Valor Econômico
Guerra da Ucrânia deve impactar cenário
eleitoral
A pesquisa Datafolha permite dizer que o
presidente Jair Bolsonaro consolidou a presença no segundo turno da eleição
deste ano. Mas o longo intervalo entre a pesquisa divulgada nesta quinta e a
anterior do Datafolha, em dezembro, prejudica o entendimento da curva. Na
fotografia, o presidente foi de 22% para 26% e Lula de 48% para 43%. A
diferença entre os dois, que era de 26 pontos percentuais, agora é de 17
pontos. Não se pode falar propriamente em queda ou alta, porque a lista de
candidatos é diferente. Mas a situação de Bolsonaro indiscutivelmente melhorou.
Existissem levantamentos em janeiro e
fevereiro seria possível aferir se já surte efeito a inflação persistentemente
alta, fator que deve travar a recuperação presidencial no próximo trimestre, de
acordo com os especialistas Christopher Garman, da Eurasia, e Antonio Lavareda,
do Ipespe.
Com Rússia e Ucrânia em guerra, não há como impedir no Brasil os repasses de aumentos de cotações internacionais em commodities. Há como mitigar, mas não se impedirá perda de renda. O presidente deu azar, porque tinha o terreno antes preparado para continuar crescendo até junho.
Era a hora de colher a resposta do
eleitorado às bondades em série do governo federal, traduzidas em auxílio
Brasil, liberações do FGTS, desonerações, reduções de impostos, e por aí vai.
Ele ainda se beneficiou do abrandamento da pandemia da covid-19. Há
praticamente um consenso de que sua gestão desse tema é pessimamente avaliada.
Essa colheita das benesses do governo ainda não veio, ela estaria por vir.
O que veio agora, em grande medida, foi a
volta ao bolsonarismo de uma franja do eleitorado que buscava uma alternativa
na terceira via. Sergio Moro e João Doria, dois ex-bolsonaristas, somavam 13%
em dezembro e somam 10% agora. Bolsonaro apresenta quatro pontos a mais.
O presidente veste-se de outsider, com
discurso antissistema, mas toda sua estratégia recente é 100% insider. Ele foi
para um partido grande, está estabelecendo uma coligação, armou palanques
consistentes no Brasil afora. Tem a caneta na mão, tempo para campanha na
televisão, estrutura para a reeleição, tudo que um incumbente deve ter.
O único ponto fora da curva é o fato de não
ter entregue para a costura política o posto de vice-presidente. Braga Netto na
chapa é um sinal de que Bolsonaro não faz uma aposta integral na
institucionalidade. Está preparado para um jogo “fora das quatro linhas da
Constituição”, como gosta de dizer.
Nos Estados, o vento que sopra é a favor
das reeleições. Segundo um levantamento feito pelo cientista político Antonio
Lavareda, 73% dos líderes das pesquisas estaduais existentes são governadores
que buscam um novo mandato. Segundo Lavareda, isso significa que o incumbente é
o grande critério de voto neste ano. A eleição será focada no desempenho dos
administradores. E aí está um problema para Bolsonaro, que paga certos preços
que os administradores estaduais não pagam.
A inflação da Ucrânia deve impedir que
Bolsonaro se recupere mais até junho. Um dos primeiros a antever a recuperação
de Bolsonaro no primeiro trimestre, o cientista político Christopher Garman,
com quem a coluna conversou antes da divulgação da pesquisa do Datafolha, não
reviu sua estimativa de chances de reeleição no Brasil - a seu ver baixas, da
ordem de 30% - fundamentalmente em razão disso. E a partir de junho, a eleição
entra na dinâmica da campanha, Bolsonaro perde o que Lavareda chama de
“monopólio natural da comunicação”, esgota-se o veio de ações do governo para
proporcionar uma bolha de consumo.
Desta forma, seria lógico para Bolsonaro se
desvincular do próprio governo e transferir o foco da eleição para um
julgamento de seu principal oponente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Para quem comanda um governo impopular, uma saída é ser o antissistema,
estando no comando do sistema. Observadores da cena política, como o filósofo
Marcos Nobre, apostam nisso.
O problema é que a narrativa que está se
desenhando este ano é outra. A eleição de 2018 era momento de protesto e de
ruptura. Este não parece ser o quadro agora. Um sinal nessa direção é o fato do
índice de rejeição a Bolsonaro ser menor que o de desaprovação a seu governo. É
um fator que tende a fazer com que Bolsonaro se afaste ainda mais da postura
outsider. A virada de Bolsonaro sobre Lula no primeiro turno não é provável.
Segundo turno, como gostam de dizer os políticos, é outra eleição.
Semipresidencialismo
A emenda do semipresiden- cialismo que o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) impulsiona, caso venha a ser
aprovada, entra em vigor só a partir de 2030, sem afetar, portanto, o mandato
de quem venha a ser eleito ou reeleito em outubro próximo. No plano formal, é
uma discussão desvinculada da cena eleitoral. No plano subliminar, o
significado é diferente.
A introdução desse debate agora, quando a
disputa oscila entre Bolsonaro e Lula, dá aos presidenciáveis amostra da
disposição no parlamento em abrir mão das prerrogativas que o Legislativo
detêm.
Entusiasta da proposta, o coordenador do
grupo de trabalho criado na Câmara para o tema, deputado Samuel Moreira
(PSDB-SP), diz que o que se busca é achar uma saída institucional melhor para
um fato ineludível: o presidente não voltará ao poder que teve um dia. “Vivemos
um orçamento parlamentarista com regime presidencialista e o que o próximo
presidente vai fazer? Vai acabar com as emendas impositivas? Acabar com as
emendas de relator? Com as emendas de bancada? Não vai”, sentenciou o tucano.
Em outras palavras, seja quem for o próximo
presidente, não terá o comando do Orçamento, como Bolsonaro atualmente não tem.
E mudanças, se vierem a ocorrer no Congresso, serão para fortalecer o
Legislativo, não o oposto.
Em relação ao mérito da proposta, o
argumento de Moreira, como de outros parlamentaristas, é que o sistema garante
mais estabilidade, por pressupor um gabinete com maioria parlamentar, sem
barganha a cada votação ou risco permanente de impeachment.
Nenhum comentário:
Postar um comentário