Folha de S. Paulo
Para alguns economistas, Brasil pode
faturar uns trocados com alta de commodities
A guerra na Ucrânia tende
a beneficiar o crescimento da economia brasileira no curtíssimo prazo —digamos, até
o final do ano. O argumento zanza faz uns dez dias por relatórios
de conjuntura escritos por economistas de bancos.
Nem é argumento novo: preços de commodities
em alta costumam estar associados a um crescimento maior no Brasil. O país
exporta petróleo, grãos, minério e carnes.
Qual o tamanho da melhoria? Alguns décimos de porcentagem. O bastante para o país não fechar o ano no vermelho, com encolhimento do PIB.
A inflação
será maior, afora milagres. O povo continuará esfolado e dificilmente
haverá aumento do salário médio real (uma abstração, está certo, mas uma medida
sintética da dureza geral). A conta da crise vai pesar no ano que vem, com taxas
de juros mais altas (por causa da inflação mais alta). Enfim, o efeito
político para quem está no poder tende a ser de nenhum a negativo (por um
tempo, o PIB pode crescer e o povo continuar esfolado).
As projeções
de crescimento da economia em 2022 têm sido revistas —costumam estar
muito erradas a esta altura do ano, mas é o que temos. Outros fatores também
provocaram revisões.
O PIB do final do ano passado foi melhor do
que o previsto. Os governos estão gastando. O governo federal diminui
impostos e vai liberar
um bom dinheiro do FGTS, por exemplo. Há aumentos de salários de servidores
nos estados e municípios, que de resto também devem aumentar a despesa de
investimento, pois é ano de eleição e os caixas estão cheios.
Para ajudar, o preço
do dólar vem caindo desde janeiro, por motivos variados (preço de
commodities, juros altos, ativos financeiros com valor de xepa, não teremos
recessão no sentido estrito etc.).
O conflito não afeta o Brasil diretamente,
se diz, pois as relações econômicas diretas com os países afundados na lama da
guerra são pequenas (a não ser que o fornecimento de fertilizantes vá à breca).
A guerra tem seu peso negativo também porque o crescimento
econômico mundial será menor, em particular na Europa.
Ainda assim, o argumento do
"benefício" da guerra tem alguns problemas. De que efeitos da guerra
estamos tratando? Estão todos mapeados? Sabe-se o tamanho da desaceleração
europeia?
Ainda não há perspectiva de fim do
conflito. Ainda que venha um cessar-fogo ou armistício, as mudanças econômicas
causadas pela crise geopolítica vão continuar fervendo baixo (regionalização de
comércio, protecionismos, problemas em cadeia de abastecimento internacional,
insegurança, incerteza).
A guerra ainda pode ter efeitos daninhos
explosivos no comércio mundial de energia, comida e metais. A partir de qual
tamanho de choque inflacionário o aumento de preços de commodities não nos
quebra as pernas?
Difícil saber, até porque ninguém são irá
chutar o destino da guerra e de possíveis sanções e interrupções de comércio
por vir. Há pouco acordo até sobre o que vai ser da taxa de juros no Brasil
daqui a dois ou três meses, um assunto aqui do nosso vilarejo. Para alguns
bancões, a Selic não passa de 12,75%. Para outros, vai
a 13,75%. Não temos ideia, como de costume, do que vai ser da taxa de
câmbio. De fevereiro de 2020 a dezembro de 2021, o dólar ficou 30% mais caro,
um choque brutal. Desde dezembro, caiu quase 11% (comparações com base nas
médias dos meses).
Em suma, a melhoria pode ser ninharia e os riscos são enormes. Muitíssimo mais importante é saber se haverá acordo nacional para lidar com o desastre a partir de 2023. Por ora, vemos candidatos apenas se esmerando no disparate.
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