais da economia do que da confusão política. Amin é dos que veem amplas perspectivas para Bolsonaro se reeleger no próximo ano.

A questão é que tutelar o presidente não é fácil. O conflito entre o Judiciário e o Executivo segue intocado. Ainda anteontem, com um certo atraso, o STF respondeu, de forma oficial, em suas redes sociais, a uma conhecida patranha do presidente, a de que ele foi impedido de agir contra a pandemia de covid-19 em detrimento de Estados e municípios.

Do lado do Executivo, o presidente segue em sua campanha para desacreditar o processo eleitoral, sem fazer nenhuma inflexão. Seus ataques à urna eletrônica crescem na proporção direta em que mais e mais pesquisas o mostram em desvantagem na intenção de voto para o próximo ano.

Nem ele, nem as Forças Armadas, deram alguma mensagem substantiva de que as eleições do próximo ano estão garantidas. É um tema para debate, e não uma questão resolvida, saber se o vencedor das próximas eleições assumirá a Presidência.

O que ficou nítido ao longo dos últimos acontecimentos é que o Legislativo não marcha ao lado do Executivo neste confronto. A sequência de eventos dos últimos meses é eloquente. Observa-se uma gangorra. Vale a pena uma rápida retrospectiva do que está sendo 2021.

O ano começou, concretamente, em 8 de março, com o Supremo fazendo o primeiro movimento: tornou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) elegível. As pesquisas mostraram que Lula começou a nuclear o voto antibolsonarista no país, até então disperso. Duas semanas depois, sob um bombardeio intenso, em que Ciro Nogueira estava como um dos comandantes da artilharia, Bolsonaro mandou embora da Saúde o general Eduardo Pazuello e das Relações Exteriores o diplomata Ernesto Araújo. Marcelo Queiroga, o novo ministro da Saúde, é bem relacionado com a classe política, e Carlos França, o novo chanceler, acabou com o clima de confrontação entre Brasil e o resto do planeta Terra. Ponto para o Centrão.

Na mesma semana, Bolsonaro abriu uma das portas do inferno: demitiu toda a cúpula militar e nomeou para a Defesa Walter Braga Netto, que desde então não para de fazer ameaças à estabilidade institucional. Ponto para a radicalização.

Menos de 15 dias depois, em 13 de abril, docemente constrangido por uma decisão do Supremo, o presidente do Senado Rodrigo Pacheco fez a leitura que permitiu a instalação da CPI da Covid-19 na casa, com controle compartilhado entre o Centrão e a oposição. Ponto para o Centrão.

A CPI acuou o governo no meio do pior momento da pandemia. Em maio, foram retomadas as manifestações de rua contra o presidente. O tema do impeachment, uma discussão, desaquecida, ganhou tração.

Em julho, o Centrão declarou guerra ao núcleo bolsonarista militar encastelado no governo, com a investigação da atuação de militares da ativa e da reserva que faziam parte da equipe de Pazuello na Saúde. Em parceria com os militares, Bolsonaro catalisou a ofensiva contra o sistema eleitoral e Braga Netto partiu para o confronto contra o Congresso. A reação do Centrão, por meio de Lira, foi soltar balões de ensaio sobre a instalação de um semipresidencialismo e enterrar de vez o voto impresso, trocando os integrantes que representam 11 partidos na Comissão Especial que analisa o tema.

Ciro Nogueira na Casa Civil significará agora rendição ou ruptura? Ainda não há respostas. A poderosa Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ) continua subordinada à Secretaria-Geral (general Ramos) e não a Nogueira. É comandada por um major da PM e tem como atribuições, entre outras coisas, “registrar, controlar e analisar as indicações para provimento de cargos e ocupação de funções de confiança submetidas à Presidência da República e preparar os atos de nomeação ou de designação para cargos em comissão ou funções de confiança”. Ou seja, há o risco de Nogueira prometer mundos e fundos para o Centrão e depois não ter como entregar.

Esse poder condicionado impede a visão de Nogueira como um conquistador romano. Atritos podem acontecer entre Bolsonaro e Centrão ainda este ano. E sem o Centrão, só restarão as baionetas para sustentar o presidente.

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