É sabido que uma das decisões mais difíceis
de um novo governo de dias é anunciar que aumentará impostos. Se deixarmos de
lado os clássicos eufemismos do liberalismo econômico, não há reforma fiscal e tributária
que não aumente a carga tributária de alguém: os ricos, os consumidores, a
economia formal, as grandes empresas. Por isso, a maioria dos governos que
buscam realizar reformas sociais profundas tenta obter financiamento para elas
desde o início de sua gestão, sabendo que a janela para uma reforma desse naipe
é pequena e efêmera.
Collor foi repreendido — e com toda a razão — por ter feito um sequestro bancário no primeiro dia de seu mandato (que acabaria incompleto) sem nenhuma negociação e que sequer apresentou um projeto de reforma fiscal e tributária.
Governos como os de Joe Biden, Álvaro Uribe,
François Mitterrand (1916-1996) e Patricio A]lwyn (1918-2016) tentaram aumentar
impostos – com maior ou menor sucesso – nos primeiros meses no poder. A razão é
óbvia. Não há reforma mais impopular e custosa em termos de capital político do
que a tributária e fiscal; e geralmente não há momento de maior popularidade e
capital político de um presidente do que no início de seu mandato.
Boric entende isso, entre outras razões,
porque seus primeiros discursos como presidente mostram que ele frequentemente
conversa com o ex-presidente chileno Ricardo Lagos – por exemplo, sobre a
necessidade de diplomacia nas relações externas ibero-americanas para que ele
possa falar a uma só voz e duradoura. O primeiro item programático de campanha
com o qual trabalha (pretende apresentar essa reforma ao Congresso até junho) é
aumentar a carga tributária chilena em cinco pontos do produto interno bruto (PIB)
ao longo de seu mandato de quatro anos, com uma justificativa simples.
Não há como atender às demandas e/ou
reivindicações sociais do chamado “estalido” de outubro de 2019 sem aumentar os
gastos públicos. E é impossível atingir estes objetivos sem aumentar a
porcentagem do PIB que o Chile arrecada (20% por enquanto) em uma proporção
significativa, a menos que se acredite em estórias absurdas como a do tesouro
português da Derrama (1763-1764) baseada no dito combate à corrupção da Colônia
em desfavor da Metrópole.
Boric cumprirá sua promessa ou não. Mas
pelo menos ele está disposto a tentar. E os nossos, até aqui ninguém diz nada e
nem se pensa nisso. Ao renunciar a uma reforma fiscal e tributária o atual o
governo, parece esperar uma hipotética — e incerta — vitória nas eleições desse
ano, satisfeito com seus vouchers compradores de votos e sempre convicto a não
realizar nenhuma reforma social importante e duradoura.
Diferenças a parte do mandato brasileiro ao
de Boric ainda que aparentemente semelhantes na ausência de maiorias
parlamentares de partida com as quais todos os governantes costumam sonhar, o
nosso sempre faltou inteligência e sabedoria no Ministério. Ao contrário, o economicismo
primário et caterva preferiu manter a pressão fiscal e tributária no mesmo
nível de antes (com pequenas variações devido aos esforços do Banco Central),
condenando à impossibilidade de qualquer aumento significativo dos gastos
sociais (o mais baixo em vista ao tão desejado assento na Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE em relação ao PIB). Só poderia –
e poderá – reorganizar os gastos: cortando da educação, saúde e habitação para
aumentar – mal – a entrega do Auxílio Brasil a idosos, desempregados,
estudantes, deficientes e a população em geral largada à própria sorte. Insistamos:
Auxílio Brasil e só isso, cortando todo o resto.
Obviamente não houve reforma fiscal e
tributária durante este governo, nem haverá. Não há governo democrático no
mundo que se preze que não tente, inclusive por conta da pandemia e suas
consequências que somado ao cenário tenebroso ex-ante alguma reforma fiscal e
tributária, uma vez que só tornou esse assunto urgente urgentíssimo. Aqui está
o pior pecado do que aí se encontra: nem mesmo tê-lo proposto, ao contrário de
Boric. Um mandato de lastimas sem fim! Mas a cada circunstância eleitoral colhe
o que vota. Teremos a chance de corrigir o nosso rumo. Mas para isso precisamos
vencer o anacronismo e a ignorância; o Brasil pode e deve ser ousado e
globalizado, como Boric está mostrando.
*Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE
Nenhum comentário:
Postar um comentário