O Globo
A Argentina parou ontem para celebrar o Dia
da Memória. O feriado foi criado há duas décadas. Relembra o golpe de 24 de
março de 1976, que instalou uma ditadura militar no país.
Com lenços brancos sobre a cabeça, mães e
avós de desaparecidos marcharam até a Praça de Maio, no coração de Buenos
Aires. A caminhada começou na antiga Escola Superior de Mecânica da Armada
(Esma), centro de torturas que hoje abriga um museu de direitos humanos.
Os argentinos restauraram a democracia em 1983, mas ainda acertam contas com os responsáveis pelo terrorismo de Estado. Desde que os processos foram retomados, em 2006, a Justiça condenou 1.058 acusados. Outros 165 foram absolvidos, 964 morreram sem julgamento e 22 estão foragidos, segundo a Procuradoria de Crimes contra a Humanidade.
O réu mais notório foi o ex-ditador Jorge
Rafael Videla. Ele confessou ter ordenado a morte de 8 mil pessoas e disse não
se arrepender de nada. Perdeu a patente de general e foi condenado à prisão
perpétua. Morreu na cadeia aos 87 anos, sentado num vaso sanitário.
Os torturadores argentinos só foram ser
punidos porque a Suprema Corte do país anulou a Lei do Ponto Final, que
blindava acusados de torturas, assassinatos e sequestros de bebês.
O Brasil poderia ter seguido o exemplo, mas
escolheu outro caminho. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal manteve a validade
da Lei da Anistia para agentes da repressão que praticaram crimes de
lesa-humanidade.
Defensores da decisão argumentaram, na
época, que o país não deveria mexer em feridas cicatrizadas. O relator do caso,
ministro Eros Grau, disse que seria impossível “reescrever a História”. Essa
tese não resistiu à era Bolsonaro.
A impunidade dos torturadores abriu caminho
para que um herdeiro dos porões fosse candidato à Presidência. Eleito, ele pôs
o governo a serviço do revisionismo histórico. Os quartéis voltaram a festejar
o aniversário do golpe de 1964 — agora rebatizado de “marco para a democracia”.
O passado autoritário não passou: debochou das vítimas e se reinstalou no
poder.
Neste ambiente, o ministro da Defesa, Braga
Netto, sentiu-se à vontade para declarar que não houve ditadura militar. Na
Argentina, o general já teria sido varrido da vida pública. No Brasil, deve ser
premiado com uma vaga na chapa do presidente à reeleição.
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