O Estado de S. Paulo
Em 1996, o poeta Bruno Tolentino provocou uma polêmica na área da cultura. Em entrevista a Geraldo Mayrink, um dos maiores jornalistas culturais daquele tempo, criticou o que lhe parecia um dado nocivo no País: músicos populares – notadamente Caetano Veloso – dando opiniões sobre o Brasil, quando na França eram filósofos da academia que ocupavam este espaço. Mayrink rebateu: “Mas existe algum filósofo brasileiro que mereça mais espaço na mídia?” Tolentino citou um nome: Olavo de Carvalho. De volta à redação, Mayrink confessou aos colegas que não sabia quem era.
Lembrei do episódio quando Olavo de
Carvalho morreu, em janeiro deste ano. Procurei no Youtube, plataforma que
consagrou Olavo, vídeos anteriores à entrevista de 1996. Achei um em que Olavo
participa de um debate sobre o zodíaco. Ele defendeu, na ocasião, que a
influência dos astros sobre os seres humanos tinha sido comprovada
cientificamente. Uma pesquisa francesa achara uma correlação entre os signos e
as profissões escolhidas pelos pesquisados.
Também lembrei do episódio quando, na
semana passada, a revista americana The New Yorker publicou um perfil extenso
de Caetano Veloso. O artigo celebra a importância cultural do artista, com sua
síntese entre cultura pop, raízes brasileiras e versos de canção da melhor
qualidade. A grandeza de Caetano já estava estabelecida em 1996 – ano em que
Olavo de Carvalho apenas começava a fazer barulho com seu O Imbecil Coletivo.
Há cinco anos, Caetano Veloso processou
Olavo de Carvalho por calúnias nas redes sociais. Ganhou o processo e o direito
a uma indenização de quase R$ 3 milhões. As postagens de Olavo sobre Caetano,
de tão estapafúrdias ou chulas, não merecem menção.
Tolentino não viveu para ver seu sonho
virar realidade. Olavo hoje é mais discutido no País que Caetano. O secretário
da Cultura, Mario Frias, até propôs que se erguesse um busto do astrólogo.
Frias, recentemente, promoveu uma reforma na Lei Rouanet que não corrige seus
problemas – e cria outros. Inspirou-se claramente nos ensinamentos de Olavo,
que defendia que se destruísse o segmento da cultura não alinhado com o
governo.
No minipodcast, Sérgio Sá Leitão discorre
sobre o espírito da Rouanet. Especialista no assunto, ele esteve no Planalto
nas Presidências de Lula e Temer e hoje é secretário de Cultura e Economia
Criativa no governo tucano de São Paulo.
Diz muito sobre o País em tempos recentes
que Olavo de Carvalho seja mais discutido que Caetano Veloso. Foi preciso que a
The New Yorker nos lembrasse quem é realmente relevante para a cultura brasileira.
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Foi preciso que a ‘The New Yorker’ nos
lembrasse quem é realmente relevante para a cultura
2 comentários:
O historiado Evaldo Cabral de Mello também disse certa vez que só no Brasil compositor popular era ouvido como pensador - Mudando de assunto,gostei quando ele disse que antigamente quem ouvia música sertaneja era folclorista ou gente da roça,e quando enfatizou o perigo da invasão dessa ''nova-sensibilidade'' nos grotões do Brasil profundo.
Esqueci de dar minha opinião,é claro que Caetano Veloso é mais relevante que Olavo de Carvalho.
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