sexta-feira, 25 de março de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Pesquisas não significam eleição definida

O Globo

A corrida eleitoral nem começou, mas, pelas análises das últimas pesquisas, parece que já está definida. Para a maioria, a única dúvida é se o presidente Jair Bolsonaro perderá para Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro ou no segundo turno. Uma minoria ainda acredita que Bolsonaro tem chance. Mas todos só enxergam essas duas possibilidades. É como se a polarização que viceja nas redes sociais tivesse posto antolhos no debate e deixado o país numa trilha inexorável, fechando os caminhos para a reflexão serena.

É um truísmo, mas não custa repetir: ninguém ganha eleição na véspera. A História não cansa de dar exemplos — em escala municipal, estadual ou federal — de candidatos no início desconhecidos que, no final, saem vitoriosos como resultado da argúcia política ou da capacidade de sintonizar o espírito do eleitorado. De Luiza Erundina a Alexandre Kalil, de Romeu Zema a Wilson Witzel, de Fernando Collor ao próprio Bolsonaro, todos eram dados como azarões — e todos venceram.

O Datafolha divulgado ontem revela uma oscilação nas intenções de voto, tanto em Bolsonaro quanto em Lula, com este ainda na frente daquele. Mas é ilusão acreditar que as preferências estejam consolidadas. Claro que a disputa entre os dois é o cenário mais provável. Mas não o único possível. Embora os números reforcem a percepção de que o jogo esteja definido, ainda estão contaminados pelo passado, e obviamente estão na frente os candidatos mais conhecidos do eleitor.

É verdade que o ambiente digital já antecipa o embate e que as articulações para os palanques regionais estão em curso, mas a população só se envolve para valer quando estreia a propaganda na televisão. Tudo ainda pode mudar — e nada é mais fatal na política do que a arrogância daqueles que julgam conhecer o futuro.

Para obter sucesso, é certo, qualquer candidatura alternativa precisaria superar obstáculos nada triviais. O primeiro — e mais óbvio — é o nome. Não existe na urna uma opção identificada como “terceira via”. Pelo menos quatro pré-candidatos almejam ocupar tal posto: o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), o ex-juiz Sergio Moro (Podemos), o governador João Doria (PSDB) e a senadora Simone Tebet (MDB). Há conversas entre os três últimos para que apenas um concorra, de modo a evitar a fragmentação do eleitorado. É um passo essencial, mas insuficiente.

O segundo obstáculo é mais desafiador: adotar uma estratégia consistente para chegar ao segundo turno. Bolsonaro venceu em 2018 graças ao êxito da campanha digital e já dedica esforços a repetir a dose. Não será fácil, contudo, superar a rejeição acumulada em três anos, sobretudo com a gestão desastrosa da pandemia. Lula, em contrapartida, tenta reunir um amplo arco de alianças para se apresentar como candidato anti-Bolsonaro. Atraiu até um rival histórico do PT, o ex-tucano Geraldo Alckmin. O espaço para candidaturas alternativas aos dois, embora estreito, também fica mais claro. Para chegar ao segundo turno, tal candidatura teria de convencer o eleitor de Bolsonaro de que tem mais chance de derrotar Lula. É uma missão dura, mas não intratável.

O final da semana que vem, quando se esgota o prazo para quem pretende concorrer deixar cargos no Executivo, é o primeiro marco no calendário eleitoral. As possibilidades se afunilam, mas é fundamental lembrar que o vencedor só é definido no dia da votação.

Operação que mira poder financeiro de quadrilhas é exemplo a seguir

O Globo

Existem formas mais inteligentes e menos truculentas de enfrentar o crime. Isso ficou evidente na bem-sucedida Operação Mercador de Ilusões, deflagrada na quarta-feira pela Polícia Civil, pelo Ministério Público do Rio e pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça, com colaboração de outros órgãos em diferentes estados. Após três anos de investigações, descobriu-se que uma quadrilha havia lavado R$ 3 bilhões do tráfico usando “laranjas” e empresas de fachada. Atuando em nove estados e no Distrito Federal, o bando tinha como maior cliente o chefe do tráfico do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio.

O fio da meada começou a ser puxado em 2019, quando a polícia suspeitou de dois depósitos feitos numa agência bancária de São Gonçalo, de R$ 30 mil e R$ 23 mil, destinados a empresas em outros estados. Com ajuda de relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a polícia desvendou um esquema criminoso que envolve empresários suspeitos de lavar dinheiro para o tráfico. A Justiça decretou a prisão de oito acusados, entre empresários e “laranjas”, expediu mais de 40 mandados de busca e apreensão e ordenou o bloqueio de R$ 681 milhões dos envolvidos.

Entre os bens apreendidos, estão imóveis em Brasília, carros de luxo, joias e dinheiro. Segundo a polícia, um casal de empresários que mora na Argentina ocupa posto-chave na organização. São donos da Buenos Aires Assessoria Empresarial e Viagens Ltda., destino de um dos depósitos que deram origem às investigações. Embora tenha capital social de R$ 50 mil, a empresa movimentou milhões nos últimos anos.

O combate ao crime precisa ser tratado como questão nacional, ou mesmo transnacional, já que as quadrilhas atuam não só nos estados brasileiros, mas também em países da América do Sul, como já ficou comprovado em episódios recentes de violência. Apesar disso, o país ainda carece de um plano nacional de Segurança Pública. Imaginar que as polícias estaduais darão conta de multinacionais do crime é um equívoco, que só contribui para fortalecer as organizações criminosas.

Combater traficantes e milicianos que controlam extensões consideráveis do Estado brasileiro é fundamental, porque esses bandidos impõem o terror aos moradores, muitas vezes obrigados a pagar taxas absurdas sobre serviços essenciais. A guerra contra essas quadrilhas, traduzida em ações letais que expõem inocentes, costuma produzir poucos resultados práticos. Não reduz o poder das organizações criminosas, como mostram os persistentes indicadores de violência. O combate exige inteligência, integração entre polícias e Ministério Público, cooperação entre estados e outros países, ajuda de diferentes órgãos da administração. Não é trabalho fácil. Mas a operação que mirou o poder financeiro das quadrilhas mostra que é possível avançar por outro caminho.

Distância menor

Folha de S. Paulo

Datafolha mostra Bolsonaro mais perto de Lula, apesar de economia e desgoverno

A distância entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) diminuiu. É o resultado mais notável da pesquisa Datafolha sobre as intenções de voto para presidente. O mandatário também se aproximou de adversários que ainda o derrotam em um segundo turno.

O discreto avanço de Bolsonaro aparece na pesquisa de declaração de voto espontânea. Em dezembro de 2021, Lula tinha 32%, ante 30% agora; Bolsonaro, marcava 18% e subiu a 23%. A diferença entre os dois adversários caiu de 14 pontos para 7 —idêntica à que se registrava nos levantamentos de julho e de setembro do ano passado.

Na pesquisa estimulada, em que são apresentadas listas de candidatos ao entrevistado, Lula bate Bolsonaro por margem ainda considerável, 43% a 26%. Não é possível comparar as preferências de março com a da pesquisa anterior, pois o quadro de postulantes mudou.

Na pesquisa espontânea, o presidente avançou de modo similar nas categorias em que o Datafolha divide o eleitorado —renda, instrução, região, idade e sexo.

Ainda assim, na pesquisa estimulada tem mais adeptos entre homens (31%) do que mulheres (21%), menos entre eleitores com ensino fundamental ou renda inferior a dois salários mínimos (19%) ou do Nordeste (20%). Empata com Lula entre aqueles de renda de 2 a 5 salários mínimos e vence o petista no eleitorado de renda mais alta.

No segundo turno, o petista derrota o mandatário por 55% a 34%, ante o placar de 59% a 30% de dezembro. Bolsonaro ganhou 4 ou 5 pontos percentuais contra todos os seus adversários hipotéticos numa rodada final da disputa eleitoral. Todavia continua a ser rejeitado por maioria absoluta, de 55%.

É difícil explicar variações nas preferências do eleitorado, ainda mais aquelas pequenas em termos estatísticos. O presidente ganhou pontos remando contra a maré da precária situação socioeconômica.

A taxa de inflação anual continua na casa dos 10% anuais, e está viva a revolta com a alta dos combustíveis. A renda cai, pois os empregos criados pagam pouco e a carestia reduz o poder de compra.

Bolsonaro dedica-se de modo mais intenso à campanha eleitoral e política, atividade que domina seus dias desde a posse. Conta com o trunfo do novo Auxílio Brasil.

É possível ainda que tenha avançado nas intenções de voto porque no momento aparece com menos frequência no noticiário negativo, pois baixou o tom de suas declarações contra a democracia e a razão —como no caso de sua campanha infame contra as vacinas.

Seja qual for a explicação, o fato é que o candidato Bolsonaro sobrevive ao seu desgoverno.

Saúde oculta

Folha de S. Paulo

Mesmo reformulada, proposta de 'open health' de Queiroga permanece obscura

A saúde pública brasileira fracassou, até aqui, em implantar o prontuário médico eletrônico em âmbito nacional. As iniciativas para criá-lo remontam aos anos 1990, mas nunca se materializaram apesar de somas consideráveis de verbas terem sido desembolsadas.

São muitas as vantagens de reunir numa plataforma digital todas as informações relevantes sobre o paciente, incluindo exames laboratoriais e de imagem. Fazê-lo aumentaria a precisão dos diagnósticos, agilizaria as decisões médicas e reduziria os gastos com a solicitação de exames já realizados.

Com alguma flexibilização nas regras sobre pesquisas, haveria também um enorme manancial de estudos epidemiológicos.

Como sucessivas administrações federais pouco ou nada fizeram, diversas redes, públicas e privadas, desenvolveram suas próprias versões de prontuário eletrônico. Paradoxalmente, esses avanços locais tornam mais complexa uma integração nacional futura, devido a escolhas diferentes acerca de sistemas e da padronização dos dados.

Se a inação governamental é deplorável, pior é misturar a ideia com interesses privados. Foi o que fez o ministro Marcelo Queiroga, ao lançar seu projeto de "open health" —um desconjuntado simulacro do open banking, o movimento de desconcentração bancária deflagrado por avanços tecnológicos.

Na primeira versão da proposta, seguradoras e operadoras de saúde teriam acesso aos dados de seus clientes e poderiam utilizá-los para calibrar as mensalidades a ser cobradas. Trata-se de um absurdo.

Uma das primeiras providências na regulação dos prontuários é justamente assegurar que administradores de planos não tenham acesso às informações, sigilosas.

Apenas profissionais de saúde podem consultá-las e quando há justa motivação para tanto. Operadoras devem buscar o lucro com base no bom cálculo atuarial e na eficiência dos serviços, não na exclusão dos clientes mais doentes.

Na atual versão da proposta, esse desatino é abandonado. Sobra, porém, um mal explicado sistema de informações financeiras de clientes de planos que podem ser compartilhadas —uma espécie de SPC exclusivo para a saúde. Difícil entender a utilidade de tal mecanismo.

Medidas para promover a concorrência são bem-vindas, desde que legais e éticas, e cabem primordialmente à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A missão principal do ministério é zelar pelo SUS, o que não parece interessar tanto a Queiroga.

Isso também é corrupção

O Estado de S. Paulo.

Bolsonaro repete que não há corrupção em seu governo, mas o escândalo do MEC é mais um caso, entre outros, de mau uso e de desvio de dinheiro público

Como uma espécie de contraponto às muitas e evidentes confusões, omissões e ineficiências de sua administração, Jair Bolsonaro gosta de dizer que, pelo menos, não há corrupção em seu governo. Nesta semana, voltou ao tema duas vezes, assegurando que zela pelo dinheiro público e gabando-se de que o País está “há três anos e três meses sem corrupção no governo federal”.

Parece claro que o presidente estava se referindo a escândalos como a roubalheira do petrolão e do mensalão, que marcaram os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff e que tanto ultrajaram os brasileiros. Mas a corrupção na administração pública não se caracteriza somente pelo assalto a estatais ou pela apropriação privada de dinheiro do contribuinte. Quando o governo permite que oportunistas interfiram na distribuição de verbas públicas para o atendimento de interesses particulares, sem qualquer transparência ou controle dos cidadãos, trata-se de degradação da administração pública – em português claro, é corrupção.

O escândalo do gabinete paralelo no Ministério da Educação (MEC), com evidências de tráfico de influência e direcionamento de verbas por parte de pastores evangélicos que não têm nenhum cargo no governo, é apenas o exemplo mais recente desse desvirtuamento da gestão do dinheiro público.

O governo Bolsonaro escarnece da inteligência alheia quando se apresenta como exemplo de lisura com o dinheiro público. Para começar, Jair Bolsonaro assumiu a Presidência carregando consigo graves suspeitas de rachadinha envolvendo sua família e até hoje não explicou as movimentações financeiras suspeitas, os cheques de assessores nas contas de familiares ou as compras de imóveis com dinheiro vivo. Para piorar, desde então, acumulam-se evidências de que Jair Bolsonaro pode ter usado o cargo para dificultar as investigações. Em vez de maior transparência, ao longo do governo só aumentou a opacidade sobre o tema.

No ano passado, a CPI da Pandemia revelou indícios graves de corrupção, no âmbito do Ministério da Saúde, envolvendo compra de vacinas, com negociações obscuras em um shopping center, acusações de pedido de propina e inexplicáveis sobrepreços. O governo federal simplesmente negou as suspeitas, sem apresentar nenhuma explicação à população. Essa informalidade, sem procedimentos de transparência e controle, é um dos ambientes mais férteis para a corrupção.

O caso do gabinete paralelo no Ministério da Educação repete esse padrão de informalidade, com graves suspeitas de corrupção e mau uso de dinheiro público. Tem até denúncia de pedido de propina em ouro. Mudam-se os Ministérios e os nomes dos envolvidos, mas as práticas continuam as mesmas: as suspeitas de corrupção não são levadas a sério, e o ministro segue no cargo como se tudo fosse absolutamente normal. Segundo revelou o Estadão, após receber denúncia de cobrança de propina envolvendo pastores, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, teve pelo menos sete reuniões com essas lideranças religiosas. Haja crença na doutrina da infalibilidade, agora aplicada a pastores.

Nada disso deveria surpreender num governo marcado pelo escândalo do orçamento secreto, em que, sem transparência, sem controle e sem critérios técnicos, recursos do Orçamento da União foram distribuídos a parlamentares dispostos a apoiar o governo em troca de verbas para seus redutos eleitorais.

Todos esses casos são muito graves, e sabe-se lá o que mais virá à tona. Como não foram os sistemas ordinários de controle do governo que os detectaram, é provável que o País continue dependendo da imprensa para descobrir aquilo que a corte bolsonarista gostaria de manter em sigilo.

A constatação de que não se sabe o que está sendo feito do dinheiro público deveria causar tanta indignação quanto descobrir, por exemplo, que empreiteiras amigas, beneficiárias do assalto à Petrobras durante os governos lulopetistas, reformaram um sítio frequentado pelo ex-presidente Lula. Há muitos outros modos de mal gastar e de desviar recursos públicos de suas finalidades originais, como mostram esses três anos e três meses de governo Bolsonaro.

Regalia descabida e inoportuna

O Estado de S. Paulo.

A volta do quinquênio é uma excrescência que nem remotamente figura entre as prioridades do Congresso nessa quadra dramática para o País

Com apoio explícito do governo do presidente Jair Bolsonaro, um grupo de parlamentares atua para fazer avançar no Congresso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 63/2013, que ressuscita a excrescência do quinquênio, espécie de bônus, equivalente a 5% do salário, que era pago a certas categorias do serviço público a cada cinco anos. Em boa hora, a regalia foi extinta para os servidores do Poder Executivo em 1999 e para os servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público em 2005.

Os congressistas não deveriam nem sequer aceitar discutir esse tipo de privilégio mesmo que o País estivesse vivendo na abundância. Como os brasileiros comuns, pagadores de impostos, estão lutando contra a inflação, o desemprego e, em alguns casos, a fome, é um acinte que tal proposta tramite, e com apoio do governo. As atenções dos parlamentares, como de resto de todo o Poder Público, deveriam estar voltadas a projetos que tornem menos aflitiva a vida de todos os brasileiros, não só a de uma casta de funcionários públicos.

O que se vê, no entanto, é uma ação diametralmente oposta no Congresso. Senadores apresentaram ao menos quatro emendas ao texto da PEC 63 com o objetivo de estender o pagamento do quinquênio a todas as categorias do serviço público, e não apenas a juízes e promotores, como previsto no texto original. “Se aprovada a PEC 63, é importante reconhecer que os problemas que a proposta visa a corrigir não são exclusivos da magistratura e do Ministério Público, mas atingem todo o funcionalismo”, afirmou o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE). Já a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) defendeu a extensão do quinquênio aos defensores públicos porque, em suas palavras, “não há como pensar a tríade sistêmica da Justiça sem a presença da Defensoria Pública assim como não se pode admitir o alijamento de tão cara instituição da PEC 63 por inegável violação à simetria constitucionalmente estabelecida aos membros de tais carreiras”.

Ao longo dos últimos anos, associações de juízes e promotores exerceram forte lobby sobre parlamentares para que o quinquênio voltasse a ser pago, malgrado já figurarem no topo da elite do funcionalismo por seus altos salários e penduricalhos de toda sorte, que não raro fazem seus vencimentos extrapolarem o teto constitucional correspondente ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje fixado em R$ 39,3 mil mensais. De forma marota, o quinquênio é chamado de “parcela indenizatória de valorização por tempo de serviço” justamente porque a palavra “indenizatória” se presta a caracterizar um pagamento que não estaria sujeito ao abate-teto, embora, na prática, represente um aumento de salário.

Do ponto de vista do governo, há interesse no avanço da PEC 63 como uma forma de conceder benesses a segmentos do serviço público sem violar a lei eleitoral no ano em que Bolsonaro tentará a reeleição. A reportagem do Estadão apurou ainda que o governo espera que, caso seja aprovada, a volta do quinquênio reduza a pressão sobre Bolsonaro por reajustes pontuais nos salários do funcionalismo. Quando anunciou a concessão de aumento para agentes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e do Departamento Penitenciário Nacional, em fevereiro, o presidente provocou uma reação tão forte de outras categorias que chegou a pedir a “compreensão” dos servidores e dizer que iria “salvá-los mais à frente”.

Já para os que se beneficiariam com a volta do quinquênio, nunca houve momento mais propício para retomar uma PEC que dormitava no Congresso havia mais de oito anos. Não é todo dia que se juntam um presidente fraco e um Legislativo forte, tradicionalmente sensível às demandas dos servidores públicos.

Discutir a volta do quinquênio avilta o bom senso, o espírito público e a própria ideia de República. A PEC 63 nem remotamente se aproxima das necessidades mais prementes dos brasileiros. Ao contrário, tem o efeito de desviar esforços e, sobretudo, recursos financeiros necessários ao enfrentamento de problemas muito mais sérios do que a remuneração do funcionalismo.

Não há fim à vista para a tragédia ucraniana

Valor Econômico

Moderar Putin e por fim à tragédia ucraniana seriam proezas de um estadista

A Ucrânia está sendo reduzida a cinzas e, um mês após o início da invasão russa, nada indica que essa tragédia esteja próxima do fim. O poderio militar da Rússia é muito superior ao da Ucrânia e seus efetivos militares enviados equivalem, grosso modo, ao de todo o exército ucraniano. No entanto, a resistência galvanizada pelo presidente Volodymyr Zelenski e os erros militares da Rússia impedem uma resolução rápida do confronto, como esperava Putin. O tempo joga contra a Ucrânia e ainda que prejudique os planos de Putin, não passa por sua cabeça nada menos que uma vitória, em seus termos.

Apesar dos apelos diários de Zelensky, a Otan, única força que poderia deter Putin, não agirá em território ucraniano diante das ameaças do Kremlin de uma guerra nuclear. Ainda que recebendo armas, a Ucrânia não tem força aérea operacional, como mostra a inacreditável caravana de tanques russos em direção a Kiev, desde o início da invasão. Mas a resistência dos militares e civis armados tem produzido milagres de resistência diante de uma descomunal desproporção de forças.

Mariupol, cidade portuária no sudeste ucraniano, virou uma paisagem de escombros, sob fogo concentrado russo. As forças armadas da Rússia, como mostraram suas atuações na Síria, e mostram agora na Ucrânia, têm particular apreço por bombardear hospitais, maternidades, escolas e prédios civis, uma estratégia destinada a vencer pelo terror e sugestão de que não haverá compaixão pelos vencidos, se não entregarem as armas. É impossível saber o número de mortos até agora no conflito, de um lado e de outro. A contabilidade de pouco mais de 400 vítimas civis é tão pouco crível quanto a de 15 mil soldados russos. Não se sabe a verdade.

As negociações diplomáticas vivem um impasse. Putin quer mais avanços no terreno para impor suas demandas. As apresentadas por ele são pesadas para o governo ucraniano. Zelensky se conforma com a neutralidade ucraniana (não adesão à Otan), a carta mais barata, ainda que signifique a usurpação de sua independência manu militari. A Rússia, porém, tem a intenção de anexar a região do Donbas, a sudeste, possivelmente estendendo o território rebelde até a Crimeia, anexada em 2014.

Mesmo que mais lentamente, as tropas russas progridem rumo a Kiev. Há poucas chances de se evitar um desfecho ainda mais sangrento e devastador do conflito. As sanções econômicas, com o isolamento da Rússia do sistema financeiro internacional e o sequestro de suas reservas, podem ser eficazes, mas seu tempo é diferente do tempo da guerra. Uma das premissas das sanções é tornar o preço da invasão russa tão grande que novas aventuras de Putin sejam para sempre desencorajadas. Mas não mudarão de imediato o jogo no campo de batalha, que favorece a Rússia.

O cerco financeiro e comercial mergulhará a economia russa em profunda depressão, mas na ausência de oposição com capacidade de dividir as elites russas e tornar a queda de Putin factível, o autocrata não mudará seus planos. Talvez a única pessoa com força suficiente para demovê-lo pacificamente seja Xi Jinping, o presidente da China, mas é impossível saber o que ele pensa ou fará.

A China tornou-se aliado vital para a Rússia, da qual ela dependerá para escoar mercadorias que estão sendo barradas por Europa e EUA, obter divisas e se manter à tona diante do severo bloqueio financeiro. Xi aceitou o argumento russo, da provocação da Otan, para justificar a invasão - na prática, quer enfraquecer os EUA. Mas isso lhe traz enormes problemas geopolíticos. A União Europeia rompeu laços com a Rússia, mas era considerada por Pequim potencial aliada por suas divergências com os EUA. Se a invasão da Ucrânia pôs Putin nos braços de Xi, solidificou entendimentos que iam mal entre americanos e europeus.

Alienar seu maior parceiro comercial para obter “parceria ilimitada” de uma potência decadente como a Rússia não parece ser bom negócio. A ação russa acentuou uma tendência latente de reconfiguração das cadeias de produção globais, que prejudica China, Rússia e todo o comércio internacional - um revés para a globalização como ocorreu até agora.

Xi Jinping, à frente da segunda maior economia do mundo, será testado como líder de um dos três blocos a que a invasão russa reforçou o desenho. O momento é ruim para ele, às vésperas de confirmar seu poder com um terceiro mandato, inexistente desde Deng Xiaoping. Moderar Putin e por fim à tragédia ucraniana seriam proezas de um estadista. Grandes gestos, porém, não vieram até agora, e talvez não venham.

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