Correio Braziliense / Estado de Minas
Estados Unidos acusam a Rússia de preparar uma
invasão da Ucrânia, enquanto Putin ameaça instalar bases militares na Nicarágua
e na Venezuela. E nós com isso?
O escritor Nikolai Vassílievitch Gogol
(1809-1852) é considerado um dos pais da literatura russa. Segundo Fiódor
Dostoiévski, autor de Crime e Castigo, todos os grandes autores russos que
conhecemos saíram do conto O capote, de Gogol, a história tragicômica de Akaki
Akakiévitch, um funcionário público na Rússia czarista, cuja maior ambição era
comprar um capote novo: “Não, é melhor não dizer seu nome. Ninguém é mais
suscetível do que funcionários, empregados de repartições e gente da esfera
pública. Nos dias que correm, todo sujeito acredita que, se nós atingimos a sua
pessoa, toda a sociedade foi ofendida”. A novela mostra a frieza e a futilidade
da aristocracia do Estado tzarista, em São Petersburgo.
Notável contista, os romances mais famosos
de Gogol são Tarás Bulba (1834) e Almas Mortas (1842). Maria, um dos seus
contos, descreve o drama da filha de um chefe cossaco aliado do Pedro, o
Grande, e casada com um dos generais de Carlos XII da Suécia. A filha presencia
o marido matar seu pai num duelo e fugir com o exército inimigo. A jovem
enlouquece. É uma alusão à fuga de Ivan Mazepa, um general cossaco do Exército
sueco. E uma alegoria da histórica divisão da Ucrânia.
Após derrotar a Saxônia, a Dinamarca e a Polônia, aliados de Pedro, o rei Carlos XII da Suécia tentara pôr fim à guerra invadindo a Rússia, em 1708. Em abril de 1709, Carlos XII, com o apoio do líder cossaco Ivan Mazepa, atacou o forte de Poltava no Hetmanato Cossaco. Os suecos atacaram o campo entrincheirado dos russos, que era defendido por 42 mil soldados. A vitória russa obrigou Carlos e Ivan Mazepa a fugirem para o Império Otomano.
Gogol nasceu na pequena aldeia de Sorótchintsi,
na província de Poltava, na Ucrânia central, cuja capital, hoje com cerca de
280 mil habitantes, foi construída por Pedro, O Grande, como uma pequena
réplica de São Petersburgo, para comemorar a Batalha de Poltava, que lhe
garantiu a vitória contra os suecos. Do século XIV a 1569, a região foi parte
da Lituânia; depois, da Polônia. Em 1482, foi invadida pelos tártaros da
Crimeia. De 1654 a 1667, pertenceu ao Império Russo. De 1917 a 1919, foi um
campo de batalha da Guerra Civil. Os bolcheviques haviam tomado o poder, mas as
tropas brancas do general Anton Denikin controlavam a Ucrânia, com apoio dos
cossacos da região caucasiana de Kuban. Denekin foi derrotado pelo Exército
vermelho.
Um tratado de paz com a Polônia encerrou a
Guerra Civil. A porção ocidental foi incorporada à Polônia, a oriental formou a
República Ucraniana, integrada à União Soviética em dezembro de 1922. Durante a
Segunda Guerra Mundial, nacionalistas ucranianos lutaram contra nazistas e
comunistas, indistintamente, ou colaboravam com um dos lados. Em 1941, o
Exército alemão invadiu a Ucrânia. No cerco de Kiev, em cujo principado nasceu
a Rússia, houve feroz resistência do Exército Vermelho e da população local.
Foram capturados 660 000 soldados soviéticos, entre cinco e oito milhões civis
morreram, sendo meio milhão de judeus. De onze milhões de soldados soviéticos
mortos em batalha, um-quarto era ucraniano.
Separatismo
Desde que assumiu o poder, Vladimir Putin
tenta manter a Ucrânia como aliada da Rússia, não aceita que o país ingresse no
Tratado do Atlântico Norte (Otan), a grande aliança militar do Ocidente,
liderada pelos Estados Unidos. Entretanto, desde a chamada Revolução Laranja
(2004), seus aliados ucranianos sofreram sucessivas derrotas eleitorais. Em
resposta, Putin apoia movimentos separatistas em regiões onde a população é
russófila, como Crimeia e Sebastopol, que declaram independência e, em 2014,
assinaram um tratado de adesão à Federação Russa, apesar da oposição da ONU.
Nas regiões leste e sul da Ucrânia, em
Donetsk e Lugansk, milicias locais ocuparam prédios do governo e delegacias
policiais e iniciaram uma guerra civil. Um plebiscito local, não reconhecido
internacionalmente, aprovou a independência da região de Donbass, a segunda
mais densamente povoada da Ucrânia, superada apenas pela capital Kiev. Reservas
de ferro e carvão mineral cobrem cerca de 23.300km² a sul da bacia do rio
Donets; é a maior região produtora de ferro e aço da Ucrânia e abriga um dos
principais complexos de indústria pesada do mundo.
E nós com isso? Os Estados Unidos acusam a
Rússia de preparar uma invasão da Ucrânia, enquanto Putin ameaça instalar bases
militares na Nicarágua e na Venezuela, caso o país do Cáucaso realmente
ingresse na Otan. Se isso ocorrer, o assunto certamente será um dos temas da
campanha eleitoral, porque o presidente Jair Bolsonaro é aliado do atual
governo ucraniano e será instado a se posicionar por Joe Biden, o presidente
dos EUA, enquanto o ex-presidente Lula não esconde seu apoio político a Nicolas
Maduro, na Venezuela, e Daniel Ortega, na Nicarágua. É um assunto cabeludo, que
pode mudar muita coisa na geopolítica regional, na qual Bolsonaro anda muito
isolado.
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