EDITORIAIS
Vitória de Orbán na Hungria amplia recuo
democrático
O Globo
Não há melhor exemplo de como é possível
corroer a democracia mantendo aparências democráticas do que a Hungria. Depois
de aparelhar o Judiciário, manietar a imprensa, expulsar o pensamento acadêmico
independente, reescrever a história da colaboração de seu país com o nazismo,
fechar as portas à imigração, adotar políticas contra a comunidade LGBT+ e usar
o Estado em benefício de seu próprio partido, o primeiro-ministro Viktor Orbán
foi reeleito no último fim de semana para o quarto mandato sem que ninguém possa
contestar a legitimidade do resultado.
O recuo da democracia na Hungria é consenso
nas principais avaliações independentes. Para a Freedom House, é o único país
da União Europeia “parcialmente livre”. Para o Instituto V-Dem, é uma
“autocracia eleitoral”, classificado como segundo maior recuo democrático no
mundo entre 2010 e 2020, atrás apenas da vizinha Polônia. Orbán é o
responsável: levou ao estado da arte a capacidade de ocupar as instituições de
modo a assegurar a permanência no poder dele e de suas ideias conservadoras.
Por isso se tornou um modelo para os candidatos a autocratas de extrema direita
no mundo todo, do americano Donald Trump ao brasileiro Jair Bolsonaro (que o
chamou de “nosso pequeno grande irmão”).
Nas urnas, nem a união de toda a oposição
foi capaz de bater Orbán. Graças às inúmeras distorções que introduziu no
sistema eleitoral, conquistou, com 53% dos votos, 135 das 199 cadeiras no
Parlamento. A ausência de fraude aparente lhe rendeu um atestado de bom
comportamento da missão de observadores da Organização para a Segurança e
Cooperação na Europa (OSCE), ainda que as regras torcidas a seu favor tenham
sido criticadas. A maioria superior a dois terços lhe assegura a oportunidade
de continuar alterando a Constituição a seu bel-prazer.
O exemplo da Hungria é, ao mesmo tempo,
iluminador e aterrador. Orbán começou a “roubar” a eleição do domingo há 12
anos, quando chegou ao poder e deu início à ocupação do Estado mudando a lei do
serviço público, sob o pretexto de “limpá-lo” da esquerda. Em pouco tempo,
fiéis correligionários do Fidesz, seu partido, estavam por toda parte,
especialmente no Judiciário. A imprensa estatal passou a ser usada para
enaltecer o governo e criticar a oposição. Os veículos independentes foram
caindo um a um nas mãos de oligarcas ligados a Orbán.
Repetidas modificações nas leis eleitorais beneficiaram o Fidesz. Todo o Estado é hoje usado em benefício do partido. Um exemplo surreal aconteceu em janeiro: quem informou o endereço eletrônico na vacinação contra Covid-19 começou a receber mensagens com fake news contra a oposição. Na Hungria de Orbán, parece não haver limites para o arbítrio.
A vitória lhe dá mais força para resistir à
tentativa de punir a Hungria por violações evidentes às cláusulas democráticas
da União Europeia. E ele continuará a inspirar líderes que têm promovido a
involução das instituições e o retrocesso da democracia no planeta. Não é boa
notícia para o mundo.
É preciso tolerância zero com os trotes
violentos em universidades
O Globo
Entrar para uma universidade é motivo de
celebração, pelo esforço envolvido, pelas perspectivas de carreira e renda e
pelo exemplo que representa num país em que apenas 17,4% da população com mais
de 25 anos tem ensino superior completo. Definitivamente, contudo, nada há de
celebração na atitude dos veteranos da Universidade Federal do Paraná (UFPR),
em Palotina, oeste do estado, que impuseram aos calouros um trote violento,
criminoso e inaceitável.
De acordo com a polícia, veteranos do curso
de medicina veterinária jogaram nos calouros um produto não identificado,
armazenado em garrafas de desinfetante. Cerca de 20 estudantes sofreram
queimaduras de primeiro e segundo graus e tiveram de ser hospitalizados. Foi o
auge de uma sessão de humilhação e tortura que começou com ordens para que
pedissem dinheiro nas ruas da cidade. Depois foram levados a um terreno baldio
onde tiveram de se ajoelhar. Para culminar, o produto foi jogado sobre seus
corpos.
Consumado o trote violento, as instituições
agiram corretamente. Quatro veteranos suspeitos de ser os responsáveis pela
agressão foram presos. Acabaram liberados com tornozeleira eletrônica após
pagar fiança de R$ 10 mil. Responderão por lesão corporal e constrangimento aos
calouros. O reitor da universidade, Ricardo Marcelo da Fonseca, afirmou que a
instituição não tolera qualquer violência, informou que os feridos estão
recebendo acompanhamento psicológico e disse que avaliará a expulsão dos
agressores.
Prestar apoio às vítimas e punir os
responsáveis são medidas óbvias, mas não encerram a questão. Infelizmente,
ainda que muitas universidades repudiem essas atitudes inadmissíveis — a ponto
de a lei proibir trotes violentos em estados como São Paulo —, a prática
continua a fazer vítimas. Já houve até mortes, como a do calouro de medicina da
USP Edison Tsung Chi Hsueh, de 22 anos, afogado numa piscina durante evento com
consumo elevado de álcool promovido pelos veteranos em 1999. Estudantes, mesmo
os que não sabiam nadar, como Edison, foram coagidos a entrar n’água ou empurrados
para a piscina, que era profunda. Os que tentavam sair eram impedidos. Quatro
estudantes foram acusados de homicídio qualificado. Todos acabaram absolvidos e
se tornaram médicos. Um ano após a morte, a USP proibiu trotes e criou um
Disque-Trote.
É inacreditável que trotes violentos sobrevivam nos tempos atuais. O que humilhação, constrangimento e violência têm a ver com o acesso à universidade? Nada mais anacrônico que cenas de calouros com os corpos pintados pedindo dinheiro em sinais de trânsito. Não tem graça, só humilhação. Se os próprios estudantes não demonstram consciência, é preciso que as universidades impeçam esse absurdo, decretando tolerância zero com trotes constrangedores ou violentos. Alunos que participam de atos como o da UFPR não podem permanecer na faculdade, ainda mais num curso de medicina. Devem ser submetidos ao rigor da lei. É a melhor forma de ensiná-los.
Acefalia estatal
Folha de S. Paulo
Trapalhada na troca de comando causa novo
prejuízo à reputação da Petrobras
Com seu intervencionismo trapalhão, Jair
Bolsonaro (PL) colocou novamente a Petrobras em situação de incerteza.
Prejudica-se por nada o longo e penoso processo de recuperação da credibilidade
da maior empresa do país.
A ideia fixa de mexer no preço dos
combustíveis acompanha o governo desde o início, mas foi reforçada com a
proximidade das eleições. A alta acelerada das cotações de gasolina, diesel e
gás de cozinha que decorre do mercado internacional é um fator de risco para a
popularidade presidencial.
Daí o novo arroubo —que levou à segunda
troca no comando da gigante estatal em pouco mais de um ano. Desta vez, o
processo de escolha de um sucessor foi mais irresponsável e apressado.
Pouco mais de uma semana depois da
humilhação a que foi submetido o general da reserva Joaquim Silva e Luna, que
vinha fazendo um trabalho correto na empresa, ainda não
se sabe quem ocupará a presidência nem quem dirigirá o conselho de
administração.
Os dois nomes aventados pelo governo para
os cargos —Adriano Pires e Rodolfo Landim, respectivamente— suscitaram objeções
de órgãos de controle e dentro da própria estatal por risco de conflito de
interesse e histórico controverso de atuação do setor.
Percebendo o risco de derrota na assembleia
de acionistas, ambos desistiram da empreitada —e
até agora não há um plano de sucessão que atenda às exigências de
qualificação da Lei das Estatais.
O episódio é mais uma demonstração de que
Bolsonaro, o núcleo político do Planalto e lideranças do Congresso como
o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ainda não
aceitam o fato de que a Petrobras não pode ser usada para controlar
artificialmente os preços dos combustíveis.
O estatuto da empresa impõe critérios de
mercado, embora reconheça que a União poderá demandar certas ações entendidas
como de interesse público. Nesse caso, porém, deve haver lei específica
aprovada e discriminação clara de custos, que devem ser reembolsados pelo
Tesouro Nacional.
Qualquer curso diferente traria o risco de
judicialização por parte de acionistas privados, que detêm 64% do capital da
empresa.
Em outras palavras, se o governo quiser
controlar preços, precisará alocar recursos para isso, o que não é trivial com
um Orçamento já deficitário. Um subsídio amplo e geral, além de sem sentido,
teria custo proibitivo.
Quanto à estatal, o melhor é manter uma
gestão aderente às boas práticas mundiais, de modo a viabilizar dividendos para
o Tesouro Nacional. Enquanto isso, deve continuar a ser reforçada a competição
no setor de óleo e gás.
Mitos tributários
Folha de S. Paulo
Carga é de fato elevada, mas recorde não
significa dinheiro sobrando no governo
Paga-se muito imposto no Brasil, o que é um
fato sabido, e dados
recém-divulgados indicam que nunca se pagou tanto quanto no ano
passado. Leituras precipitadas ou oportunistas dos números, no entanto, tendem
a produzir decisões desastradas como as que já ensaia o governo Jair Bolsonaro
(PL).
Segundo cálculo do Tesouro Nacional, a
carga tributária —correspondente à arrecadação de União, estados e municípios
como proporção da renda nacional— chegou a 33,9% do Produto Interno Bruto, um
patamar sem dúvida elevado para um país emergente.
Percentuais mais altos, chegando a rondar
os 45% do PIB, praticamente só são encontrados em países europeus mais ricos e
de histórico social-democrata, como França, Suécia e Itália. A carga brasileira
supera a de potências econômicas como Estados Unidos e Japão.
Isso dito, cumpre qualificar o recorde do
ano passado —uma alta de mais de 2 pontos percentuais sobre os 31,77% de 2020.
Esse aumento não se deveu a alguma ofensiva
do governo em busca de receita, à criação de tributos nem a aumento de
alíquotas. Trata-se, principalmente, de um efeito da retomada de atividades
após o pior momento da pandemia.
Em recuperações assim, não é incomum que a
arrecadação cresça por algum tempo em ritmo superior ao do PIB. Nesse caso,
partiu-se de uma base muito deprimida: a carga de 2020 foi a mais baixa medida
desde 2010, quando começa a série estatística do Tesouro.
Com outras fontes, nota-se que o indicador
tem variado pouco desde meados da década de 2000, após forte elevação no
segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e no início do governo Luiz
Inácio Lula da Silva (PT).
É no mínimo precipitado, pois, concluir que
a arrecadação vá subir continuamente —e, pior ainda, imaginar que haja dinheiro
sobrando no governo. Conceder generosos benefícios tributários a esta altura,
como se começa a fazer com o IPI, vai elevar um déficit orçamentário já
excessivo.
Sem um controle da despesa e da dívida
pública, a margem para cortar a carga tributária é estreita. Pode-se,
sim, melhorar
sua distribuição, reduzindo o peso dos impostos sobre o consumo e ampliando
o da taxação direta da renda.
Essa reforma deve privilegiar normas estáveis e compreensíveis a todos, em vez de benesses distribuídas a setores escolhidos a dedo pelas autoridades de turno.
É para isso que serve a Lei das Estatais
O Estado de S. Paulo
Não é preciso ser arcebispo para ser presidente da Petrobras, como sugeriu Lira; basta cumprir as exigênciaslegais e passar no teste de governança da empresa
A despeito do caos que o bolsonarismo impõe
ao País desde o início de seu mandato, a resiliência do arcabouço legal e das
instituições tem sido um freio aos desmandos do presidente da República. O
anúncio da desistência de Adriano Pires, indicado ao comando da Petrobras com
as bênçãos de Bolsonaro e do Centrão, é prova disso. Depois de mais de 20 anos
à frente de uma consultoria que atua a favor de petroleiras e empresas de gás,
muitas delas com interesses diametralmente opostos aos da companhia, o
economista não seria capaz de cumprir os requisitos da Lei das Estatais e de
passar pelo teste de governança da corporação. “Ficou claro para mim que não
poderia conciliar meu trabalho de consultor com o exercício da presidência da Petrobras”,
disse, na carta enviada ao governo em que admitiu o óbvio.
Não é a primeira vez que Pires abre mão de
um cargo público pela mesma razão. Em 2018, ele havia sido indicado ao Conselho
Nacional de Política Energética (CNPE), órgão que auxilia na formulação de
diretrizes e políticas públicas para o setor. À época, o Ministério Público
junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU) já havia apontado vícios na
indicação do consultor e, na semana passada, voltou a destacá-los, haja vista
que ele continuava à frente do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) como
sócio-diretor. Resolver esse conflito era simples: bastaria que se afastasse da
consultoria. Poderia, inclusive, voltar para a empresa em algum momento, desde
que cumprisse quarentena de seis meses após deixar a Petrobras.
Há que ressaltar que Adriano Pires não
cometeu nenhum crime. Atuar como lobista na defesa de empresas do setor de óleo
e gás não é ilegal. A questão é que ele simplesmente não pode manter vínculo
direto – ou por meio de familiares – na direção da consultoria que fundou em
paralelo à presidência da Petrobras. O economista, portanto, não caiu: fez uma
escolha consciente por manter seus negócios em detrimento do comando da
estatal.
Nada disso, porém, seria obstáculo neste
governo, que passou o dia tentando reverter sua renúncia e confundir a opinião
pública. O triunfo de Bolsonaro passa por normalizar o absurdo e há que
reconhecer que ele tem sido bem-sucedido em muitos campos. Para isso, conta com
aliados de peso. Um dos fiadores de Pires, o presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), classificou o episódio como “falso moralismo”. “Quer dizer: você tem
que pegar um funcionário público para ser diretor da Petrobras? Ou pegar um
arcebispo para ser diretor da Petrobras?”, ironizou.
Ao contrário do que Lira disse, porém, não
é preciso ser um servidor público ou um clérigo para assumir uma empresa
pública. É só cumprir os critérios da Lei das Estatais, em vigor desde 2016,
assim como as regras de governança interna da Petrobras. Resumidamente, elas
passam por comprovar experiência de dez anos na área, quatro anos em cargo de
direção no governo ou em estatais e até mesmo ser docente ou pesquisador no
setor de atuação da companhia. Todos os que ocuparam a presidência da Petrobras
– o atual CEO, general Joaquim Silva e Luna, e seus antecessores Roberto
Castello Branco, Ivan Monteiro e Pedro Parente – tiveram aval para a função.
Um dos principais legados da Lei das
Estatais é proibir que parlamentares e dirigentes de partidos ou organizações
sindicais possam assumir cargos no Conselho de Administração e diretoria das
companhias, algo que era praxe em governos anteriores – e que, no caso da
Petrobras, foi crucial para engendrar o escândalo do petrolão. É justamente por
isso que essa legislação é alvo do Centrão, interessadíssimo em voltar a ter
influência na Petrobrás, como nos tempos do PT. Portanto, o caso de Adriano
Pires é só o pretexto mais recente para atacá-la. Esse marco legal ajudou a
moralizar as empresas públicas, profissionalizar sua gestão e impor a elas
níveis de governança comparáveis aos do setor privado. Fica claro, portanto,
que a Lei das Estatais, longe de ser problema, é uma solução que vai ao
encontro do interesse público.
Bandeiras do retrocesso
O Estado de S. Paulo
A título de melhorar o ambiente de negócios, empresários defendem a volta da CPMF, uma aberração, e o enfraquecimento das agências reguladoras
Retrocesso é uma palavra fraca, e até
gentil, para resumir as propostas de líderes empresariais empenhados em recriar
uma aberração, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF),
e em fortalecer o arbítrio político sobre setores hoje disciplinados por
agências reguladoras. Se tiverem sucesso, atenderão à fome pantagruélica do
Centrão e ao intervencionismo do presidente Jair Bolsonaro. Reunidas no
Instituto Unidos Brasil, cerca de 60 empresas devem apresentar ao Congresso
três propostas desenhadas, segundo fontes citadas pelo Estadão, para “melhorar o
ambiente de negócios”.
A recriação da CPMF, com outro nome e com
uma alíquota próxima de 0,1%, é apresentada como forma de compensar a
desoneração da folha de salários. Propor a compensação é um cuidado elogiável,
mas a solução é muito ruim. Além de ser cumulativa, a CPMF é um tributo muito
peculiar, estranho aos padrões seguidos, modernamente, no mundo civilizado. Não
incide especificamente sobre a produção e a comercialização de bens e serviços,
nem sobre operações financeiras, nem sobre rendimentos (salários, lucros, juros
ou aluguéis). Incide sobre a mera movimentação de dinheiro.
Quando uma pessoa compra um quilo de
batatas ou uma garrafa de cerveja, num supermercado, paga o ICMS, um tributo
estadual, pelo ato da compra. Outros impostos podem ter sido cobrados em outras
etapas, incidindo, por exemplo, sobre a produção industrial. Mas um tributo
como a CPMF incide sobre o ato de pagar.
O contribuinte, nesse caso, paga um imposto
pela compra, um elo da circulação da mercadoria, e em seguida tem de pagar um
tributo sobre o ato do pagamento, isto é, sobre a mera liquidação de um negócio
já tributado. O ICMS, é importante lembrar, já estará incluído na base de
cálculo da CPMF. Se essa pessoa, no dia seguinte, enviar um dinheirinho à mãe,
para ajudá-la a sobreviver em algum lugar longínquo, pagará o imposto sobre o
valor remetido. Não há diferença entre essa remessa e a revenda, com lucro, de
um lote de ações numa bolsa de valores.
Assim era cobrada a Contribuição Provisória
sobre Movimentação Financeira, extinta em 2007. Petistas tentaram
ressuscitá-la, assim como o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, mas nunca
houve, até agora, suficiente apoio político ou técnico a esse tipo de
iniciativa. Empresários tentarão mudar esse jogo, para compensar de forma
aberrante uma possível desoneração da folha de salários. Mas a mera desoneração
é um objetivo limitado. Pode-se alcançar muito mais com uma reforma ampla do
sistema tributário. Com uma reforma bem desenhada, o sistema pode tornar-se
mais funcional e mais equitativo, tornando o País mais eficiente, mais
competitivo e socialmente mais justo.
Empresários interessados nesses objetivos
deveriam, em primeiro lugar, conhecer e discutir propostas interessantes e
tecnicamente bem fundadas – nenhuma delas proveniente do Executivo – já em
andamento no Congresso e formuladas, pelo menos em parte, por gente
especializada.
Se esses empresários, no entanto,
estivessem realmente voltados para a modernização do Brasil, nunca tentariam
enfraquecer as agências reguladoras. Ao sustentar essa bandeira, favorecem uma
perigosa iniciativa do presidente Jair Bolsonaro, empenhado em transferir
funções das agências para conselhos ministeriais, sujeitos a interferências
políticas e a barganhas entre o Executivo e grupos parlamentares.
Além disso, esses empresários pensariam
muito mais antes de propor qualquer emenda para limitar um suposto “ativismo
judicial” em nome da preservação de medidas provisórias sobre liberdade
econômica. A construção e a preservação de um saudável ambiente de negócios
dependem de muitos fatores, como a solidez das instituições democráticas, a
segurança jurídica, o funcionamento de um mercado sujeito a normas civilizadas,
a adoção de impostos funcionais e equitativos e a contenção de impulsos
autocráticos de qualquer mandatário. Não se alcançará nenhuma dessas condições
apoiando o intervencionismo bolsonariano, tão aberrante numa democracia quanto
a CPMF num sistema tributário moderno.
Carga tributária não para de subir
O Estado de S. Paulo
Valor recolhido pelos contribuintes é proporcionalmente o maior em muitos anos
Ninguém aguenta mais essa carga tributária
“enorme e escorchante”, dizia há pouco mais de um ano o presidente Jair
Bolsonaro, referindo-se a um dos maiores pesos que a economia tem de suportar
para sustentar um setor público ineficiente e caro demais. O que diria agora,
depois que um relatório
do próprio governo mostrou que a carga tributária aumentou de 31,77% do Produto
Interno Bruto (PIB) em 2020 para 33,90% no ano passado? Com esse aumento de
2,13 pontos porcentuais, a carga tributária de 2021 é a maior dos últimos 12
anos.
Após criticar a carga tributária no início
do ano passado, Bolsonaro garantiu que o ministro da Economia, Paulo Guedes,
buscava uma reforma tributária “para buscarmos uma solução para isso”. Meses
depois, voltaria a criticar a carga tributária, “enorme”, e a insistir na
necessidade de reformas. Retomava um tema que agitava desde a campanha
eleitoral. Medidas pontuais foram anunciadas, mas elas não alteram a estrutura
tributária que produz essa carga tributária realmente excessiva.
Queda no peso dos tributos sobre a economia
foi registrada em 2020 excepcionalmente, interrompendo uma sequência de alta
que se observava desde 2014. Mas 2020 foi um ano excepcional, por causa da
pandemia. À paralisação de diversos segmentos da economia, governos de vários
países responderam com medidas de apoio às empresas. Entre as medidas, além da
ampliação da oferta de crédito, estava o adiamento do recolhimento de tributos.
A drástica redução da atividade, de sua parte, também fez cair a arrecadação.
São esses os principais fatores que
explicam a redução da carga tributária em 2020. Não houve uma decisão
deliberada do governo nesse sentido. A alta no ano passado, de sua parte, se
explica pela retomada da atividade econômica depois da queda brutal em 2020 e
pelo recolhimento de tributos adiados no exercício anterior. Também neste caso
pouco se pode dizer de ação deliberada do governo.
O relatório do Tesouro Nacional com a
estimativa da carga tributária bruta envolvendo os três níveis de governo
mostra que, no Brasil, esse peso é, historicamente, maior do que a carga média
da América Latina, que passou de 20,95% do PIB da região em 2010 para 22,95% em
2019.
Mostra também que o peso dos tributos no
Brasil é equivalente ao da média dos países associados à Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A OCDE é formada pelos países
mais desenvolvidos do mundo, nos quais à carga tributária mais alta correspondem
serviços públicos melhores. No Brasil, a má qualidade desses serviços foi
acentuada pelo descaso do governo Bolsonaro com setores essenciais como saúde e
educação, bem como seu desprezo pela preservação do meio ambiente.
A arrecadação em alta criou uma folga
financeira para o governo, que até reduziu alguns tributos, mas não se preparou
para os desafios que a situação fiscal continua a apresentar. O equilíbrio das
contas públicas não está assegurado. O avanço do Centrão sobre o Orçamento é
outra ameaça ao equilíbrio fiscal, qualquer que seja a carga tributária.
Bolsonaro desestabiliza o comando da Petrobras
Valor Econômico
A ascensão e queda de Landim e Pires denota
que as escolhas foram apressadas e levianas
Toda vez que o presidente Jair Bolsonaro
quis intervir na Petrobras ou não conseguiu o que queria ou criou uma enorme
confusão, como agora. O motivo das interferências desastradas sempre foi o
mesmo, a política de preços da companhia. O presidente derrubou Joaquim Silva e
Luna do comando da estatal e agiu em dupla frente, ao apostar no empresário
Rodolfo Landim, presidente do Flamengo, para dirigir o Conselho de
Administração, e no consultor e lobista Adriano Pires para o lugar de Silva e
Luna. Ambos têm conflitos de interesses para assumir os postos para os quais
foram indicados e desistiram antes de assumir.
O motivo principal de Bolsonaro é sua busca
pela reeleição. Uma pesquisa do Data folha divulgada em 28 de março revelou que
68% dos entrevistados atribuíam a responsabilidade pelos mega-reajustes dos
combustíveis ao presidente da República. O presidente reagiu à sua maneira: de
improviso, sem medir consequências e sem responsabilidade. A ascensão e queda
de Landim e Pires denota que as escolhas foram apressadas e levianas, sem
qualquer avaliação sobre a adequação dos nomes às funções de ponta que
exerceriam em uma das maiores empresas do país.
Escorado pelo Centrão, a bagunça criada por
Bolsonaro desta vez foi maior. Nos casos anteriores, Bolsonaro conseguiu
decapitar os presidentes da Petrobras, sem que a política de preços da estatal
mudasse. Agora ele conseguiu fazer com que o Congresso alterasse o ICMS dos
combustíveis, com apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que o
Senado aprovasse outro projeto que muda a política de preços, mas não no
sentido que o governo gostaria, e indicou duas pessoas que não se sabe o que
fariam no caso dos preços em particular.
Foi o que os indicados poderiam fazer em
outros assuntos de interesse da Petrobras que levantaram as suspeitas de que
eram inadequados para o caso. Os órgãos da estatal encarregados do assunto
provavelmente vetariam ambos. Landim foi denunciado pelo Ministério Público por
suposta gestão fraudulenta que teria causado prejuízos aos fundos de pensão dos
funcionários da Petrobras, Banco do Brasil e Caixa. Outro de seus enroscos
judiciais o liga a Carlos Suarez, ex-sócio da OAS, que tem uma teia de negócios
no setor de energia, óleo e gás. Na Operação Greenfield, o MP apontou que a
Termogás, de Suarez, tentava dissimular repasse de recursos usando contas de
terceiros, inclusive a de Landim.
Adriano Pires, como consultor, foi na
contramão de seus pares ao defender a construção de termelétricas (outro dos
negócios de Suarez) em locais distantes de centros consumidores para os quais
não há gasodutos disponíveis. No projeto de capitalização da Eletrobras, um dos
muitos jabutis que foram aprovados, estabelece a obrigatoriedade de construção
de termelétricas que garantam 8 MW de fornecimento, item incluído na MP pelo
deputado Elmar Nascimento.
Objetivamente também beneficiariam Suarez a
aprovação das recorrentes propostas de criação de uma Brasduto, rede de dutos
que levaria gás a locais ainda não servidos como, por exemplo, aqueles onde
serão construídas as novas térmicas objetos da lei de capitalização da
Eletrobras. O duplo movimento é um negócio da China: obriga a construção de
termelétricas, garante a compra de sua energia e subsidia a construção da rede
de gás para fazê-las funcionar.
No começo, a Brastubo, aprovada pelo
Congresso, seria financiada com recursos do Fundo Social, mas ela foi vetada em
setembro de 2020 pelo presidente Bolsonaro, na MP que visava resolver a questão
do risco hidrológico. A ameaça da rede rondou também o projeto da nova lei do
gás e agora deve reaparecer no projeto de modernização do setor elétrico (PL
414). Desta vez, ela seria bancada totalmente pela PPSA, que comercializa o
petróleo da União obtido no regime de partilha. Como é ano eleitoral, e o
Centrão é favorável, há boas chances de nova vitória do lobby.
A atuação do presidente, que não sabe o que quer, desestabiliza executivos que cumprem as regras da estatal e procura abrir espaços para que seu comando seja ocupado por quem ele escolher, ainda que com interesses que possam destoar dos da companhia. A governança da Petrobras impede que ela seja entregue a pessoas fora dos padrões exigidos para o cargo. Os círculos ao redor de Bolsonaro, de onde partem as indicações, não inspiram confiança nem sugerem profissionalismo. Não será fácil encontrar substituto para Silva e Luna.
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