quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Nilson Teixeira: Brasil precisa de um estadista

Valor Econômico

Por saber que a sociedade está dividida, Lula precisará atrair uma coalizão suprapartidária

Muitos participantes de mercado, que nas eleições passadas defenderam sua candidatura, passaram a rejeitar a reeleição de Jair Bolsonaro. Inicialmente, havia a crença de que surgiria um nome que uniria os eleitores que rejeitam o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula, cenário que sempre me pareceu improvável. Mais recentemente, a polarização entre os dois candidatos tornou-se a cena dominante, com uma expectativa de vitória de Lula. Mais do que isso, vários especialistas argumentam agora que esse resultado não seria o desastre previsto anteriormente.

A imagem de Lula no exterior é mais positiva do que na percepção da maioria dos investidores locais. Essa leitura não está restrita apenas aos políticos. Ambientalistas, por exemplo, lembram do governo Lula como um período de avanço nas ações de proteção ao meio ambiente. Do mesmo modo, investidores estrangeiros argumentam que foi um período de crescimento elevado, mesmo cientes dos benefícios do cenário global benigno para os países emergentes e produtores de commodities. Uma parte desse grupo entende que Lula traria tempos melhores de volta, pois seu governo anterior obteve grau de investimento, expressiva elevação de reservas internacionais, forte expansão do mercado de capitais, autonomia do banco central, superávits primários, aumento da renda e do consumo das famílias.

As recentes mudanças no orçamento público, com as emendas parlamentares impositivas, demandarão enorme esforço do futuro presidente no convencimento dos congressistas em prol de suas propostas. Isso exigirá maior compartilhamento de poder e, principalmente, maior participação dos líderes do Congresso na formulação dos programas a serem encaminhados ao Legislativo.

O presidente que pretenda transformar o país precisará ser um estadista - líder competente, hábil na negociação política e com capacidade para promover a conciliação nacional. Os atuais candidatos, com a possível exceção de Lula, não parecem capazes de assumir esse papel.

Apesar de sua associação com o Centrão para evitar maiores riscos no Congresso, Bolsonaro, por exemplo, não parece capaz de atrair um apoio maciço da centro-esquerda. Isso seria primordial para a aprovação de reformas abrangentes, até porque a evolução dessas medidas tende a ser mais difícil em um 2º mandato.

Tenho argumentado neste espaço que um novo governo Lula abraçaria políticas pragmáticas, sem ações revanchistas contra opositores nem adoção de medidas desfavoráveis para os mercados financeiro e de capitais. Mantenho a leitura de que Lula teria de construir uma presidência de conciliação para implementar medidas que resultem em aumento do crescimento potencial e melhoria da distribuição de renda.

Por saber que a sociedade está dividida, o ex-presidente precisaria atrair uma coalizão suprapartidária - partidos de esquerda, centro e centro-direita. PT, PSB, PSOL, PCdoB e PV (hoje com 104 deputados federais) serão os aliados de primeiro momento. Entre o 1º e o 2º turnos, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, PDT, Solidariedade e Cidadania (177 deputados) tendem a apoiar sua candidatura, fazendo parte de um eventual novo governo. Após o 2º turno, PP, Podemos, Pros, Avante e Patriota (77 deputados), alguns dos quais apoiando hoje a candidatura de Bolsonaro, se aproximarão. A presença do Aliança Brasil (81 deputados) já é mais incerta e dependerá das escolhas de política econômica e da equipe de governo.

Apesar da sua habilidade, um Lula estadista precisaria partilhar as decisões e a escolha de uma parte dos principais cargos no Executivo e nas estatais com representantes dos partidos dessa base suprapartidária. A participação em seu eventual novo governo de muitos ocupantes de cargos em gestões anteriores do PT prejudicaria a construção dessa aliança, pois seria interpretada como um retrocesso. Certamente, há exceções, como o da deputada Gleisi Hoffmann - presidente do PT, por seu papel junto ao ex-presidente e aos filiados do partido, bem como na condução de parte das negociações para formação dessa aliança.

Em termos de política econômica, seria um erro convidar para o novo governo uma boa parte dos membros do grupo de economistas que assessora a campanha do PT, bem como daqueles que, no passado, ocuparam cargos reunidos hoje no Ministério da Economia, empresas estatais, bancos públicos, órgãos repassadores de recursos públicos e em instituições de planejamento e formulação de programas de governo. Ao sinalizarem a preferência por políticas intervencionistas, estatizantes e pouco responsáveis fiscalmente, esses convites impediriam a constituição de um pacto amplo.

Uma campanha eleitoral não é marcada, porém, pelo detalhamento de propostas e muito menos da equipe de governo, conforme alguns participantes de mercado inocentemente requerem. Provavelmente, ficarão frustrados ainda por muito tempo. Ademais, os candidatos sabem que não precisam da aprovação do nosso pequeno universo de participantes de mercado para vencer as eleições.

Essa é uma das razões do porquê a campanha eleitoral - que será mais disputada do que as atuais pesquisas sugerem - trará volatilidade adicional para o mercado, em função de incontáveis ruídos sobre as políticas a serem adotadas por Lula, caso eleito. Demorará um bom tempo para a maioria dos investidores reconhecer que o vencedor das eleições precisará adotar o papel de estadista, o que exigiria a formação de um governo sem políticas extremistas ou revanchistas para atrair o apoio de parte majoritária da população em torno de um projeto para o país.

Em suma, os desafios a serem enfrentados pelo presidente eleito são imensos. Não basta ter boas intenções e saber a trajetória a ser trilhada. Será necessário que os futuros presidentes, a começar pelo próximo, sejam capazes de promover uma grande conciliação nacional em torno de um programa de governo. Só mesmo um estadista seria capaz de iniciar a caminhada para um cenário melhor. Mesmo assim, seria uma missão muito árdua.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Estou na torcida,só espero que o PT não se eternize no poder novamente,poder demais é um perigo.