Valor Econômico
Discussão sobre governança deve deixar de
ser tabu
Tem começo, meio e fim o plano que visa a
implementação do semipresidencialis- mo no Brasil.
Esse debate, é verdade, deveria ter ganhado
tração bem antes de iniciado o processo eleitoral. E a trilha iniciada pela
Câmara dos Deputados não precisa necessariamente ser seguida à risca. Seria
positivo, contudo, que as várias forças políticas reconhecessem que o atual
sistema dá claros sinais de esgotamento. A discussão de melhorias na governança
não pode ser tabu em um país que pretende evoluir e tornar-se um habitat mais
estável para as próximas gerações.
Embora tenha ganhado impulso na Câmara, a
proposta de emenda constitucional ainda precisa de mais apoio no Senado. E
outros obstáculos já começam a aparecer devido ao acirramento da campanha
eleitoral, ainda que seus idealizadores até agora não pareçam dispostos a ver o
novo regime em funcionamento antes de 2030. É um prazo razoável.
Neste momento, o principal desafio de seus defensores é rebater as acusações de que a proposta é casuística e voltada a reduzir os poderes dos próximos presidentes. Para esses críticos, depois do aumento dos volumes das emendas de relator ao Orçamento, a PEC seria agora mais um avanço do Congresso sobre o que deveriam ser prerrogativas exclusivas do chefe do Poder Executivo.
Não surpreende, portanto, que os dois
pré-candidatos a presidente que estão à frente das pesquisas tenham atacado a
ideia em gestação.
Ao seu estilo, o presidente Jair Bolsonaro
(PL) chamou a ideia de “idiota”. Era fim de novembro de 2021. Ele falava a
apoiadores e avançou o sinal, com um sorriso sarcástico. “Não vou começar a
bater boca com ninguém sobre esse assunto. É coisa idiota. Eu falo que eu jogo
dentro das quatro linhas [da Constituição]. Quem sair fora... daí eu sou
obrigado a combater o cara fora das quatro linhas”, disse. “Se você levar ao pé
da letra o semipresidencialismo ou outro regime parecido, eu teria poder para
dissolver o Congresso. Olha aí. Está vendo?”, acrescentou.
O ex-presidente Lula (PT) também reagiu.
Primeiro, chamou de golpe. Depois, citando o colegiado criado na Câmara,
pontuou que o presidencialismo contava com o respaldo do povo e, por isso, não
poderia ser substituído. “Só podem estar com medo da nossa volta.”
A PEC foi apresentada em meados do ano
passado e, a partir de agora, será debatida por um grupo de trabalho.
O colegiado promoverá uma série de
audiências públicas, além de reuniões com um conselho consultivo formado por
juristas e acadêmicos. Seus integrantes pretendem realizar eventos com
convidados estrangeiros que possam relatar a experiência com sistemas políticos
semelhantes. Há quem sonhe com a vinda ao Brasil de Angela Merkel,
ex-primeira-ministra da Alemanha por mais de 15 anos. Os eventos devem ser
realizados em São Paulo, Rio de Janeiro e grandes centros urbanos, além de
Brasília.
Isso duraria até junho, quando o relatório
do grupo de trabalho tende a ser apresentado e colocado em votação no colegiado
antes do recesso parlamentar. Com isso, acredita-se, ele poderia ser votado em
plenário no fim do ano, depois das eleições, ou deixado para que os
parlamentares da próxima legislatura possam dar encaminhamento às discussões no
início de 2023. A disposição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é
não deixar o assunto na gaveta.
“Precisamos não deixar contaminar este tema
com a eleição nem a eleição com este tema”, pontua o deputado Samuel Moreira
(PSDB-SP), autor da PEC que serve de ponto de partida para as discussões. Um
outro defensor da proposta assevera: “Quem fala contra é porque quer ter
projeto de poder de 20 anos ou 30 anos”.
Mas vê-la promulgada a curtíssimo prazo não
será fácil. O texto acaba com o posto de vice-presidente e cria o de
primeiro-ministro, o qual se tornaria a grande figura política nacional.
O presidente ainda seria eleito pela
população e ocuparia o cargo de chefe de Estado. Conservaria alguns poderes,
como o de veto e prerrogativa de indicar ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF) e o procurador-geral da República. Mas caberia ao primeiro-ministro,
escolhido preferencialmente entre os próprios congressistas, o protagonismo na
gestão da máquina pública.
Ele comandaria um conselho de ministros,
colegiado responsável por publicar medidas provisórias ou solicitar urgência na
apreciação de projetos de sua autoria. A formação desse conselho refletiria a
composição de partidos que sustentam o governo. Em caso de grave crise
política, estariam em xeque o primeiro-ministro ou até mesmo a composição da
própria Câmara, a qual no limite poderia ser dissolvida e passar por nova
eleição. Mas, de acordo com quem defende essa tese, esses momentos de
turbulência poderiam ser solucionados com maior agilidade.
Permanecem dúvidas sobre como poderia ser
replicado esse modelo nos entes subnacionais ou, ainda, se o Brasil conseguirá
construir uma fórmula própria que não gere mais atritos institucionais.
De qualquer forma, estaria no processo de
construção de uma coalizão a chave para garantir mais estabilidade e maior
responsabilização direta dos parlamentares pelos feitos - ou malfeitos - do
governo que apoiam. Tal coalizão seria formada por meio da celebração de um
contrato desenhado a partir de pontos básicos do programa de governo. E este
precisaria ser cumprido pelo primeiro-ministro. As pastas seriam distribuídas
entre essas legendas, o que poderia ser apontado como a institucionalização do
que hoje se chama de “toma lá, dá cá”.
Porém, há claro risco de judicialização. E
não há uma resposta fácil para o problema que está colocado.
O presidencialismo de coalizão
demonstrou-se falho e cabe à classe política tentar construir saídas menos
traumáticas, desde que elas tenham a democracia como premissa inegociável. O
debate só está começando.
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