Folha de S. Paulo
O impeachment é uma instituição em evolução
O impeachment é
um processo traumático que não pode ser banalizado. Não digo que essa afirmação
esteja errada, mas penso que precisa ser relativizada.
Em regimes presidencialistas, as eleições
ocorrem em prazos predeterminados e espera-se que os eleitos concluam seus
mandatos. Se a ideia é tornar a dissolução de governos um processo mais simples
e de fácil digestão política, aí seria melhor adotar de vez o parlamentarismo.
Na América Latina, onde desde o século 19 vicejam os presidencialismos, o impeachment costumava funcionar como uma espécie de bomba atômica —uma arma concebida para jamais ser utilizada. Grupos interessados em promover mudanças de governo preferiam recorrer diretamente a militares e seus tanques.
Com a redemocratização a partir dos anos
90, porém, o estatuto do impeachment vem sofrendo alterações. Para começar, as
deposições se tornaram menos raras. Só o Brasil fez duas. E elas também
ocorreram no Paraguai, na Venezuela, no Equador e na Guatemala. Mesmo onde não
se efetivaram afastamentos, a ameaça de impeachment se tornou um elemento
importante do jogo político —parte do sistema de freios e contrapesos entre
Poderes que caracteriza as democracias.
Minha impressão é que o impeachment é uma
instituição em evolução, que vai cada vez mais assumindo um papel análogo ao do
voto de desconfiança no parlamentarismo. Não me parece que seja um mal. Só o
fato de os tanques terem desaparecido das ruas já é bastante alvissareiro.
O desafio, acredito, é o ajuste fino. Eu
retiraria da equação o elemento jurídico, permitindo o afastamento não só por
crimes de responsabilidade como por incapacidade ou mau desempenho, mas
manteria a exigência da maioria ultraqualificada de 2/3 do Parlamento para
efetivar a destituição. Tirar um presidente não pode ser tão fácil quanto tirar
um premiê, mas tampouco pode ser uma tarefa quase impossível.
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