Folha de S. Paulo
Inexiste afirmação convincente dos
militares de compromisso com a Constituição
O desencontro que se seguiu ao encontro
do ministro da Defesa com o presidente do Supremo Tribunal Federal foi,
a um só tempo, tão importante e evidente que se efetivou até por escrito pelos
dois personagens. Mas não foi visto no que mostrou e significou. O encontro só
se justificou por ter levado ao desencontro, que em vários sentidos foi um dos
mais expressivos no questionamento à lealdade das Forças Armadas à
Constituição, no processo eleitoral.
Encerrado o encontro que o general Paulo
Sérgio Oliveira buscou com Luiz Fux no Supremo, ambos dispensaram-se da praxe
de falar, sem dizer, aos repórteres. Mais tarde, Fux distribuiu uma nota sobre
a conversa sem, no entanto, assiná-la. Emitiu-a em nome do Supremo. E
noticiava: "O ministro da Defesa afirmou que as Forças Armadas estão
comprometidas com a democracia brasileira". Mais, com a mesma firmeza
atribuída ao general: "os militares atuarão, no âmbito de suas
competências, para que o processo eleitoral transcorra normalmente".
Noticiário e comentaristas celebraram a informação de Fux e a aparente convicção do general. E logo viria mais um motivo para celebração, na leitura de inesperada nota em nome do Ministério da Defesa. Sucinta, dizia, depois de referência ao "respeito entre as instituições", que na conversa "foi tratada a colaboração das Forças Armadas para o processo eleitoral". E então o fecho: "O ministro da Defesa reafirmou, ainda, o permanente estado de prontidão das Forças Armadas para o cumprimento das suas missões constitucionais".
Uma nota com indicação de finalidade
precisa: derrubar a versão da conversa difundida por Fux. O juiz introduziu e o
general cassou um comprometimento com a democracia e "com um processo
normal" de eleições. A nota fardada reduziu o compromisso militar a um
"permanente estado de prontidão" para o "cumprimento das suas missões
constitucionais".
O entendimento do que diz a segunda nota, a
par da contestação a Fux, parte deste conceito agora trazido também das Forças
Armadas por seus engajados no bolsonarismo: "Eleição é questão de
segurança". E segurança, é notório, integra as "missões
constitucionais" mencionadas pelo general. O que a nota afirma, portanto,
é a pretensão militar de ingerência na condução do processo eleitoral. Aliás,
já em andamento, com explícita adesão à campanha golpista de desmoralização do
sistema eleitoral eletrônico.
A nota em nome do Ministério da Defesa tem
sentido oposto ao que lhe está atribuído, desde o apressado e superficial teor
nela suposto. Conjuga-se com a
adoção desejada por Bolsonaro de um sistema paralelo de apuração, pelo
envio do captado em cada urna a um setor militar improvisado como a verdadeira
justiça eleitoral: em discordância entre a apuração da Justiça Eleitoral
constitucional e a apuração militar originária do bolsonarismo, quem não
antecipe a supremacia do fuzil está fora de si.
Se eleição é questão de segurança, a
limpidez do processo eleitoral, o direito equânime de candidatura e a validade
do resultado das urnas são a possível razão de ser da alegada questão de
segurança. Ocorre que tais totens da segurança eleitoral só subsistem em
democracia. Logo, a defesa involuntária e real que o poder militar faz, na sua
defesa voluntária do desejado pelo golpismo de Bolsonaro, é a mesma que fazem
os defensores da Constituição. Logo, nada mais que militares fora da política,
recolhidos nos quartéis em sua correta "missão constitucional", e
eleições democráticas sob a Justiça Eleitoral.
As Forças Armadas não só "estão
sendo orientadas a atacar e desacreditar o processo eleitoral", como
disse, e por isso insultado
pelo general-ministro da Defesa, o ministro-magistrado Luís Roberto
Barroso. Estão submetidas à orientação de Bolsonaro, inexistindo uma afirmação
convincente, vinda das casernas, de compromisso com a Constituição democrática.
Da campanha eleitoral de 2018 até agora,
são quatro anos de Forças Armadas tolerantes, e assim concordantes, com
armamentismo da população, permissividade com roubo e contrabando de riquezas
naturais, desconstrução da estrutura ativa do Estado, ações de extermínio
indígena —variedade inumerável de crimes contra o país, presente e futuro.
Estas, sim, "questões de segurança nacional".
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