O Estado de S. Paulo.
Como só nós, humanos, temos guerra, então ela deve morar em algum lugar da nossa (in)consciência
O amor é amplo e claro como a luz do dia. A
guerra é o oposto. Ela é nublada e sofre com sua própria nebulosidade, que cega
o agressor e o agredido. No entanto, somente nós, humanos, temos guerras de
modo que ela deve morar em algum lugar do nosso coração, da nossa alma e da
nossa (in)consciência.
Encontramos o par Amor & Guerra logo
que tomamos consciência do mundo e, com ela, da vida. A vida tem perfumes e
podridão. Tem bondade e maldade. A vida, com seu curso sempre surpreendente, é,
por isso mesmo, “vida”: novidade, mudança, repressão, surpresa – aquilo que
acontece fora de nós ou que, ao contrário, fazemos de “caso pensado” – de modo
cuidadosamente planificado, como nas seduções. Aliás, como disse o dramaturgo
inglês do século 16 John Lyly: “All is fair in love and war” (tudo é válido no
amor e na guerra).
Não é, pois, por acaso que, no Brasil, damos “cantadas” e mandamos flores para as pessoas que desejamos. Cantar é harmonizar escrita e melodia, o que não é fácil de executar e muito mais difícil de inventar.
Mas a busca da harmonia, da concórdia, da
simpatia e da empatia, quando somos levados a nos colocar no lugar do outro, é
o chão do “cantar”, que atrai como ocorre com alguns pássaros no cio; ou quando
fazemos um elogio enganador para atrair alguém, mas nele se acha um desejo
inconfessável...
Saber os resultados de desejos, planos ou
interesses é como contar grãos de areia.
Pode levar à comunhão compassiva e
prazerosa ou ao seu oposto: o conflito, o aproveitamento do outro e a
eliminação física que tipifica a guerra moderna e a sua forma domesticada, o
esporte...
No amor, queremos e nos perdemos no outro e
pelo outro. Na guerra, nosso plano é destruí-lo e desmoralizá-lo. Tomá-lo como
um escravo ou vassalo.
Mas, tal como o amor, na guerra, onde tudo
é ruim, vale mais a conquista do que a destruição que nossa generosa modernidade
instituiu.
Mas de que adianta vencer arrasando o
adversário? Se sou uma potência e desejo anexar um país, um continente ou todo
o mundo, o que fazer quando eu ganho a guerra aniquilando um país, numa vitória
que implica uma reconstrução irônica do inimigo, que, com a vitória, passa ser
coisa minha?
Quando não se guerreia de arco e flecha,
mas se atinge barbaramente toda a sociedade, a reconstrução é inevitável. Desse
modo, ficamos diante do paradoxo dos aspectos inesperados das ações sociais
primorosamente planejadas...
*É antropólogo social e escritor, autor de
‘Fila e Democracia’
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