segunda-feira, 23 de maio de 2022

Miguel de Almeida: A terceira via e o voto útil

O Globo

O Brasil é um país tão estranho que, de repente, por uma conjunção de desgraças, a situação leva a concordar com Aécio Neves. Seu partido, o PSDB, aquele que montou o maior programa social brasileiro — liquidou a inflação em 1995 —, realizou prévias para escolher seu candidato à Presidência. Deu João Doria, num universo de milhares de filiados.

Como acusa o deputado mineiro, o presidente do partido, Bruno Araújo, pretende dar um golpe e colocar o PSDB a reboque do MDB, matando a candidatura Doria para apoiar a senadora Simone Tebet. É óbvio que é golpe, Aécio. Se eu fosse filiado ao partido, tendo votado (preferiria Tasso Jeiressati), não ficaria feliz em animar a palhaçada armada pelo Araújo.

Toc-toc, é a mesma toada do Bozo em relação às urnas eletrônicas — se perder, elas foram fraudadas. Embora esse infeliz seja presidente depois de eleito no mesmo sistema. Bruno Araújo e simpatizantes levam o PSDB a dar mau exemplo, de puxadores de tapete, à Bozo.

O PSDB, antes de ser um partido, é um curioso somatório de patologias. Tem a traumática mania de dinamitar seus melhores quadros e de desdizer suas boas gestões. (Síndromes de Caim e do violão molhado.)

Em sua primeira tentativa à Presidência, Geraldo Alckmin quase amaldiçoou as privatizações levadas a cabo por FH — entre elas, a das telecomunicações e a venda de estatais vazadas em prejuízo, como Vale e Embraer. Hoje existiria um petista que não use celular? Privatizadas, a Vale passou a pagar milhões em impostos (parte deles irriga os fundos partidários), e a Embraer se transformou numa referência tecnológica mundial.

José Serra, outro presidenciável do PSDB, também não se mostrou convicto em defender a plataforma econômica do governo FH. Perdeu para Lula, que colocou Henrique Meirelles, tucano de Goiás, na presidência do Banco Central. Perto de Meirelles, Pedro Malan é um protocomunista.

O ajuste feito sob FH deu gás para Lula ficar alguns anos viajando o Brasil para falar mal da herança maldita… dos tucanos. Maltratou tanto a história que muitos tucanos até passaram a concordar com ele.

Falta convicção ao PSDB — ou vergonha na cara. Vencidas as prévias por Doria (embora se diga que tenha ocorrido uma vitória com dedo no olho), os derrotados passaram a conspirar contra o resultado. Desde dezembro, embalam a cantilena de uma tal terceira via.

O PSDB, nascido de uma dissidência do PMDB em oposição às práticas do governador Quércia, agora, sob Bruno Araújo, deseja apoiar a candidatura de Simone Tebet (que é um ótimo nome, aliás). Numa operação curiosa: assim como Doria, que não tem apoio da cúpula do partido, a senadora não encontra eco entre os principais nomes de sua legenda — francamente lulistas.

Com a ação, o PSDB escancara outra síndrome — no caso, de Estocolmo. Entrega-se ao sequestrador, de quem escapou ainda na década de 1980. O MDB tirou o “P” para disfarçar que é uma casa da mãe Joana. Seu presidente, Baleia Rossi, perdeu a eleição da Câmara porque inúmeros de seus companheiros votaram no Arthur Lira. Como o PSDB é uma velha senhora — com muito passado, mas sem futuro —, alguns dos seus também ajudaram na vitória do bozofrênico Lira.

A conversa fiada da terceira via é algo assim mais pessoal, do tipo afinidade de pele, do que uma postura política. A afamada polarização Lula-Bozo existe porque interessa aos dirigentes do PSDB, MDB e UB viver na condição de “puxadinhos”, sem assumir o crediário de uma casa própria. Sendo um amontoado de agregados, se comportam — ou votam — com a esperança de ganhar a vida sem esforço.

Deve-se notar que a incontrolável e louca vontade por criar um nome para a terceira via jamais coloca em evidência o papel da eficiência e da gestão pública. É tão somente antipatia, meninos de turmas diferentes. Fossem postos na mesa os serviços prestados, a terceira via seria desde o ano passado Ciro Gomes à esquerda ou João Doria à direita.

A terceira via sempre esteve à mão. Só que os dois nomes têm personalidades antipáticas e independentes. Goste-se ou não, também escapam do bom senso das platitudes. Pela primeira vez em 40 anos de vida pública, Lula foi sincero ao se posicionar a favor do aborto — e logo teve de desdizer sua posição porque as tais pesquisas de opinião mostram parte do eleitorado no outro lado da mesa. Política passou a ser a arte de não dizer o que se pensa de fato.

Ciro perde votos porque parece não ser um joguete dos marqueteiros. Mostrou-se várias vezes um bom administrador e, a despeito de seu temperamento, consegue reunir ótimos colaboradores. Colocou na praça um livro onde mostra seu projeto de país.

Bozo fala em privatizar a Petrobras só agora (e é jogo de cena, claro) — e Doria promete vendê-la desde sempre. Ele deixou o governo de São Paulo com R$ 30 bilhões em caixa, e o crescimento da atividade econômica superou os 5%. Que inveja, né Bozo?

Dizer que ainda não existem nomes postos na terceira via é azeitona na eterna polarização. Assim como o voto útil em Lula no primeiro turno, com receio do golpista Bozo, enfraquece ainda mais a democracia, ao não deixar prosperar a afirmação de novas forças políticas — à esquerda ou à direita —, cravando a ideia de que não há alternativa ao reprise.

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Muito bom,mas o PSDB não fez tanta lambança como o PT porque governou por menos tempo,e trocar a sigla de FHC por FH é apenas um capricho desnecessário,rs.

Anônimo disse...

Excelente análise.
O PSDB foi vítima da vaidade e ambição de seus membros autofágicos. Características que personificaram o ápice em Doria.
Eleição virou marketing e manipulação das emoções. E o fato de metade do eleitorado idolatrar dois oportunistas toscos como Bolsonaro e Lula é um triste retrato do país, cujo subdesenvolvimento não é destino, mas projeto.