O Globo
Um dos livros que mais me impactaram nos
últimos tempos, pela forma cirúrgica com que aponta como o contrato social
firmado pelo mundo democrático depois das duas guerras mundiais não é mais
válido para os desafios do presente e de um futuro que chega a galope todos os
dias, foi escrito pela economista Minouche Shafik, diretora da London School of
Economics. No Brasil, ganhou o título “Cuidar uns dos outros —Um novo contrato
social”.
Tive a oportunidade de entrevistar a autora
a respeito dos temas que ela reuniu para demonstrar como os arranjos
institucionais, econômicos, educacionais, de proteção social e ambientais,
entre outros, ficaram rapidamente obsoletos diante de uma realidade que já
vinha em rápida mudança graças a fatores como tecnologia, avanço da emergência
climática e novo perfil demográfico dos países, e como isso foi potencializado
de forma dramática pela pandemia de Covid-19.
Ela mostra com dados por que é inadiável
que o mundo democrático rediscuta o atual contrato social, sob pena de, muito
rapidamente, mais nações se verem diante do apelo sedutor de líderes com discurso
de radicalização populista e tendência autocrática, que seduzem crescentes
contingentes de eleitores ao propor soluções falsamente simples para problemas
complexos.
O que fez com que o livro continuasse martelando na minha cabeça, meses depois da leitura e da entrevista, é a inquietante constatação de que nem um único dos temas que Shafik aborda está sequer sendo esboçado na campanha presidencial brasileira.
Enquanto em sua obra ela constata, com
dados e evidências, que a maior longevidade obrigará as pessoas a trabalharem
por mais tempo, para que o custo de financiar sua velhice não recaia de forma
injusta sobre as novas gerações, por aqui estamos discutindo se reabilitaremos
ou não a CLT como norte para relações trabalhistas viradas de ponta-cabeça nos
últimos anos, e ainda em transmutação.
No livro, a economista evidencia que a
educação para o futuro, para ser efetiva, tem de privilegiar a primeira
infância, pois é ela que determinará a possibilidade de indivíduos
desenvolverem todo o seu potencial cognitivo e emocional. A partir daí, o
aprendizado será um contínuo desenvolvimento de habilidades para muito além do
conteudismo clássico.
Enquanto isso, no Brasil de Jair Bolsonaro
estamos prestes a aprovar uma autorização de ensino doméstico de inspiração
ideológica e religiosa, em tudo regressiva e oposta ao que fazem as nações que
de fato adotaram a educação como eixo de projetos de desenvolvimento.
A autora mostra por “A + B” o caráter
contraproducente de países, ricos ou pobres, manterem subsídios a combustíveis
fósseis. Não só do ponto de vista da necessária mudança de matriz energética
para evitar a catástrofe climática, mas da gestão de recursos cada vez mais
escassos.
E o que faz o Brasil? Troca presidentes da
Petrobras em série, na esperança de que algum dos nomeados determine um
controle artificial de preços dos combustíveis, sem que haja qualquer política
consistente de substituição do uso de petróleo e derivados ou da diminuição da
dependência da nossa economia dessa fonte.
E mais: essa é uma das áreas em que a
resistência à mudança de mentalidade e o atraso no discurso e na visão é comum
aos postulantes de oposição, alheios, também eles, à urgência de retirar as
medidas de mitigação dos efeitos do aquecimento global da prancheta.
Em vez de submeterem essas questões
urgentes ao eleitor, os candidatos e o noticiário (nós, portanto) se ocupam de
falsas polêmicas, como a inexistente possibilidade de fraude nas urnas
eletrônicas e o “resta um” nada edificante de candidatos do centro.
Enquanto o futuro chega na velocidade da
luz, estamos caminhando a passos de tartaruga, quando não andando em marcha à
ré.
Um comentário:
Vera Magalhães,adoro sua sensatez.
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