O Globo
O ex-presidente Donald Trump concedia uma
entrevista, com plateia favorável, quando lhe perguntaram se havia tomado a
dose de reforço. Trump respondeu “sim” — e com entusiasmo.
Foi surpreendido com vaias. Não se
intimidou. Apontou o dedo para o grupo que vaiava e comentou que se tratava de
uma minoria. Era mesmo.
Como conciliar isso com a atitude
francamente negacionista dos republicanos e do próprio Trump? São contra
qualquer medida que torne a vacina obrigatória — como ocorre quando uma empresa
só emprega imunizados ou quando um estabelecimento só permite a entrada de quem
apresentar o certificado.
Para os republicanos, essas regras
restringem a liberdade individual, configuram uma quase ditadura.
Nesse caso, vacinar-se não é contraditório?
Parece. E, de fato, 60% dos americanos não
vacinados se declaravam republicanos — isso em outubro, segundo pesquisa citada
pelo economista Paul Krugman em coluna no New York Times.
A explosão da Ômicron vem sendo chamada de
“histeria irracional” por lideranças republicanas do primeiro time.
E, entretanto, Trump se vacinou e contou
isso para todo mundo.
Qual a lógica?
Trata-se de política, não de ciência, sugere o mesmo Krugman. A hipótese é a seguinte: mesmo sabendo que a pandemia é grave e que a vacina funciona, os chefões republicanos fazem campanhas negacionistas para, primeiro, fidelizar sua base de ignorantes e, segundo, atrapalhar o governo do democrata Biden, criar caso, gerar medo e insegurança, sentimentos que sempre se voltam contra o presidente de plantão.
É extremamente cruel fazer política com a
morte de milhares de pessoas. É pura maldade, mas lógico para quem está na
oposição e não se guia pelos valores morais.
Tudo isso para dizer que o presidente
Bolsonaro e sua turma não agem como os republicanos dos Estados Unidos.
Bolsonaro está no governo. Seu negacionismo, que leva medo e insegurança a
milhões de brasileiros, age contra o próprio bolsonarismo. Ao contrário de
Trump, que se imuniza, Bolsonaro não se vacina e acredita mesmo em todas aquelas
asneiras que se fala sobre os imunizantes e que tentam minimizar a pandemia.
Ele acha mesmo que existem por aqui “os
tarados da vacina”, acredita que crianças não morrem de Covid-19, embora os
dados provem o contrário, e desconfia mesmo que a Anvisa age com base em
interesses escusos.
Não prova nada, assim como nunca provou que
as urnas eletrônicas podem ser fraudadas.
Trata-se de um negacionismo realmente
ignorante, e não uma tática política. A consequência política é contra
Bolsonaro. Basta olhar pesquisas mostrando que metade dos que votaram no “mito”
já o abandonou. São os que votaram em Bolsonaro por medo de Lula, mas são
aqueles que se vacinam e temem por suas vidas no ambiente de pandemia.
Trump mandou invadir o Capitólio para
tentar reverter a derrota que sofrera nas urnas. Até hoje, ele diz que a
eleição foi uma fraude.
Bolsonaro tentou um golpe no 7 de Setembro,
numa ação tão estapafúrdia que quase levou a sua própria queda. Continua
dizendo que houve fraude na eleição que ganhou com relativa folga.
Trump joga com as palavras, Bolsonaro
acredita nas bobagens que diz, como se estivesse numa mesa de botequim.
Trump é esperto. Bolsonaro é um tolo que se
elegeu por uma combinação incrível de circunstâncias políticas e acasos.
Trump sabe o que faz na oposição. Bolsonaro
age contra seu próprio governo, uma mistura de incompetência e ideias (ideias?)
ruins.
Trump continua exercendo a liderança que
construiu num programa de televisão. Bolsonaro continua como um deputado do
baixo clero, de onde nunca deveria ter saído.
Por tudo isso, sua reeleição é altamente
improvável. Não se pode dizer impossível porque, enfim, já aconteceu uma vez.
Mas, em circunstâncias normais, a questão
política hoje é saber quem será adversário para Lula. Num ano ruim para a
economia, ainda não se sabe quem apontará um rumo para a retomada do
crescimento. Não é Lula, pelo que têm dito o candidato e seus seguidores.
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