Folha de S. Paulo
Uma tentativa de golpe não precisa derrubar
o regime para cumprir sua missão, como republicano ensinou nos EUA
O tão propalado encontro
de Jair Bolsonaro e Elon Musk poderia
ser só mais um episódio de comunicação política rasteira, realizado para
inundar os jornais com factoides em plena crise institucional e humanitária no
Brasil, mas é muito mais do que isso.
Ele torna irreversível a ruptura
de relações do governo brasileiro com o americano. Afinal, Bolsonaro elevou
a "mito da liberdade" o indivíduo que pretende
comprar a rede social mais influente do mundo para reabilitar
Donald Trump às vésperas das chamadas midterm, eleições de meio de
mandato.
Confirmando a ideia de que o convite a
Musk é,
antes de tudo, um novo aceno à extrema
direita global, o senador Flávio Bolsonaro reiterou
a acusação de fraude nas eleições americanas em entrevista bélica no
meio da semana. Cabe lembrar que o ataque
às instituições é uma linha vermelha para o governo Biden apenas
equiparável ao apoio ao terrorismo internacional.
O Brasil, portanto, se encontra em uma situação histórica em que seu presidente se prepara para golpear a democracia sem o respaldo da superpotência. Não há palavras publicáveis para descrever o sentimento de dirigentes europeus em relação a Bolsonaro e seus ministros. A mensagem do Atlântico Norte é cristalina: na era das supersanções, a violação da ordem democrática significaria o banimento de Brasília do sistema financeiro.
Os países do Brics tampouco
parecem interessados em abrir uma nova frente de instabilidade. Pequim deixou
claro na semana passada que a prioridade do bloco é impedir que se crie um
abismo entre o Norte e o Sul.
Isso não significa que uma derrocada
democrática está descartada, pelo contrário. Na
última década, o golpe de Estado voltou a ser moeda corrente no Sul Global.
Cerca de 20% dos regimes
dos Estados africanos foram mudados pela força desde 2013. No mesmo período,
os militares passaram a ditar os rumos de inúmeros
regimes do Sudeste Asiático e do sul do continente. Enquanto isso, nas
Américas, uma mão cheia de governos mergulhou
no autoritarismo.
O Brasil, no entanto, é considerado nos
círculos diplomáticos como grande demais para cair, para usar um jargão
financeiro. Um Capitólio
tropical seria uma tripla catástrofe global: a queda de uma das
maiores democracias do Sul Global, a sentença
de morte da Amazônia, e uma vitória
política do trumpismo a dois anos das presidenciais americanas.
Mas uma tentativa de golpe não precisa
derrubar o regime para cumprir sua missão. Se Bolsonaro aprendeu uma coisa com
Trump é que o vandalismo
eleitoral é a melhor forma de perpetuar um movimento político depois
da derrota.
Além
de Musk e Trump, Bolsonaro vem pressionando
pela indicação de um servidor do seu governo na embaixada brasileira dos
Emirados Árabes Unidos, a capital do Telegram e
de outras arapucas tecnológicas e financeiras apreciadas por autocratas. Com a
internacional golpista Musk-Trump-Telegram, o presidente vai tentar compensar o
isolamento e garantir apoio para antes e depois da eleição.
Impedir o golpe passa por aceitar que ele não será convencional em seu planejamento, instrumentos e objetivos
*Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise
e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC
Um comentário:
O Brasil correndo o risco de golpe,parece piada,mas é sério.
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