domingo, 16 de janeiro de 2022

Elio Gaspari: O mico da fábrica de fertilizantes

O Globo

O atual governo é amigo do agronegócio, a Petrobras é administrada como uma empresa, o ministro da Economia é um campeão da iniciativa privada, e na cidade de Três Lagoas (MS) há um elefante branco, candidato a fóssil.

Com nome de vírus, é a UFN3, ou Unidade de Fertilizantes Nitrogenados, projetada pela Petrobras para produzir ureia e amônia suficientes para reduzir o gargalo das importações. Sua história completou doze anos e retrata a bagunça da administração pública nacional, onde todos têm razão, mas produzem maluquices.

As obras da UFN3, em terreno doado à prefeitura, começaram em 2011, a cargo da empreiteira Queiroz Galvão e de um consórcio chinês. A obra chegou a ter sete mil trabalhadores, mas os seus responsáveis começaram a calotear fornecedores e operários, provocando greves e até mesmo desordens. Em 2014, a Petrobras rescindiu o contrato com os empreiteiros, e a obra parou, com 83% do serviço já concluído. Àquela altura, UFN3 já havia consumido cerca de R$ 3 bilhões.

Passaram-se três anos, e em 2017 a Petrobras anunciou que venderia a fábrica. Faltou combinar com o Supremo Tribunal Federal, e no ano seguinte o ministro Ricardo Lewandowski bloqueou o feirão das privatizações da petroleira. Em 2019, esse bloqueio foi levantado e começou a caça a um comprador, com uma novidade: a Petrobras anunciou que sairia do mercado de fertilizantes.

Quem quiser conhecer esse assunto saberá que todas as partes tomaram as decisões certas e que todos tiveram suas razões, mas a fábrica continuará lá, 84% concluída e inoperante.

Apenas por curiosidade, o general Silva e Luna poderia mandar uma equipe de arqueólogos para pesquisar o caso da UFN3 para responder a algumas perguntas óbvias.

Por que não aparece comprador?

O preço está alto? Como ensinou o Conde Francisco Matarazzo, preço de mercado é o que o freguês quer pagar.

Quando a Petrobras resolveu sair do mercado de fertilizantes e vender a UFN3, usou a linda palavra “desinvestimento” para justificar sua política. No entanto, desinvestir é uma coisa, fabricar micos é outra.

Com sua paixão por afirmações apocalípticas e pela transferência de responsabilidades, o presidente Bolsonaro disse em novembro que “o governo está se virando atrás de fertilizantes” para evitar uma crise de abastecimento e emendou:

 “O que é pior disso tudo, né: nós temos aqui potencial para isso tudo, mas o potássio que está lá na foz do rio Amazonas... Aquela grande área está demarcada como terra indígena.”

Os índios da foz do Amazonas têm pouco a ver com isso. O mico da UFN3 está a 684 quilômetros de Brasília.

O BlackRock se fechou

O gestor do fundo de investimentos BlackRock para a América Latina avisou que não botará dinheiro no Brasil enquanto Bolsonaro estiver no Planalto. Com uma carteira de US$ 9,5 trilhões, é o maior do mundo, opera em cem países com o olho em negócios de longo prazo.

O doutor Paulo Guedes talvez saiba que a coisa é pior. Em outubro passado, o BlackRock cogitava sair do Brasil, com uma terrível sinalização para o tal de mercado.

Quem quiser achar que isso é uma gripezinha, que ache.

Amil à venda

Dez anos depois de ter entrado no setor de saúde brasileiro comprando a Amil, a gigante americana UnitedHealth pagou R$ 3 bilhões para se desfazer de sua carteira de clientes individuais e está negociando o restante da sua operação em Pindorama. Ela tem 5,7 milhões de clientes e 19,5 mil colaboradores.

E ainda tem gente achando que empresas estrangeiras fazem fila para operar no Brasil.

O bicentenário de Poyais

As flutuações do humor dos investidores internacionais serão um fator relevante na campanha eleitoral deste ano. Até que ponto o BlackRock não confia mais em Bolsonaro? Até que ponto desconfia de Lula? Só eles sabem, mas neste ano do Bicentenário da Independência do Brasil, não custa lembrar que se comemora também o nascimento de Poyais. Era uma nação paradisíaca localizada na América Central, onde está hoje a República de Honduras. Bolsonaro não se fez representar na posse de sua presidente.

Em 1821, um escocês chamado Gregor McGregor lançou na praça de Londres papéis desse país. Em dinheiro de hoje, com sucessivos lançamentos, recolheu o equivalente a US$ 5 bilhões. Entre setembro de 1822 e janeiro de 1823, ele embarcou cerca de 250 imigrantes que receberiam lotes de terra ou trabalhariam numa cidade que tinha até teatro de ópera. Um deles seria o sapateiro da princesa local.

Os novos habitantes de Poyais encantaram-se com a paisagem quando viram a costa. Ao desembarcar, em setembro, verificaram que Poyais não existia. Era tudo mato e muitos mosquitos. O sapateiro da princesa matou-se.

Alguns colonos regressaram a Londres e contaram o que lhes aconteceu. Mesmo assim, McGregor fez um novo lançamento de papéis e teve compradores.

O malandraço cometeu a imprudência de lançar papéis em Paris e acabou na cadeia. Julgado, foi absolvido e voltou a operar sem sucesso. Em 1838, estava na penúria e morreu sete anos depois.

Simone Tebet

Está em curso uma costura para fortalecer a candidatura da senadora Simone Tebet (MS), que se lançou pelo MDB.

Com vinte anos de vida pública, ela depende da indicação do seu partido e hoje falta-lhe o apoio de alguns caciques que já estão no navio de Lula.

A singularidade da costura está no seu alcance, pois ela se estende a um pedaço do tucanato, insatisfeito com a opção de João Doria.

Tebet tem a seu favor o desempenho estelar que teve na CPI da Covid.

Joaquim Barbosa

Noutra pista, costura-se a possibilidade de uma candidatura do ex-ministro Joaquim Barbosa. Morreu no nascedouro a possibilidade de ele apoiar o nome de Sergio Moro.

Se Barbosa vier a entrar na corrida, é possível que Moro prefira concorrer a uma cadeira de senador.

Covid na China

Quem entende de China e conversou com o chinês que entende de Covid ouviu que os rigorosos controles de isolamento não serão atenuados antes de junho.

Covid nos EUA

Está pesando a barra para os americanos que decidiram não se vacinar.

Há profissionais de saúde defendendo a ideia de que eles sejam tratados em hospitais exclusivos, eventualmente, por profissionais que também são contra as vacinas.

Delfim e Paulo Guedes

Em 1969, o professor Delfim Netto era um desconhecido na elite do Rio e assumiu o Ministério da Fazenda. Aos 39 anos, gordo e com o sotaque dos italianos do Cambuci, fantasiava-se de viúvo com ternos pretos e camisas brancas. Dormia pouco e operava o dia inteiro. Nunca incorporou uma única repartição, mas colocava gente sua onde podia. Três anos depois, tornou-se o ministro da Fazenda mais poderoso da República.

Há três anos, Paulo Guedes aceitou a ridícula nobiliarquia de “Posto Ipiranga” e assumiu anexando quatro ministérios. Três anos depois, deu no que deu.

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