Valor Econômico
Por saber que a sociedade está dividida,
Lula precisará atrair uma coalizão suprapartidária
Muitos participantes de mercado, que nas
eleições passadas defenderam sua candidatura, passaram a rejeitar a reeleição
de Jair Bolsonaro. Inicialmente, havia a crença de que surgiria um nome que
uniria os eleitores que rejeitam o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula,
cenário que sempre me pareceu improvável. Mais recentemente, a polarização
entre os dois candidatos tornou-se a cena dominante, com uma expectativa de
vitória de Lula. Mais do que isso, vários especialistas argumentam agora que
esse resultado não seria o desastre previsto anteriormente.
A imagem de Lula no exterior é mais positiva do que na percepção da maioria dos investidores locais. Essa leitura não está restrita apenas aos políticos. Ambientalistas, por exemplo, lembram do governo Lula como um período de avanço nas ações de proteção ao meio ambiente. Do mesmo modo, investidores estrangeiros argumentam que foi um período de crescimento elevado, mesmo cientes dos benefícios do cenário global benigno para os países emergentes e produtores de commodities. Uma parte desse grupo entende que Lula traria tempos melhores de volta, pois seu governo anterior obteve grau de investimento, expressiva elevação de reservas internacionais, forte expansão do mercado de capitais, autonomia do banco central, superávits primários, aumento da renda e do consumo das famílias.
As recentes mudanças no orçamento público,
com as emendas parlamentares impositivas, demandarão enorme esforço do futuro
presidente no convencimento dos congressistas em prol de suas propostas. Isso
exigirá maior compartilhamento de poder e, principalmente, maior participação
dos líderes do Congresso na formulação dos programas a serem encaminhados ao
Legislativo.
O presidente que pretenda transformar o
país precisará ser um estadista - líder competente, hábil na negociação
política e com capacidade para promover a conciliação nacional. Os atuais
candidatos, com a possível exceção de Lula, não parecem capazes de assumir esse
papel.
Apesar de sua associação com o Centrão para
evitar maiores riscos no Congresso, Bolsonaro, por exemplo, não parece capaz de
atrair um apoio maciço da centro-esquerda. Isso seria primordial para a
aprovação de reformas abrangentes, até porque a evolução dessas medidas tende a
ser mais difícil em um 2º mandato.
Tenho argumentado neste espaço que um novo
governo Lula abraçaria políticas pragmáticas, sem ações revanchistas contra
opositores nem adoção de medidas desfavoráveis para os mercados financeiro e de
capitais. Mantenho a leitura de que Lula teria de construir uma presidência de
conciliação para implementar medidas que resultem em aumento do crescimento
potencial e melhoria da distribuição de renda.
Por saber que a sociedade está dividida, o
ex-presidente precisaria atrair uma coalizão suprapartidária - partidos de
esquerda, centro e centro-direita. PT, PSB, PSOL, PCdoB e PV (hoje com 104
deputados federais) serão os aliados de primeiro momento. Entre o 1º e o 2º
turnos, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, PDT, Solidariedade e Cidadania (177
deputados) tendem a apoiar sua candidatura, fazendo parte de um eventual novo
governo. Após o 2º turno, PP, Podemos, Pros, Avante e Patriota (77 deputados),
alguns dos quais apoiando hoje a candidatura de Bolsonaro, se aproximarão. A
presença do Aliança Brasil (81 deputados) já é mais incerta e dependerá das
escolhas de política econômica e da equipe de governo.
Apesar da sua habilidade, um Lula estadista
precisaria partilhar as decisões e a escolha de uma parte dos principais cargos
no Executivo e nas estatais com representantes dos partidos dessa base
suprapartidária. A participação em seu eventual novo governo de muitos
ocupantes de cargos em gestões anteriores do PT prejudicaria a construção dessa
aliança, pois seria interpretada como um retrocesso. Certamente, há exceções, como
o da deputada Gleisi Hoffmann - presidente do PT, por seu papel junto ao
ex-presidente e aos filiados do partido, bem como na condução de parte das
negociações para formação dessa aliança.
Em termos de política econômica, seria um
erro convidar para o novo governo uma boa parte dos membros do grupo de
economistas que assessora a campanha do PT, bem como daqueles que, no passado,
ocuparam cargos reunidos hoje no Ministério da Economia, empresas estatais,
bancos públicos, órgãos repassadores de recursos públicos e em instituições de
planejamento e formulação de programas de governo. Ao sinalizarem a preferência
por políticas intervencionistas, estatizantes e pouco responsáveis fiscalmente,
esses convites impediriam a constituição de um pacto amplo.
Uma campanha eleitoral não é marcada,
porém, pelo detalhamento de propostas e muito menos da equipe de governo,
conforme alguns participantes de mercado inocentemente requerem. Provavelmente,
ficarão frustrados ainda por muito tempo. Ademais, os candidatos sabem que não
precisam da aprovação do nosso pequeno universo de participantes de mercado
para vencer as eleições.
Essa é uma das razões do porquê a campanha
eleitoral - que será mais disputada do que as atuais pesquisas sugerem - trará
volatilidade adicional para o mercado, em função de incontáveis ruídos sobre as
políticas a serem adotadas por Lula, caso eleito. Demorará um bom tempo para a
maioria dos investidores reconhecer que o vencedor das eleições precisará
adotar o papel de estadista, o que exigiria a formação de um governo sem
políticas extremistas ou revanchistas para atrair o apoio de parte majoritária
da população em torno de um projeto para o país.
Em suma, os desafios a serem enfrentados
pelo presidente eleito são imensos. Não basta ter boas intenções e saber a
trajetória a ser trilhada. Será necessário que os futuros presidentes, a
começar pelo próximo, sejam capazes de promover uma grande conciliação nacional
em torno de um programa de governo. Só mesmo um estadista seria capaz de
iniciar a caminhada para um cenário melhor. Mesmo assim, seria uma missão muito
árdua.
Um comentário:
Estou na torcida,só espero que o PT não se eternize no poder novamente,poder demais é um perigo.
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