Correio Braziliense
Um golpe que anteceda as
eleições é improvável. Exigiria um cenário de radicalização política extrema e
grande conturbação social, o que não é o caso até agora
O fantasma que ronda a democracia
brasileira não é o do comunismo, como na antológica abertura do Manifesto,
escrito em 1848 por Karl Marx e Friedrich Engels. Com o fim da guerra fria e a
morte de Luís Carlos Prestes, e dos líderes da luta armada contra o regime
militar na década de 1970, como Carlos Marighella, essa narrativa se tornou
completamente inverossímil, até por falta de protagonistas, sendo necessário
encontrar outros pretextos: o do presidente Jair Bolsonaro é o de um fantasioso
plano de fraude eleitoral, tão imaginário quanto fora o plano forjado, em 1937,
pelo então capitão Olímpio Mourão Filho, para legitimar o golpe do Estado Novo,
de Getúlio Vargas. General, Mourão seria um dos líderes da deposição de João
Goulart pelos militares, em 1964.
Ontem, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso voltou a defender o sistema eleitoral brasileiro, que “nunca foi alvo de fraude”, e denunciou o caráter golpista da narrativa de Bolsonaro, ao participar da inauguração da nova sede do Tribunal Regional Eleitoral do Acre. “O discurso de que ‘se eu perder houve fraude’, é um discurso de quem não aceita a democracia”, disse. Barroso também fez referência à denúncia apresentada pelo ex-candidato a presidente do PSDB Aécio Neves (MG), derrotado por Dilma Rousseff (PT) em 2014: “O candidato derrotado pediu auditoria, e o próprio partido reconheceu que não houve fraude. Nunca se documentou fraude. No dia que se documentar, a Justiça Eleitoral vai apurar imediatamente. Ninguém tem paixão por urnas, mas sim por eleições livres e limpas”.
A polêmica alimentada com Barroso é uma
estratégia deliberada de Bolsonaro para desacreditar a urna eletrônica e criar
um ambiente eleitoral de radicalização, favorável a que não se reconheça o
resultado das urnas, caso seja derrotado. As pesquisas de opinião são
desfavoráveis à reeleição do presidente por causa de seu próprio radicalismo e
do mau desempenho do governo À falta de uma terceira via competitiva, o
favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), porém, é o
verdadeiro motivo da narrativa da fraude. O antipetismo é muito forte na
sociedade, principalmente para aqueles que consideram toda a esquerda
comunista, a tese predominante entre os bolsonaristas.
Anticomunismo
O anticomunismo no Brasil sobreviveu ao fim da União Soviética e ao colapso dos
regimes do Leste Europeu, mesmo tendo a China e o Vietnã adotado uma economia
de mercado, baseada no capitalismo de Estado, e os regimes da Coreia do Note e
de Cuba terem se estagnado. O preconceito contra os chineses foi explorado por
Bolsonaro, mas a realidade da nossa balança comercial com o gigante asiático,
que transformou o nosso agronegócio no setor mais dinâmico da economia, acabou
se impondo, inclusive durante a pandemia. Restaram as ligações políticas de
Lula com o regime castrista de Cuba e o bolivarianismo da Venezuela, que são
até um desconforto para o candidato petista. Ambos são um anacronismo político
e estão em grave crise econômica e social.
Bolsonaro se opõe a Lula como Carlos
Lacerda se opusera à volta de Vargas ao poder, nas eleições de 1950: “O senhor
Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não
deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à
revolução para impedi-lo de governar”. Não repete as palavras, mas seu
raciocínio é o mesmo. É aí que a politização das Forças Armadas e seu controle
têm um papel fundamental. Existe uma rejeição atávica ao PT por parte dos
militares, exacerbada no governo de Dilma Rousseff, muito embora Lula tenha
investido muito no reaparelhamento da Marinha, do Exército e da Aeronáutica —
mais até do que Bolsonaro. Porém o atual governo tem mais militares em
ministérios e cargos comissionados do que todos os governos do regime militar.
Um golpe que anteceda as eleições é muito
improvável. Exigiria um cenário de radicalização política extrema e grande
conturbação social, o que não é o caso, porque nenhuma força política
responsável atua nessa direção, exceto os grupos de extrema direita que apoiam
Bolsonaro, uma militância armada. Mas a hipótese de uma tentativa de golpe caso
Lula seja eleito não deve ser desconsiderada. Bolsonaro trabalha para isso,
apesar de não ter apoio suficiente nas Forças Armadas.
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