quarta-feira, 9 de março de 2022

Cristovam Buarque*: Lições da Ucrânia

Correio Braziliense 

A primeira lição é o custo elevado de invadir um país. Até aqui, Rússia e Estados Unidos invadiram Afeganistão e Iraque, sem que os demais países impusessem sanções. Graças à Ucrânia, esses e outros países estão descobrindo o preço de invasões. A segunda lição é a constatação universal de que os mesmos países que rejeitam refugiados da Síria e da África são generosos e solidários com os ucranianos. Esta lição deve servir para o mundo cobrar da Europa os braços abertos aos refugiados obrigados a fugirem das guerras e da pobreza. 

Outra lição: a guerra da Ucrânia permite perceber o erro cometido, 30 anos atrás, quando as nações ocidentais não aproveitaram a falência da União Soviética, para apoiar a Rússia, exigindo seu desarmamento nuclear. Tudo indica que seria difícil provocar o desarmamento unilateral absoluto da Rússia, mas não teria sido difícil aproveitar aquele momento para obter-se o desarmamento nuclear pleno de todas as nações. 

Mas, no lugar de estender a mão e ajudar na recuperação econômica da Rússia, em troca de incorporá-la em paz no capitalismo ocidental, o Ocidente preferiu fortalecer a OTAN, cercar a Rússia com armas. Tratou-a como se ainda fosse a União Soviética e a guerra fria continuasse; como inimiga sem justificativa, porque Ocidente e Oriente são capitalistas, não disputam ideias nem colônias. O Ocidente poderia ter evitado essa guerra  na Ucrânia, se tivesse agido com mais visão para o futuro e menos prisão ao passado. Em 1945, o EUA teve esta sabedoria, quando deu apoio para reconstruir a Alemanha. Em 1922, poderia ter feito uma versão do Plano Marshall para a Rússia e incorporado este país no mundo ocidental, desarmado. A arrogância dos EUA e a da Europa Ocidental preferiram aproveitar a fraqueza russa e levar a OTAN até as fronteiras para cercar a ex-URSS. A Rússia encontrou um autocrata que manipulou regras democráticas para chegar ao poder e ficar por tempo indeterminado. 

Além de recuperar a economia, Putin usou a ameaça externa para se fortalecer internamente, ao ponto de invadir um país vizinho, com o argumento de que se protegia contra as forças inimigas do Ocidente.  A consequência é que o mundo está sujeito à chantagem nuclear que Putin usa para limitar a intervenção ocidental na guerra. 

A invasão da Ucrânia ensina o risco do desastre político decorrente da falta de alternância no poder. Em poucas semanas, Putin deixou de ser reconstrutor da Rússia e passou à história como um dirigente irresponsável, despreparado, algoz de um país menor. Além de invadir uma nação soberana,  desfaz a economia de seu próprio país, devido aos efeitos das sanções que ele não percebeu que viriam e ao isolamento consequente em um tempo de economia global. Errou porque a longevidade no poder cria sentimento de onipotência, diminui o senso crítico pessoal, produz assessores submissos, assustados e temerosos que, por medo de desagradar ao autocrata, negam as informações corretas. 

Os autocratas terminam sendo vítimas do próprio medo que inspiram. Seus serviços de informação não lhes passam os riscos adiante, não os alertam de seus erros de avaliação e conduzem a decisões erradas. A invasão da Ucrânia nos passa a lição de que os autocratas que se agarram ao poder cometem erros fatais por causa da força e da longevidade no poder. Fala-se que Stalin poderia ter sobrevivido ao derrame cerebral, se os seus acólitos não tivessem medo de bater na porta de seu quarto, quando ele não apareceu na hora prevista. As surpresas de Putin são resultado do temor de seus assessores e informantes para alertarem de que o presidente ucraniano não era apenas um ator, era um líder capaz de mobilizar seu povo a lutar na defesa de seu país, nem informaram que a Europa e os Estados Unidos se uniriam e que sanções draconianas seriam impostas. 

A Europa aprendeu também a necessidade de diversificar sua matriz energética para fontes renováveis e origens diversas. 

A Ucrânia mostra ainda, para todos nós, o risco de tomar decisões com base no antagonismo e no preconceito. É o “antiamericanismo” que está levando parte da esquerda brasileira a não analisar a realidade do momento e ficar do lado de Putin, apesar de seu crime. 

A história nos ensina estas lições, não se sabe ainda se elas serão consideradas, nem a que custo. 

*Professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o futuro da educação 

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