Editoriais
Receita perigosa
Folha de S. Paulo
Mesmo com ganhos de arrecadação, governo
põe em risco qualidade do Orçamento
A situação das contas públicas continua a
surpreender positivamente neste ano, graças ao impacto da inflação e da
atividade econômica nas receitas. O fenômeno, entretanto, é conjuntural e não
pode obscurecer os riscos de longo prazo, que são crescentes.
No relatório bimestral de avaliação do
Orçamento, documento que atualiza as projeções para o ano, o governo federal
calcula que terá déficit menor em 2022 —a estimativa do saldo negativo, sem
incluir despesas com juros, passou de R$ 66,9 bilhões para R$ 65,5 bilhões.
Os novos parâmetros incluem R$ 49,1 bilhões
a mais de arrecadação ante a avaliação anterior, chegando a um total de R$ 1,72
trilhão, já deduzidas as transferências a estados e municípios. Em relação à
lei orçamentária aprovada no ano passado, a alta na coleta de impostos já
atinge R$ 136,6 bilhões.
Os gastos também foram revistos, com acréscimo de R$ 34,9 bilhões, e deverão atingir R$ 1,63 trilhão. Na conta estão mais desembolsos com precatórios e subsídios agrícolas, além do encontro de contas com a Prefeitura de São Paulo relativo à concessão do aeroporto Campo de Marte.
Mesmo nesse contexto mais favorável, a
regra do teto de gastos impõe um contingenciamento
adicional nas despesas de R$ 8,2 bilhões, que, somado à contenção de
R$ 1,7 bilhão do primeiro bimestre, resulta em R$ 9,9 bilhões no ano.
Tal cifra ainda não considera o possível
reajuste salarial para o funcionalismo. Com um índice linear de 5%, a conta
ficaria em R$ 8,5 bilhões, elevando o bloqueio deste 2022 para R$ 16,2 bilhões.
A benesse ainda é matéria de controvérsia
na Esplanada brasiliense, e o conflito com os servidores vem se agravando desde
que Jair Bolsonaro (PL) decidiu agradar à sua base de apoio na área de
segurança. O risco de paralisação ampla da máquina permanece, com várias
carreiras de elite em protesto.
O corte de gastos tende a atingir os já
depauperados investimentos em infraestrutura, comprometendo a qualidade do
Orçamento.
Tudo considerado, não se descarta que o
Tesouro Nacional chegue ao fim do ano com um resultado melhor que o esperado,
repetindo a surpresa do exercício passado.
Até o momento, a relação entre a dívida
pública e o Produto Interno Bruto continua a cair —de 89,3% no final de 2020
para 78,5% do PIB em março deste ano.
Mesmo assim, a situação é frágil. Com juros
maiores, provável esgotamento do impacto da inflação nas receitas e pressões
cada vez mais fortes por reajustes salariais, o controle da dívida exigirá
reformas e disciplina do próximo governo. Por ora, no entanto, as indicações
dos principais candidatos ao Planalto vão na direção oposta.
Bafômetro ou multa
Folha de S. Paulo
Supremo acerta ao referendar sanção a
motoristas que se recusam a fazer o teste
Motoristas que se recusam a fazer o teste
de bafômetro —e outros exames para verificar a presença de substâncias
psicoativas como o álcool— podem sofrer multa e até retenção e apreensão por um
ano da carteira de habilitação. A regra foi corretamente referendada na quinta
(19) em decisão unânime do Supremo Tribunal Federal.
De acordo com o Código de Trânsito
Brasileiro, tanto dirigir sob influência de álcool como recusar-se a submeter
ao bafômetro constituem infração gravíssima, e a multa pode chegar a quase R$
3.000.
No caso em julgamento, a corte inferior, o
Tribunal de Justiça do Rio de Grande do Sul, havia entendido que impor a multa
a um motorista que rejeitara o teste seria arbitrário, uma vez que a negativa
não implica estado de embriaguez.
O Supremo acerta ao discordar do TJ. A
sanção em dinheiro é a medida proporcional para, de um lado, respeitar o ditame
constitucional segundo o qual ninguém pode ser forçado a produzir provas contra
si mesmo, e de outro, impor um desincentivo a condutores que desrespeitam as
normas.
Não se trata de um problema menor no Brasil.
Em 2020, aqui se registraram 32,7 mil mortes por acidentes de trânsito,
conforme levantamento da BBC a partir do DataSUS, base que reúne dados do
Sistema Único de Saúde.
Há sinais eloquentes de que a Lei Seca,
aprovada em 2008 para impor tolerância zero ao consumo de álcool por
motoristas, contribuiu para a redução do morticínio nas pistas. Entre 2011 e
2020, o número de casos fatais teve queda de 30%, embora permaneça muito
elevado. As principais vítimas são motociclistas jovens do sexo masculino.
No estado de São Paulo, a quantidade de
flagrantes com o bafômetro cresceu no ano passado com o relaxamento das
restrições impostas para o enfrentamento da pandemia. Na capital, o aumento foi
de 52% em relação a 2020, segundo as informações do Detran.
Não se deve alimentar a ilusão de que
apenas sanções conseguirão dar conta de um fenômeno multifatorial como as
mortes no trânsito. Educação, fiscalização eletrônica de velocidade, uso de
cinto de segurança e faixas para motociclistas em avenidas movimentadas, entre
outras providências, mostram-se também eficientes.
São rigores que podem provocar incômodos e
questionamentos, mas que se justificam em nome do que não deixa de ser uma
questão de saúde pública.
A política como calcanhar de aquiles
O Estado de S. Paulo
Governo disfuncional, Congresso fragmentado, orçamento engessado e polarização populista dificultam controle da dívida e da inflação para aproveitar novo ciclo das commodities
Para o bem ou para o mal, num futuro
próximo o destino da América Latina está atrelado à exportação de commodities.
Historicamente, os ciclos de demanda global por bens primários foram chave para
o crescimento da região. Mas a alta dependência das commodities também a deixa
mais vulnerável às oscilações de preços.
O superciclo iniciado em 2004 trouxe uma
era de abundância, marcada pelo declínio da pobreza e melhoras nos indicadores
de saúde. No Brasil, durante a gestão petista, foram distribuídos subsídios e
créditos que aumentaram o consumo da classe média. Mas perdeu-se a oportunidade
de promover reformas modernizantes do Estado e investir em instrumentos
elementares para o crescimento sustentável, como educação, infraestrutura e
diversificação econômica.
O fim do ciclo, em 2014, combinado ao
descalabro fiscal da gestão Dilma Rousseff, forçou a concertação de alguns
ajustes, como reformas e consolidações fiscais. Quando os frutos mal começavam
a ser colhidos, veio o impacto da guerra comercial entre China e EUA, seguida
pela pandemia.
Agora, a guerra na Ucrânia impulsionou uma
alta nos preços das commodities que já começara em 2021. Será essa uma nova
oportunidade de crescimento? A questão foi abordada em um estudo da
Economist Intelligence Unit (EIU).
As projeções indicam que a alta deve
perdurar, ainda que não com a mesma intensidade, por mais alguns anos. Mas as
condições são bem diferentes do último ciclo. Antes de tudo, a economia global
está mais fragilizada. No início dos anos 2000, a política monetária das
grandes economias estava mais flexível. Hoje, a inflação generalizada,
especialmente alta nos EUA, aponta para um período de restrições. A economia da
China, o grande motor do último boom, patina em meio às pressões da política de
“covid zero”.
Para avaliar os países latino-americanos
mais bem preparados para enfrentar esses desafios, a EIU modelou uma avaliação
baseada em sete critérios: inflação, dívida pública, pagamentos de juros pelo
setor público na proporção da receita, contas correntes, dependência das
commodities e riscos políticos e regulatórios.
O posicionamento do Brasil é medíocre, na
13.ª colocação. Numa escala de gravidade de 1 a 5, a melhor nota, 2, é na conta
corrente do balanço de pagamentos.
A alta nas commodities trará uma lufada de
lucros e algum alívio fiscal, com uma janela de oportunidades para mais
investimentos, empregos e consumo. Mas essas oportunidades são contrapesadas
pelas pressões inflacionárias particularmente altas, que exigem políticas
monetárias agressivas.
Como disse ao Valor a diretora da
EIU para a região, Fiona Mackie, o nível elevado da dívida pública impõe ao
governo duas opções. Uma seria manter as metas fiscais, mas isso arriscaria uma
queda no crescimento econômico, aumentando a agitação pública em ano eleitoral.
Por outro lado, ele pode avançar com medidas de apoio fiscal à renda dos
consumidores corroída pela inflação. Mas isso abalaria ainda mais a
credibilidade fiscal junto ao mercado.
O dilema expõe aquele que, segundo Mackie,
é o calcanhar de aquiles do Brasil: a política.
Se a economia nacional se encontra nessa
situação, é porque o governo, antes de promover as reformas que teriam reduzido
o “custo Brasil” e garantido as condições para um crescimento sustentável, se
entregou de braços abertos aos tráficos fisiológicos da “velha política”. Um
Congresso fragmentado, um orçamento engessado e loteado e um ambiente político
polarizado deixam ao País parcos recursos para controlar a inflação e a dívida.
As eleições são uma chance de injetar
sangue novo nas políticas econômicas. Contudo, as frustrações com a
desigualdade ou a corrupção, exacerbadas pela pandemia, abastecem,
paradoxalmente, as mesmas aventuras populistas que tanto agravaram essas
mazelas e perturbam o ambiente de negócios. A menos que as intenções de voto
apontadas nas pesquisas sejam revertidas, a probabilidade é que, ao contrário
do que aconteceu no último ciclo das commodities, este novo ciclo seja
desperdiçado antes mesmo de trazer qualquer proveito.
Um imenso desafio para o jornalismo
O Estado de S. Paulo
Pela qualidade do debate democrático, talvez seja necessário adaptar os manuais à realidade segundo a qual nem tudo o que o atual presidente produz é digno de ser noticiado
O triunfo do presidente Jair Bolsonaro
depende fundamentalmente da degradação do valor das instituições democráticas
no imaginário coletivo. O jornalismo profissional e independente, base para a
existência de uma sociedade livre e participativa, é uma dessas
instituições-alvo.
Os cidadãos não defenderão as instituições
ante o ímpeto liberticida de Bolsonaro se não acreditarem que um Congresso
independente em relação ao governo é condição indispensável para uma democracia
vibrante ou que é importante respeitar as decisões da Suprema Corte, ainda que
delas se possa discordar, porque isso significa enxergar na Justiça, e não na
força bruta, o meio apto para a resolução civilizada de conflitos. O mesmo vale
para o jornalismo profissional e independente, ou seja, o jornalismo que preza
pela ética e pelo compromisso com a verdade factual.
Bolsonaro já atacava jornalistas desde
antes de assumir a Presidência da República. Eleito, os ataques só
recrudesceram, pois desqualificar o papel da imprensa como uma das
vigas-mestras do Estado Democrático de Direito é essencial para um autocrata
como ele.
Quanto mais porosa for a fronteira que
separa verdade e mentira, tanto mais fácil será para Bolsonaro impor à
sociedade uma “realidade” à prova de escrutínios racionais, pois sustentada
apenas por crenças e devoção pessoal ao presidente. Essa confusão lhe favorece.
“O súdito ideal”, ensinou Hannah Arendt, “não é o nazista convicto ou o
comunista convicto, mas aquele para quem já não existe diferença entre o fato e
a ficção, entre o verdadeiro e o falso.”
Bolsonaro concebe “governo” como exercício
de mando e conservação de poder pessoal. Por isso, jamais se preocupou em
elaborar algo minimamente assemelhado a um plano de governo. O que se vê há
três anos e meio, ao contrário, é um presidente desaprumado, alguém que apenas
reage aos humores das mídias sociais digitais, ambiente que Bolsonaro toma como
pulso da realidade, a fim de manter unida a sua base de apoiadores. Aí está o
resultado. Em todas as áreas fundamentais para o desenvolvimento de qualquer
país – economia, educação e cultura, saúde, meio ambiente e relações
internacionais – o que se vê é um cenário de terra arrasada. Em grande medida,
a sociedade só tomou conhecimento desse descalabro por meio do trabalho da
imprensa.
Um governo que tem muito a esconder depende
da crença de seus apoiadores nas versões oficiais para se sustentar. Logo,
precisa desqualificar os portadores de más notícias. Bolsonaro é um inimigo da
transparência e da verdade factual. Um presidente assim impõe um extraordinário
desafio para o jornalismo, pois à imprensa não é dado simplesmente ignorar o
que diz o presidente da República. Em qualquer país do mundo, o chefe de
governo é o principal produtor de fatos potencialmente noticiosos.
Ao mesmo tempo que, todos os dias, a
imprensa é desacreditada por Bolsonaro, tem de manter a sociedade informada
sobre os movimentos de um presidente que anuncia dia e hora para tentar um
golpe de Estado caso seja derrotado na próxima eleição; um presidente que
engaja os cidadãos em debates infrutíferos, muitas vezes pautados por não
questões, como a segurança do sistema eleitoral. Qual o papel do jornalismo
profissional e independente quando o País é governado por um presidente que, em
nome de seus interesses particulares, impõe uma agenda que estimula
ressentimentos e explora medos dos cidadãos em detrimento dos fatos?
Cabe ao jornalismo dar direção e unidade às
informações que apura com rigor técnico e compromisso ético. Isso significa
confrontar as “narrativas” criadas no Palácio do Planalto com a verdade factual
e tentar, na medida do possível, dissipar a desconfiança dos cidadãos nas
instituições, um sentimento que serve de substrato para os delírios de poder de
Bolsonaro. Para que a imprensa seja bem-sucedida nessa tarefa, talvez seja
necessário adaptar os manuais de jornalismo à realidade segundo a qual nem tudo
o que este presidente da República produz é digno de ser noticiado.
É claro que sempre haverá indivíduos imunes
a informações que contrariem suas crenças. Mas deles se ocupa a psicologia. A
imprensa deve se preocupar com a qualidade do debate democrático.
Santinho caro
O Estado de S. Paulo
Governo trata o cartão do programa de auxílio a pobres como se fosse peça de propaganda eleitoral
Políticas públicas dignas do nome, isto é,
que verdadeiramente conseguem atender às necessidades da população, costumam
dar trabalho e envolver muitas mãos em seu planejamento e execução. É o caso
dos programas de transferência de renda, cuja arquitetura foi montada a partir
da década de 1990, em todo o País. Das experiências locais em Campinas (SP) e
no Distrito Federal até o Auxílio Brasil dos dias atuais, foram muitos e longos
passos. Esse importante mecanismo de repasse de dinheiro à população em
situação de maior vulnerabilidade ganhou abrangência nacional no governo
Fernando Henrique Cardoso. O governo Lula da Silva, por sua vez, unificou
programas e criou o Bolsa Família, ampliando e aperfeiçoando toda a experiência
anterior.
No ano passado, na esteira do auxílio
emergencial bancado pelo governo durante a pandemia de covid-19, o presidente
Jair Bolsonaro assinou medida provisória que instituiu o Auxílio Brasil. O novo
nome, por óbvio, atendeu a interesses políticos e eleitorais do presidente, que
encerrou assim quase duas décadas de vigência do Bolsa Família, marca do governo
Lula.
Resgatar essa história se faz oportuno no
momento em que o governo Bolsonaro, com motivação indubitavelmente eleitoreira,
pretende substituir milhões de cartões magnéticos distribuídos na época do
Bolsa Família e que seguem em uso para pagamento do Auxílio Brasil. Uma vez que
os cartões continuam funcionando normalmente, não se trata de corrigir defeito,
mas, sim de tirar das mãos dos beneficiários os cartões que supostamente
remetem à gestão do principal adversário de Bolsonaro nas eleições de outubro.
Infelizmente, a iniciativa revela total
incompreensão do que venha a ser uma política pública, pois trata o cartão
magnético do principal programa de transferência de renda do Estado brasileiro
como peça de propaganda ou santinho eleitoral. A substituição do cartão é
absolutamente desnecessária – não é isso que fará o Auxílio Brasil funcionar
melhor, tampouco reduzirá a fila de 1,3 milhão de famílias que ainda não
receberam o benefício.
Para piorar, a substituição pode custar até
R$ 324 milhões, caso se renovem os cartões dos 18 milhões de beneficiários,
conforme informou o Estadão. De acordo com a reportagem, essa quantia
seria suficiente para bancar benefícios do Auxílio Brasil para 65,9 mil
famílias, durante um ano, considerando o valor médio dos repasses.
Diante de tamanho desatino, 13
parlamentares da oposição acionaram o Tribunal de Contas da União (TCU). Em sua
argumentação, afirmaram o óbvio: que se trata de ação eleitoreira e que não faz
sentido despender recursos públicos para trocar cartões que estejam
funcionando. Do TCU, espera-se que cumpra seu papel de zelar pela boa aplicação
do dinheiro dos contribuintes. Seja sob o nome que for, a população em situação
de vulnerabilidade social no Brasil deve continuar contando com um programa de
transferência de renda efetivo e construído por muitas mãos, ao longo de
décadas.
Guerra na Ucrânia traz oportunidade
agrícola ao Brasil
O Globo
A guerra na Ucrânia afetou não apenas o
mercado de óleo e gás, mas também commodities como trigo e milho, usados em
rações animais. O conflito tem impedido a Ucrânia — como a Rússia, um dos
maiores exportadores mundiais de trigo — de semear suas plantações, encarecendo
carnes e produtos alimentícios. Ao mesmo tempo, abriu uma oportunidade à
agricultura brasileira.
Passou o tempo em que era considerado
impossível cultivar trigo em solo brasileiro. De agosto a março, o Brasil
exportou mais de 2,8 milhões de toneladas. Como reflexo da guerra, o agricultor
já aumentou a área plantada. A Embrapa tem investido na melhoria do cereal,
cuja safra deste ano poderá alcançar o recorde de 10 milhões de toneladas (ante
consumo de 11 milhões). Apesar do avanço, o produto nacional é pobre em glúten
na comparação com o argentino, por isso não seria capaz de suprir todo o
mercado interno. Isso não impede que seja exportado para uso em rações,
substituindo o ucraniano.
O caso do trigo ilustra como a guerra, ao
colocar na agenda mundial a segurança alimentar do planeta, reforçou o
protagonismo do Brasil como potência exportadora — estima-se que a produção
brasileira alimente 800 milhões, quase o quádruplo da população do país. No
biênio 2021-22, o Brasil deverá colher uma safra de 270,2 milhões de toneladas
de grãos, alta de 5,7%, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
O crescimento se deve não apenas ao trigo, mas sobretudo ao aumento na área
plantada de soja.
Como fornecedor de alimentos, o Brasil tem
uma enorme vantagem: está em região pacificada. Para aproveitar a oportunidade,
contudo, enfrenta um desafio nada trivial. Precisa conservar o meio ambiente e
interromper a devastação da Amazônia. A equação que governantes e empresários
precisam resolver com eficiência e transparência é: como ser um dos maiores
produtores de carnes e grãos preservando ao mesmo tempo os diversos biomas.
Isso é importante, antes de qualquer motivo, para manter o regime de chuvas que
garante a produtividade espetacular do agronegócio brasileiro e depende dos
“rios voadores” que vão da Amazônia às regiões produtoras.
Há conhecimento científico para isso,
infelizmente desprezado pelo governo Bolsonaro. O país também já demonstrou ser
capaz de conter a devastação no passado. Ao não reprimir a ação de grileiros,
madeireiros e garimpeiros ilegais na Amazônia, o governo torna o país
vulnerável a boicotes. Em abril, o presidente americano, Joe Biden, baixou um
decreto para que os importadores reduzam a compra de alimentos produzidos em
áreas desmatadas ilegalmente. O mesmo ocorre na Europa. O consumidor com maior
renda já escolhe o que compra com base em noções de sustentabilidade.
Pecuaristas conscientes já desenvolvem
projetos capazes de atenuar as emissões de metano do gado, criando em áreas de
reflorestamento ou usando o gás como fonte de energia. Soluções existem. Falta
uma política ambiental digna do nome — e um governo capaz de pô-la em prática.
A antipolítica ambiental do governo Bolsonaro é feita sob medida para países
protecionistas que querem barrar exportações brasileiras. É como se o Planalto
fizesse o jogo do concorrente. O êxito do Brasil em aproveitar a oportunidade
aberta pela guerra e em ampliar as exportações de alimentos depende de resolver
o desafio ambiental.
Prioridade a escolas cívico-militares
reforça viés ideológico na educação
O Globo
É conhecida a precariedade das escolas
públicas do país, que sofrem com infraestrutura deficiente, escassez de
professores e funcionários, falta de equipamentos, de conexão com a internet,
entre outras carências. Mas as cívico-militares, uma das obsessões do
presidente Jair Bolsonaro, passam ao largo da penúria. Como revelou reportagem
do GLOBO, neste ano o orçamento delas mais que triplicou em relação a 2020 —
de R$ 18 milhões para R$ 64 milhões.
Fica evidente que o Planalto privilegia as
escolas cívico-militares, que representam apenas 0,15% da rede pública, em
detrimento das demais. A distorção é tamanha que o programa, tratado como
vitrine do governo Bolsonaro, terá neste ano o dobro de recursos destinados ao
desenvolvimento do Novo Ensino Médio — importantíssimo para catapultar os
índices educacionais do país — e dez vezes o previsto para a compra de ônibus
escolares.
O problema não é a escola cívico-militar em
si. É a diferença de tratamento e o uso ideológico pelo governo. Em maio do ano
passado, o diretor de um estabelecimento cívico-militar na Zona Norte do Rio
afirmou: “Nós queremos e podemos, nós somos nós, e o resto é o resto. Brasil
acima de tudo. Abaixo de Deus. Esse é o nosso lema aqui na escola”. O Sindicato
dos Professores do Estado do Rio classificou o discurso como doutrinação, pela
referência ao slogan de campanha de Bolsonaro (“Brasil acima de tudo, Deus
acima de todos”).
Parceria dos ministérios da Educação e da
Defesa, o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) contava com
216 estabelecimentos até o fim do ano passado. Estava presente em praticamente
todos os estados. Ao explicar seus objetivos em novembro de 2021, Bolsonaro
declarou: “O que nós queremos com as escolas cívico-militares é mostrar para todos
os pais que, onde há hierarquia, disciplina, respeito, amor à Pátria e
dedicação, a garotada tem como aprender e ser alguém lá na frente”.
O contraste entre a incensada rede
cívico-militar e a convencional é gritante. Não custa lembrar que há cerca de
3.500 obras de construção e reforma de escolas e creches paralisadas por falta
de recursos no Ministério da Educação. No mundo real que cerca a bolha do
Planalto, crianças não têm sequer água encanada em seus colégios. Acesso à
internet, que nos dias de hoje deveria ser serviço indispensável, ainda é
artigo de luxo, deixando estudantes reféns do passado.
Lamentavelmente, o governo não se mostra nem um pouco preocupado em melhorar os pavorosos índices educacionais brasileiros, muito menos em recuperar os estragos provocados por quase dois anos de escolas fechadas, período em que o MEC abriu mão de seu papel para se tornar mero espectador. Sacudido por graves denúncias de que pastores sem cargo na pasta cobravam propina para destinar verbas públicas aos municípios, o ministério é um caos. Mas o presidente parece empenhado tão somente em impor a ideologia bolsonarista na educação e em turbinar programas que, a seu ver, o ajudarão no projeto de reeleição.
Privatizada como ‘corporation’, Eletrobras
evitará concentração
Valor Econômico
Choques nos preços “maiores ou mais
persistentes”obrigariam o BC a elevar os juros acima de 12,75%
O governo dispõe, agora, de todas as
condições legais e normativas necessárias para privatizar a Eletrobras, holding
que detém o controle acionário das estatais federais de energia. Após quase
cinco anos de avanços e retrocessos, estes provocados principalmente por
opositores à modernização do Estado brasileiros, o processo de desestatização
da empresa foi legitimado por lei aprovada pelo Congresso Nacional e autorizado
pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
O governo pretende protocolar, nesta
semana, operação de aumento de capital da empresa na Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) e na Securities and Exchange Commission (SEC), órgão
regulador do mercado acionário americano. Paralelamente a isso, o grupo de
bancos - liderado pelo BTG - contratado para conduzir a operação promoverá
“road show”, com a finalidade de divulgar as condições de venda da empresa e,
assim, atrair investidores nacionais e estrangeiros.
Na sequência, virá a fase de coleta das
manifestações de interesse na aquisição dos papéis da companhia. A demanda
determinará o preço das ações. A expectativa do governo é que a liquidação de
compra dos papéis ocorra até o fim de junho.
A privatização da Eletrobras, se levada a
termo pelo governo, será realizada por meio de um modelo inovador. Em vez de
levar a leilão o controle acionário da empresa, procurando, assim, obter o
melhor retorno fiscal para a venda da estatal, o governo optou pela venda das
ações em bolsa. Desta forma, a União poderá até arrecadar menos, mas, por outro
lado, evitará que um grupo específico de acionistas privados detenham o
controle acionário da companhia. Para uma holding do tamanho da Eletrobras,
esse modelo de desestatização se mostra mais adequado, uma vez que tem o
potencial de impedir o aumento da concentração num setor crucial da economia
brasileira.
O processo de privatização da empresa ocorrerá
por meio de um aumento de capital. A Eletrobras emitirá novas ações por meio de
uma oferta primária. Detentora do controle acionário da estatal, a União
renunciará ao direito de subscrição dos novos papéis. Em outras palavras, isto
significa que o atual acionista controlador não exercerá o direito de
preferência que possui na operação de aumento de capital.
Ao fim do processo a ser conduzido nos
mercados acionários, a participação do Tesouro Nacional no capital votante da
Eletrobras será reduzida dos atuais 72% para 45% - para deter o controle, é
necessário ter 50% mais uma das ações ordinárias (com direito a voto nas
assembleias de acionista). O controle da empresa passará a ser detido,
portanto, por investidores privados, numa modalidade conhecida, no jargão em
inglês, como “corporation”. Neste tipo de sociedade, não há acionistas
controladores do capital, mas, sim, acionistas de referência. Ademais, nenhum
acionista pode deter mais de 10% das ações com direito a voto.
A operação de diluição do capital da
companhia será realizada de forma simultânea no Brasil e nos Estados Unidos -
respectivamente, nas bolsas de São Paulo (B3) e de Nova York (Nyse), onde a
Eletrobras tem recibos de ações (ADRs, na sigla em inglês). A princípio, a
emissão de novas ações poderá movimentar volume financeiro entre R$ 22 bilhões
e R$ 26,6 bilhões. Uma boa novidade é que trabalhadores poderão usar seus
saldos no FGTS para adquirir ações da nova empresa.
O governo não descarta a possibilidade de,
adiante, promover oferta secundária de ações (via venda direta na bolsa), para
reduzir ainda mais a participação da União no capital. De fato, não sendo mais
o Tesouro o controlador da empresa, não fará sentido manter tamanho volume de
ações (45%) em seu poder. De toda forma, como é esperada a valorização dos
papéis, o governo deve aguardar o momento mais adequado para autorizar a venda
de um novo lote de ações.
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