Folha de S. Paulo
A polarização converte a oposição de
governo potencial em ameaça existencial
Em coluna nesta Folha ("Polarização
à brasileira, Política), Demétrio Magnoli aponta uma contradição na minha
afirmação de que a hiperfragmentação e o baixíssimo partidarismo político no
Brasil têm criado um partidarismo negativo
assimétrico (envolvendo apenas o PT). Argumenta que "no Brasil,
polarização é termo ilusório: uma forma de descrever (e ocultar) a dinâmica do
antipetismo".
Acredito que a incompreensão se deva à
ideia de partidarismo assimétrico. A evidência é clara: 83% dos entrevistados
no Estudo Eleitoral
Brasileiro (Eseb) 2018 não tinham preferência por um partido. O
escasso partidarismo vem de longe: Loewenstein, autor de "Hitler's
Germany" (1939) e "Brazil under Vargas" (1942), negava que o
Estado Novo fosse nazista ou fascista, pois Vargas não contava com um partido.
A polarização atual envolve o bolsonarismo, que não é um partido. Bolsonaro "alugou" um micropartido para se eleger e permaneceu, de 2019 a 2021, sem afiliação. Como falar de partidarismo negativo no seu caso? Lula é muito mais que o petismo, mas o PT é o único partido com alguma identificação partidária no eleitorado (embora, devido à hiperfragmentação, detenha meros 11% das cadeiras na Câmara). No bolsonarismo inexiste ancoragem partidária.
Daí falarmos em assimetria: o
antibolsonarismo se opõe ao antipetismo, não ao antilulismo. Não há
"polarização à brasileira"; mas ela não é ilusória. Sua singularidade
entre nós deve-se à assimetria
partidária. Há um outro debate associado à rubrica polarização assimétrica
nos EUA, em torno do partido no qual a radicalização seria maior. No Brasil ele
nem sequer faria sentido, dada a fluidez partidária.
Magnoli acrescenta: "o antipetismo é
álibi conveniente para evitar a crítica política". Trata-se aqui do
antipetismo como estratégia discursiva. Sim, ele buscou blindar e desqualificar
toda tentativa de responsabilização do governo por parte da oposição quanto à
economia e à corrupção exposta.
E mais: o discurso de demonização da
oposição sob o PT está longe de ser especificidade brasileira: elites sórdidas
e povo virtuoso é mantra populista. O discurso de Chávez é canônico ("repolarización -
nosostros, los patriotas; y ellos, los traidores") e está presente também
no bolsonarismo.
Essa virulência contra a oposição sugere um
paralelo com o padrão nas democracias avançadas no século 19. A democracia só
se estabiliza quando o sistema partidário se consolidou, permitindo alternância
no poder. O que pressupõe, como mostrou Hofstadter,
a aceitação da oposição comprometida com o sistema constitucional
(consubstanciada na expressão "Her Majesty most loyal opposition");
como "governo-em-potência", não ameaça existencial.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Um comentário:
Nenhum partido representa Bolsonaro,cruzes!
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