Valor Econômico
Aumentar produção de potássio requer debate
sem mentiras
Usar a guerra na Ucrânia como catapulta para o projeto de lei que libera mineração em terras indígenas coloca o debate sobre a dependência do potássio importado pelo Brasil no mesmo nível de maturidade da infame tentativa de “passar a boiada” sobre o meio ambiente enquanto as atenções do país se concentravam na pandemia. A opinião pública, o Parlamento, as organizações da sociedade civil, habitantes da Amazônia merecem uma discussão mais qualificada. Se não há interesse do governo em oferecê-la, eis alguns pontos de partida.
Em números aproximados, o Brasil precisa
anualmente de 10 milhões de toneladas de cloreto de potássio. Somos o quarto
maior consumidor mundial de fertilizantes (China, Índia e EUA vêm na frente),
mas o principal importador. Cerca de 97% do consumo nacional é atendido por
compras lá fora. Canadá, Rússia, Belarus - e Israel um pouco - são os nossos
grandes fornecedores. A produção doméstica atende só 3% do mercado. Quase tudo
vem da Mosaic Fertilizantes, em Sergipe, algo residual da Verde Agritech, em
Minas. É quase nada e deixa o Brasil, que tem o compromisso de alimentar
bilhões de pessoas em todo o planeta, em situação de forte vulnerabilidade
externa.
O primeiro passo para ampliar a produção
brasileira é conhecer mais o subsolo. De acordo com estudo recente da
Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), na escala 1:100 mil, o mapeamento
geológico disponível ainda está restrito a menos de 15% do nosso território. “É
a partir dessa escala que se acentua a atratividade para o setor privado
pesquisar novas jazidas”, diz a publicação.
Márcio José Remédio, diretor do Serviço
Geológico do Brasil (antiga CPRM), afirma que há pesquisas em andamento para
mapear a existência de possíveis reservas adicionais na bacia de
Sergipe-Alagoas. Outras bacias (Recôncavo, Camumu-Almada, Tucano Sul) têm
trabalhos ainda preliminares para identificação de recursos potenciais. Pode
dar certo ou não. A aposta mesmo, segundo ele, está em depósitos minerais
descobertos na bacia do Amazonas nos anos 1970 e que nunca entraram em fase de
produção. No início da década, mais reservas na região foram encontradas. “O
que sabemos hoje que existe no Amazonas é equivalente aos maiores depósitos do
mundo”, garante.
Para Remédio, a chave é destravar o
licenciamento ambiental. “O nosso entrave é racional. Parece que o brasileiro
ignora esse potencial e gosta da dependência estrangeira”, diz.
Cenários traçados pela CPRM indicam que,
dependendo dos projetos viabilizados, a produção nacional poderá passar das 293
mil toneladas anuais para 6,2 milhões de toneladas em 2030 e até 8,7 milhoes em
2035. Seria preciso, então, importar menos de metade do consumo. Para isso, não
é necessário avançar sobre terras indígenas, mas ter mais agilidade no
licenciamento, afirma Remédio. “Precisamos de uma decisão. Mas é importante
levar em conta que hoje não se abre nenhum empreendimento no setor mineral sem
um plano detalhado de como encerrá-lo.”
O diretor de sustentabilidade e assuntos
regulatórios do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), Julio Cesar Nery
Ferreira, menciona a falta de financiamento e a tributação como gargalos. De
cada mil pesquisas, uma vira lavra. Na parte tributária, houve acordo com Estados
para equalizar a cobrança de ICMS. O potássio nacional pagava o dobro do
importado. Até 2024 haverá uma equalização de alíquotas. Quem quiser investir
terá um problema a menos pela frente.
O desafio, no entanto, é de capital.
Ferreira afirma que empresas de menor porte têm se interessado pelo processo de
rochagem. A partir da moagem de certos tipos de rochas, pode- se obter um pó
com alto teor de nutrientes, que melhora o solo. A Embrapa está aperfeiçoando o
uso dos “remineralizadores”. Eles podem ajudar a reduzir a dependência dos
fertilizantes importados, mas não são uma salvação da lavoura. Apesar dos
avanços, sua eficácia não chega perto do potássio convencional.
O futuro está associado aos projetos da
Potássio do Brasil, controlada pela canadense Forbes & Manhattan, com 149
pedidos ativos de exploração e que aguarda o desfecho dos processo ambiental em
vários deles para começar a produção.
A mina projetada em Autazes (AM) deverá
ficar a 900 metros de profundidade e receber US$ 2,2 bilhões em investimentos.
A licença prévia foi concedida em 2015, mas foi suspensa. Houve um acordo entre
a empresa e a Justiça Federal para consulta ao povo Mura, que habita a apenas
oito km da futura jazida e teme a contaminação com resíduos.
Basta lembrar o vazamento tóxico de
rejeitos da Norsk Hydro em Barcarena (PA): não há falta de razoabilidade nesse
tipo de preocupação. Órgãos ambientais até têm motivos - se for caso - para
negar licenças a projetos polêmicos. Incomoda mais a indefinição na resposta e
o festival de ações judiciais que vêm depois. Insegurança na veia.
Por outro lado, o professor Raoni Rajão e
pesquisadores da UFMG demonstraram que não há sobreposição entre reservas de
potássio e terras indígenas na Amazônia. Só 11% dos depósitos estão em áreas
não homologadas.
Resumo da ópera: discussões sobre o licenciamento são bem- vindas, convém ter regras claras e menos judicialização, desrespeito com as comunidades tradicionais não é uma opção, é preciso elevar o conhecimento geológico, não há que se usar a desculpa do potássio como empurrão para o PL 191/20. A opinião pública não merece ser manipulada pela inconsequência de governantes.
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