O Globo
Essa próxima eleição tem que servir para
evitar a catástrofe definitiva. É a disputa entre civilização e barbárie
Lévi Strauss nos disse que existem dois
grupos de cientistas sociais e homens políticos: os conservadores, que acham
que a idade de ouro da humanidade foi vivida no passado; e os progressistas,
que garantem que a idade de ouro está no futuro. Ninguém se dá conta de que a
idade de ouro será sempre o tempo que nos é dado viver, o único no qual podemos
intervir e dar-lhe um rumo mais próximo daquilo que julgamos valer à pena.
Estamos praticamente às vésperas de uma
eleição presidencial e temos que exigir, em primeiríssimo lugar, que o vencedor
respeite a Constituição que nós todos, expressa ou implicitamente, juramos
respeitar. Governar ignorando a Constituição é viver numa selva em que só a
violência e o acaso decidem o que deve acontecer. Temos o direito de supor que
as leis talvez não traduzam a cultura de nosso povo, a quem devemos propor a
mudança, se precisarmos mudá-las. Mas só ele e seu desejo têm o direito de
mexer nelas.
Toda Constituição democrática deve garantir à maioria a liderança da sociedade e reconhecer o direito de as minorias se manifestarem e viverem do jeito que julgarem mais apropriado, sem fazer mal a ninguém. Se no discurso dominante não houver uma mínima possibilidade de o contrário do que afirmamos estar certo, ele será sempre um discurso autoritário que não serve ao progresso da humanidade. Toda lei é um acordo entre cidadãos que desejam permanecer juntos, unidos numa mesma sociedade, com os mesmos fins.
O sonho acabou e o Brasil virou o que é
agora — um país sem caráter, de desigualdades e desemprego, de fome e
miseráveis desassistidos, uma economia em recessão, sem expectativa de recuperação
em prazo humano. Um país violento, desorientado e caótico, à beira de uma
catástrofe definitiva. E nada mais iluminado para nossos olhos do que aquilo
que não temos como evitar. Basta dormir em paz e, na manhã seguinte, acordar
novamente com o relho na mão. O que valia mesmo era o prazer de viver num país
onde, mesmo merecendo essa ou aquela correção de rumo (às vezes profunda),
havia um horizonte de luz à nossa espera. E nós todos acreditávamos com orgulho
nesse horizonte, podíamos viver dessa expectativa ou dessa esperança.
A democracia, o sistema político por
excelência da civilização, não é a imposição do modo de vida da maioria; mas o
regime em que as minorias têm garantido o seu direito de ser diferente.
Essa próxima eleição tem que servir para
evitar a catástrofe definitiva. Não se trata de uma escolha entre políticos,
programas, partidos. O que está em jogo é um capítulo final dessa história de
decadência, a disputa que pode ser derradeira entre civilização e barbárie. É a
uma dessas duas formas de viver e conviver que vamos dar o nosso voto.
O Brasil cansou mas não acabou. Nessas
eleições mesmo, com tão pouca reflexão, a multiplicação das posições políticas,
deixando o esquematismo tradicional dos diversos “populismos nacionais”, é uma
notícia positiva que deve ser desenvolvida, fora das eleições, por quem estiver
afim de reencontrar o povo. As mulheres brasileiras, por exemplo, foram às
ruas, exercendo seu direito de manifestação e inaugurando uma nova etapa em seu
papel na sociedade em que vivemos. Parabéns a elas.
Ao contrário do que diz e age a insensatez
de alguns brasileiros inconformados com nossas peculiaridades, é em nome do
peculiar que devemos nos comportar. Em nome sobretudo do respeito ao direito do
outro ser diferente de nós e, afinal de contas, sermos todos iguais perante nós
mesmos. É em benefício disso, desse sonho ideal, que devemos votar em outubro e
sempre.
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