Editoriais
Além da Petrobras
Folha de S. Paulo
Com nova troca, Bolsonaro mostra que
projeto eleitoral ignora lógica e escrúpulo
Jair Bolsonaro (PL) e seus adeptos lançaram
nova ofensiva da campanha para conter —ou parecer que tenta conter— os preços
dos combustíveis e da energia elétrica.
O governismo abriu mão de impostos, com
aumento da dívida pública; quer impor cortes de tributos a estados e
municípios, suspender no Congresso reajustes de energia elétrica e ensaia
promover um tabelamento de preços ao menos temporário na Petrobras.
Não foi por outro motivo que o candidato a
reocupar o Planalto demitiu o
terceiro presidente da petroleira em menos de quatro anos, no cargo
havia meros 40 dias. Bolsonaro cria instabilidade a fim de obrigar a direção da
estatal a segurar a alta dos combustíveis. Os reajustes já têm sido espaçados.
O mandatário e sua trupe populista querem
financiar a aquisição de alguns pontos nas pesquisas de voto por meio da
apropriação de receitas de governos estaduais e municipais, da redução forçada
do faturamento da Petrobras e da instabilidade do setor elétrico.
É incerto se a frente vai alcançar integralmente seus objetivos. Seja como for, terá conseguido ao menos difundir ainda mais a percepção de que estabilidade administrativa, contratos, estatutos, leis e normas de responsabilidade orçamentária correm risco no país sob a atual administração.
A quarta mudança no comando da Petrobras é
ato que mistura incompetência com demagogia. Se o comando de qualquer
instituição é alterado com tamanha frequência, as escolhas do presidente são
também más ou irresponsáveis.
No caso, trata-se da maior empresa e maior
investidora do Brasil, produtora de um insumo crucial para a economia e de
mercadoria de peso nas exportações. É decisão que afeta a imagem econômica do
país, acionistas
(entre eles o próprio Tesouro Nacional), credores e outros tantos
participantes do mercado, como importadores de combustível.
Um tabelamento informal pode até mesmo
afetar o abastecimento, em parte importado.
Pelas normas da companhia, o novo indicado
para presidir a Petrobras, Caio Mário Paes de Andrade, não apresenta
um currículo com os requisitos necessários para ocupar o cargo.
Ainda que o nome venha a ser aprovado, não se diz com que objetivos assumiria a
empresa, além daqueles do interesse político de Bolsonaro.
Não se veem mais programas ou diretrizes de
administração para a petroleira. Mas não só para ela: a política econômica
parece rendida ao imediatismo de um projeto de estelionato eleitoral.
A vez de Tebet
Folha de S. Paulo
Com Doria fora, senadora tem a árdua tarefa
de viabilizar postulação de 3ª via
Luciano Huck, Luiz Henrique Mandetta, João
Amoêdo, Alessandro Vieira, Eduardo Leite, Rodrigo Pacheco, Sergio Moro e João
Doria.
Todos esses nomes integram o rol de caídos
na tentativa, pessoal ou por procuração, de criar condições para viabilizar
uma candidatura
presidencial alternativa ao duopólio Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) e Jair Bolsonaro (PL) neste ano.
O ex-governador de São Paulo, que desistiu
da postulação na segunda (23) após ter sido minado pelo
próprio partido, é a vítima mais recente do processo.
Foi dos que mais durou no páreo: desde que
irrompeu na política ao tirar o PT da prefeitura paulistana no primeiro turno
de 2016, o tucano Doria se comportou como presidenciável. A vez na fila agora é
da senadora Simone Tebet (MDB-MS).
A emedebista é o que marqueteiros chamam de
folha em branco, em termos de imagem, com algumas vantagens apontadas por seus
apoiadores para compensar a experiência executiva algo exígua.
Aos 52 anos, é pouco conhecida, portanto
enfrenta baixa rejeição, vem de família política tradicional numa região
importante para a economia e, acima de tudo, é mulher. Este atributo é lembrado
quando se analisa a repulsa a Bolsonaro no público feminino.
Tebet terá uma árdua tarefa pela frente.
Primeiro, convencer o PSDB e seu parceiro de federação, o Cidadania, a ser
apoiada como candidata. Grupos tucanos resistem à iniciativa do presidente da
sigla, Bruno Araújo, de priorizar a senadora sul-mato-grossense.
Ele conta com um aliado poderoso —o
sucessor de Doria no governo paulista, o ainda desconhecido Rodrigo Garcia,
para quem um projeto nacional anódino tende a favorecer a construção de sua
própria figura numa eleição dura.
Tebet também terá de lidar com seu partido,
que historicamente evita lançar candidaturas presidenciais e, quando o faz, não
despende muita energia com elas. Hoje, boa parte do MDB está com Lula.
Caso ultrapasse esses obstáculos, Tebet não
deverá contar com um integrante original da terceira via, o União Brasil, que
desembarcou do projeto com suas grandes verba eleitoral e capilaridade. Um
acerto com Ciro Gomes (PDT), que sobrou na pista da esquerda dominada pelo PT,
parece improvável.
Enquanto isso, ela busca elaborar um
discurso de consenso e, na economia, cerca-se de nomes outrora associados ao
PSDB, de orientação liberal. Mais importante, Simone Tebet terá de provar ao
eleitor sua viabilidade na disputa: a senadora patina em 1% de intenção de
voto, segundo o Datafolha.
Os sócios do caos
O Estado de S. Paulo
Bolsonaro e seus aliados no Congresso agem de forma improvisada e irresponsável para baratear combustíveis e eletricidade
Em mais um golpe contra a Petrobras, a
maior estatal brasileira, o presidente Jair Bolsonaro demitiu o terceiro líder
da empresa nomeado desde a sua chegada ao Palácio do Planalto. Com a nomeação
do substituto, a companhia atingirá a marca muito rara – e assustadora para o
mercado – de quatro comandantes em menos de quatro anos. Empenhado, como
sempre, muito mais na reeleição do que na função de governar, o presidente
continua tentando controlar, e talvez congelar até as eleições, os preços dos
combustíveis. Ao insistir nessa intervenção, menospreza a gestão empresarial e
os interesses de mais de 750 mil acionistas nacionais e estrangeiros. Não só o
Executivo, no entanto, é marcado pela mistura de populismo, irresponsabilidade
e incompetência. Nesse tipo de jogo, há uma clara parceria entre o presidente
da República e forças do atraso alojadas no Congresso Nacional.
Enquanto o presidente Bolsonaro tenta impor
seus interesses eleitorais à Petrobras, congressistas mexem nas finanças de
Estados para baratear combustíveis e energia elétrica. Já haviam interferido na
gestão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), para
obrigar os governos estaduais a uniformizar a alíquota cobrada sobre gasolina e
diesel. Foi uma evidente violação dos padrões federativos. Mas a organização
nacional, a ordem republicana e as instituições democráticas têm sido, em Brasília,
muito menos valorizadas do que haviam sido até 2019.
Não ocorre, no entanto, apenas uma
depreciação de valores democráticos. É função dos Poderes cuidar do País,
produzindo normas, defendendo a ordem legal e empregando os meios públicos em
tarefas de interesse – pelo menos idealmente – coletivo. Na tradição
norte-americana, esses poderes são chamados branches of government, ramos
do governo. É uma boa denominação, porque aponta, com clareza, o caráter
genérico de suas funções: trata-se de governar, atendendo a aspectos diferentes
da atividade pública. Em Brasília, no entanto, a noção de governo, incluída a
ideia de administração, é hoje uma raridade.
No Executivo, como no Legislativo, tem
predominado a busca de soluções fáceis para inconvenientes imediatos. Se o
aumento de alguns preços causa incômodo e pode levar a perdas eleitorais, a
saída é improvisar um remédio. A ação pode ser obviamente grosseira e
desastrada, como têm sido as tentativas, sempre toscas e autoritárias, de
intervir na política de preços da Petrobras. Também pode ser mais complexa, mas
igualmente improvisada, incompetente e populista, como a produção de leis para
intervir na tributação estadual.
É evidente bobagem tratar o ICMS como causa
de aumento de preços. Se esse tributo fosse zerado, no dia seguinte os preços
dos combustíveis poderiam subir, se houvesse alta das cotações internacionais,
dos custos da Petrobras ou do valor do dólar. É fácil juntar esses pontos, mas
tanto no Executivo quanto no Legislativo aquela tolice é repetida.
Pode-se defender com outro objetivo a
redução, por exemplo, das alíquotas sobre a eletricidade, muito importante para
o consumo familiar e para a vida empresarial. Energia elétrica é um item
relevante para atividades tão diferentes quanto as de um salão de beleza e as
de uma fábrica de caminhões. Faz sentido baratear esse insumo, mas é um erro
enorme cuidar disso de forma improvisada, sem levar em conta o peso desse item
para as finanças estaduais e sem discutir formas de compensação para os
Estados.
Nenhuma dessas preocupações foi expressa
pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, ao defender a criação de um teto para o
ICMS sobre energia elétrica e combustíveis. Ao encaminhar o projeto, ele falou
sobre “a realidade emergencial do mundo de hoje”. Mas esse problema, longe de
ser emergencial, é conhecido há muito tempo, e nada justifica enfrentá-lo de
forma tosca e improvisada. Ao agir dessa forma, o presidente da Câmara confirma
seu invencível despreparo para questões de interesse público, mas ao mesmo
tempo reafirma sua proximidade com o estilo bolsonariano de desgoverno.
Desesperança para os sem-teto
O Estado de S. Paulo
Inflação atinge construção civil em cheio e custos travam Programa Casa Verde e Amarela, agravando o crônico déficit habitacional do País
As consequências da disparada da inflação
são sentidas diariamente nas visitas aos supermercados e aos postos de
combustíveis, que consomem uma parcela cada vez maior da renda da população. É
fácil identificar os efeitos da subida dos preços no dia a dia, mas há também
implicações de médio e longo prazos que agravam gargalos que o País finge
enfrentar há décadas, como o déficit habitacional. Reportagem publicada
pelo Estadão mostrou que materiais, serviços e mão de obra na
construção civil subiram 13,8% no ano passado e já acumulam alta de 2,9% neste
ano, segundo o Índice Nacional de Custos da Construção (INCC). O cenário teve
forte impacto na construção de unidades habitacionais do Programa Casa Verde e
Amarela, substituto do antigo Minha Casa Minha Vida, que busca atender famílias
com renda entre R$ 2,4 mil e R$ 7 mil mensais. Entre janeiro e abril, apenas
68,8 mil imóveis se enquadraram nos critérios da política pública, menos da
metade dos 140,5 mil do mesmo período de 2021. Se a média for mantida, os contratos
não passarão de 206,4 mil até dezembro, nível mais baixo desde 2009, ano de seu
lançamento.
Como o programa estabelece um teto máximo
para o preço dos imóveis, o avanço nos custos da construção impede que as
unidades se encaixem dentro desses limites e, consequentemente, que as famílias
tenham acesso aos financiamentos mais baratos para adquiri-los. Às
construtoras, resta assumir uma parte do prejuízo e conter perdas futuras,
desistindo de projetos novos dentro do Casa Verde e Amarela e investindo em
edifícios para nichos de renda mais elevada. A questão é que o Conselho Curador
do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) reservou R$ 65 bilhões ao
programa neste ano, dos quais apenas 27% foram empenhados. Logo, como costuma
acontecer com lamentável frequência no governo, sobram, não faltam, verbas para
enfrentar o crônico déficit habitacional brasileiro.
Quem vê as luxuosas torres em construção no
centro expandido de São Paulo talvez não imagine que o Casa Verde e Amarela
representou 45% dos lançamentos e vendas do mercado imobiliário em 2021. Não é
por outro motivo que as construtoras defendem aumentar os subsídios a que as
faixas de menor renda têm direito nos financiamentos, de forma a compatibilizar
as operações ao valor dos imóveis, ainda que isso diminua a quantidade de
famílias potencialmente alcançadas pelo programa. Em paralelo, às vésperas do
período eleitoral, o fantasma de demissões convenceu o Ministério da Economia a
reduzir o imposto de importação sobre o vergalhão de aço, um dos principais
insumos do setor, despertando a fúria da indústria siderúrgica.
Em 2019, a Fundação João Pinheiro estimou o
déficit habitacional em 5,8 milhões de famílias no País, um conceito que abarca
desde pessoas que gastam mais de um terço da renda com aluguel àquelas que
vivem em habitações absolutamente precárias. A pandemia de covid-19 sem dúvida
piorou o quadro e infelizmente não há sinais de reversão – os indicadores
oficiais são defasados, mas basta um passeio nas ruas das principais capitais
para observar a proliferação de barracas. Para cada situação é preciso buscar
uma solução específica, algumas de caráter temporário. A Prefeitura de São
Paulo propôs a criação de campings para moradores de rua, algo urgente para
devolver um mínimo de dignidade aos sem-teto. Alguns municípios contam com o
aluguel social e aproveitam imóveis vazios para destiná-los a pessoas carentes
– e aos que apontam falta de recursos orçamentários, é bom lembrar que
parlamentares e juízes contam com auxílio-moradia financiado pelos impostos
pagos pela sociedade. É preciso retomar as contratações do Casa Verde e Amarela
para a antiga faixa 1, com renda mensal de até R$ 2 mil, paralisadas há mais de
três anos. E a articulação entre União, Estados e municípios é fundamental para
que as ações tenham resultado efetivo. Ao contrário do que diz o presidente
Jair Bolsonaro, não falta “visão de futuro” às pessoas que vivem em áreas de
risco, mas certamente falta ao governo.
Já se fala em recessão mundial
O Estado de S. Paulo
Desaceleração nos países ricos, comércio mundial estagnado e mercado de trabalho ruim são sinais de advertência
Um cenário sombrio, porém real, da economia
mundial foi desenhado num dos disputados painéis do Fórum Econômico Mundial na
cidade suíça de Davos. Inflação em alta na Europa, nos Estados Unidos e em
outros países (o Brasil se destaca entre estes); riscos de uma crise energética
na Europa, dependente do suprimento de gás pela Rússia; escassez de alimentos;
e persistência de problemas ambientais estão entre os elementos de uma
conjuntura que pode levar à recessão global. A observação foi feita pelo
ministro para Assuntos Econômicos e Proteção Climática da Alemanha, Robert
Habeck. Não adianta resolver apenas a questão da inflação ou do suprimento de
gás, disse Habeck. É preciso enfrentar todos os problemas ou pelo menos a
maioria deles.
Embora possa soar um tanto exagerada, a
advertência não pode ser ignorada. A invasão da Ucrânia pela Rússia agravou
problemas resultantes da pandemia de covid-19 ou a eles acrescentou outros. As
consequências já começam a surgir nas estatísticas sobre a atividade econômica
mundial, que, neste momento, indicam a piora da situação.
Três importantes organizações econômicas
internacionais divulgaram no mesmo dia relatórios que mostram essa
tendência. A Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou uma aguda retração
da evolução do PIB dos países associados – que estão entre as
maiores economias do mundo – no primeiro trimestre de 2022. O crescimento foi
de apenas 0,1% na comparação com o trimestre anterior. No último trimestre do
ano passado, o aumento tinha sido de 1,2%.
Consideradas apenas as sete maiores
economias do mundo (que formam o G-7), o resultado foi ainda pior. O PIB desses
países encolheu 0,1% no primeiro trimestre do ano. No trimestre anterior o
aumento tinha sido de 1,2%, igual ao de todo o grupo que constitui a OCDE.
Entre as causas do mau desempenho das
principais economias do mundo, a OCDE cita o fraco resultado da balança
comercial desses países, afetada fortemente pelos gargalos na cadeia mundial de
suprimentos, e a queda da demanda interna.
O comércio mundial de bens também vai mal.
Em sua pesquisa trimestral Barômetro do
Comércio de Bens, a Organização Mundial do Comércio (OMC) constatou
ligeiro aumento, de 98,7 para 99 pontos, mas ainda abaixo da marca divisória de
100, acima da qual há crescimento. Por isso, mesmo com a discreta melhora, o
comércio mundial continua a patinar.
Do ponto de vista social, além de estudos
de instituições multilaterais que mostram o avanço rápido da fome no
mundo, o mais
recente trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra
que o mercado mundial de trabalho se deteriorou de maneira acentuada no
primeiro trimestre do ano. O número de horas trabalhadas, por exemplo, ainda
está 3,8% abaixo do nível observado antes da pandemia. A recuperação é desigual
e tem ampliado a distância entre os países ricos e os pobres. E em boa parte
destes as limitações fiscais impedem a adoção de políticas públicas de apoio
aos mais necessitados.
Intervenção na Petrobras não tem como dar
certo
O Globo
Não tem limite a sanha do presidente Jair
Bolsonaro por intervir no preço do diesel e da gasolina, de olho na eleição.
Nem bem acaba de trocar o ministro de Minas e Energia e o presidente da
Petrobras — ambos refratários à intervenção —, promoveu uma nova troca no comando da estatal, descontente com o nome que
ele próprio indicou há 40 dias. Qualquer que seja o resultado dessa nova
mudança na política de preços da empresa, está claro que não dará certo.
Bolsonaro pode trocar ministro, presidente,
a diretoria inteira da Petrobras, que não superará todos os obstáculos a suas
intenções. Primeiro terá de enfrentar os empecilhos internos: a estrutura
rígida de governança da estatal (reforçada depois dos desvarios do governo
Dilma Rousseff com o preço do combustível) e as exigências da Lei das Estatais,
aprovada depois dos crimes desmascarados pela Operação Lava-Jato, justamente
para preservar o patrimônio público de ingerência política.
Os requisitos para alguém ocupar a
presidência da Petrobras vão muito além das qualificações do novo
indicado, o executivo Caio Paes de Andrade (falta-lhe experiência
em gestão pública e em empresas do setor). A indicação terá ainda de passar por
comitês internos que dificilmente a endossarão. A reunião de acionistas para
aprová-la só pode ser convocada para o final de junho e, mesmo que o nome passe
(o governo, afinal, tem maioria no Conselho), a presidência da empresa não tem
o poder de mexer na política de preços a seu bel-prazer. Bolsonaro teria ainda
de aparelhar o comitê encarregado disso, que tem mais dois diretores. É o que
ele planeja.
É até provável que consiga vencer esses
obstáculos de ordem política. Mas não tem como mudar a realidade econômica. A
intervenção nos preços, mesmo a dilatação do prazo entre reajustes, teria
consequências bem mais nocivas que apenas deteriorar o balanço da Petrobras,
que pagou no ano passado R$ 37,3 bilhões em dividendos ao Tesouro e R$ 203
bilhões em impostos, contribuindo para a saúde fiscal. O impacto nas bombas
seria o oposto do imaginado por Bolsonaro.
A crise dos combustíveis é global e tem
alcance bem maior que o imaginado no início da Guerra na Ucrânia. A demanda já
é pressionada pela Europa, com a substituição do petróleo russo, e pela China,
com a recuperação da atividade depois dos lockdowns. O Brasil importa 30% do
diesel e 15% da gasolina que consome. Se o preço deixar de seguir a cotação
internacional, como quer Bolsonaro, ninguém importará para vender com prejuízo
por aqui. É certo que haverá desabastecimento e filas nos postos, cenas nada
agradáveis para um presidente em campanha.
A melhor forma de garantir o preço justo na
bomba teria sido levar a cabo o plano de privatização de refinarias, de modo a
criar um mercado realmente competitivo. Teria sido possível também conceber um
fundo de estabilização para subsidiar o preço na bomba, mantido não pelo
acionista da Petrobras, mas pelo Tesouro, talvez com recursos dos dividendos
pagos nos tempos de bonança. Nada disso foi feito. Bolsonaro ignora que preços
de mercado refletem o equilíbrio entre oferta e demanda — e não dá para manipulá-los
por decreto. Ele quer que a Petrobras funcione como a venezuelana PDVSA,
estatal aparelhada e levada à bancarrota para financiar os desmandos do
chavismo. Conhecemos esse roteiro. Não tem como dar certo.
Desistência de João Doria mostra que
bolsonarismo ocupou espaço do PSDB
O Globo
Quase 30 anos separam a primeira eleição de
Fernando Henrique Cardoso como presidente do Brasil, em 1994, da entrevista
coletiva em que o ex-governador de São Paulo João Doria anunciou a desistência de sua pré-candidatura à Presidência pelo PSDB.
Nessas quase três décadas, o partido fundado em 1988 a partir de uma
dissidência do PMDB, reunindo alguns dos nomes mais preeminentes e respeitados
da política nacional, exerceu protagonismo inequívoco, que começou a esvanecer
a partir da ascensão do bolsonarismo em 2018.
A decisão de Doria é explicada não só pelas
resistências internas, mas também pelas dificuldades do partido para se impor
politicamente no maior e mais rico estado do Brasil, cidadela inexpugnável do
tucanato desde 1995, quando elegeu Mário Covas para o Palácio dos Bandeirantes.
Mas surpreende pelo histórico da legenda.
O PSDB governou o Brasil duas vezes com FH,
que venceu ambos os pleitos em primeiro turno — fato inédito desde a
redemocratização. Esteve no segundo turno em todas as demais disputas, com
exceção de 2018, quando Jair Bolsonaro derrotou Fernando Haddad (PT). O legado
tucano fica patente não apenas em seu desempenho nas urnas. Conquistas como a
estabilização da moeda, os avanços na educação e na saúde e os programas
sociais (aperfeiçoados pelos petistas) são inquestionáveis.
Quando passou o governo a Rodrigo Garcia
para se dedicar à corrida ao Planalto, Doria deixou uma herança notável, em
particular pelo pioneirismo na vacinação contra a Covid-19. Não é exagero dizer
que foi por força de seu engajamento que o Ministério da Saúde apressou a
campanha, depois de hesitação inadmissível. Mas o bom desempenho à frente do
governo paulista não foi suficiente para catapultá-lo nas pesquisas eleitorais.
Sem projeção nacional, Doria nunca decolou como se esperava do pré-candidato de
um dos partidos mais influentes do país.
Por ora, é nebuloso o cenário que se
formará diante da desistência dele. A única certeza até agora é a derrocada do
PSDB, que se acentua à medida que as hostes tucanas vão sendo devoradas pelo
bolsonarismo. Não há melhor evidência disso que o desempenho no enclave de São
Paulo, onde a candidatura do bolsonarista Tarcísio de Freitas desafia a
hegemonia da legenda.
Mesmo sem jamais vestir com conforto o
figurino da direita, o PSDB aglutinou um ânimo que o levou a sucessivos duelos
com o PT. Mas o sentimento antipetista foi confiscado pelos bolsonaristas nos
últimos anos. A renúncia de Doria é o último movimento na digestão dos tucanos
pelo bolsonarismo, sem que o PSDB tenha esboçado reação.
Rachado mesmo antes das prévias em que Doria derrotou o gaúcho Eduardo Leite, o partido se encaminha para as urnas na situação mais desafiadora de sua história. Não deverá ter candidato à Presidência, corre o risco de eleger uma bancada ainda menor que em 2018 e, o pior, de perder o governo de seu quintal paulista. Nas urnas, o PSDB mira sua própria sobrevivência.
Frenesi de Bolsonaro paralisa administração
da Petrobras
Valor Econômico
Há uma ofensiva coordenada do Planalto em
várias frentes para impedir reajustes dos combustíveis
O presidente Jair Bolsonaro é o principal
responsável pela fuzarca em seu governo e seu jeito histérico de agir paralisa
a administração da maior empresa estatal do país, a Petrobras. Bolsonaro
demitiu na noite de segunda-feira José Mauro Coelho, empossado há 40 dias, o
terceiro a ser cortado da direção da companhia porque seguiu as regras e
aumentou os preços dos combustíveis. Antes de Coelho, o presidente já mandara para
casa o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, substituindo-o por
Adolfo Sachsida, secretário especial de Política Econômica do Ministério da
Economia e fiel bolsonarista.
O que quer o presidente da República sobre
o reajuste dos combustíveis e o que propõe que a Petrobras faça? O que se sabe
ao certo é que Bolsonaro quer se reeleger a qualquer custo e aumentos de
gasolina, diesel e gás tornam um pouco (ou muito) mais distante esse objetivo.
Ele não está preocupado em obter uma solução sensata, ainda que temporária,
para a escalada dos preços do petróleo, agravada pela invasão da Ucrânia pela
Rússia.
O presidente quer impedir a Petrobras de
fazer aumento constante seguindo a política de paridade de preços
internacional, sem, no entanto, assumir responsabilidade por isso. A
consequência é que já se foram três presidentes da estatal pelo mesmo motivo.
Foi nomeado agora para o cargo Caio Paes de Andrade, secretário de Desburocratização
do Ministério da Economia, um leigo no assunto, para dirigir uma das maiores
empresas de petróleo do mundo em meio aos mais turbulentos períodos do setor
desde os choques dos anos 70-80.
Além dos que se foram da Petrobras, houve
também os que quase chegaram lá e desistiram, como Adriano Pires, por conflito
de interesses, e Rodolfo Landim, por seu amor ao Flamengo, que preside. Paes de
Andrade não atende às exigências da Lei das Estatais e não seria surpresa se
fosse vetado. Mas que para que o novo presidente seja ratificado será
necessário uma nova eleição de vários conselheiros da empresa, a segunda em
menos de dois meses. Conselheiros independentes cogitam protelar a convocação
de nova assembleia, o que estenderia a transição por mais 45 dias.
Bolsonaro quer também mexer na diretoria, o
que indica uma intenção firme de obter o que pretende. Está sendo ajudado nesta
tarefa pelo ministro Paulo Guedes, o liberal, que intervém nos preços de
mercado praticados pela Petrobras. Guedes nunca sugeriu nada sobre como atenuar
o impacto dos aumentos dos combustíveis e, diante das convulsões de Bolsonaro,
assobiava, olhava para o lado e pregava a privatização da companhia.
Uma das ideias agora atribuídas ao
ministro, em campanha pela reeleição do chefe, é o de espaçar os aumentos por
pelo menos 100 dias, o que pode empurrar reajustes até depois das eleições.
Joaquim Silva e Luna esperou 89 dias para reajustar o diesel - e ser demitido.
É difícil crer que 11 dias a mais farão alguma diferença, a não ser no calendário
eleitoral, o único que o governo tem em vista.
Não há ovo de Colombo na questão. Ou o
presidente muda a política da paridade de preços, e com isso, o estatuto que
obriga a União a compensar a estatal no caso de alterações, ou coloca alguém
que lhe seja subserviente para impedir por um tempo os ajustes de preços. No
primeiro caso, seria preciso arregimentar um número razoável de conselheiros
alinhados com o intervencionismo interessado do presidente, em um processo
desgastante e demorado. Ganhar tempo tende a ser uma opção mais ao sabor do
caráter de Bolsonaro, sempre tendente à linha de menor esforço.
Há uma ofensiva coordenada do Planalto em
várias frentes para impedir reajustes dos combustíveis, ou, se possível, fazer
os preços retrocederem, ainda que pouco e temporariamente. O Centrão, do
presidente da Câmara, Arthur Lira, e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira,
patrocinam nova iniciativa oportunista para jogar a conta de redução de
impostos para os Estados. Primeiro, a Câmara aprovou regime de urgência para
votar a suspensão da rodada de aumentos de energia elétrica, o que favorece o
governo. Depois, busca que energia e combustíveis sejam considerados bens
essenciais e tenham alíquota não superior à padrão do ICMS, de 17%. O Supremo
já decidiu essa questão e deu prazo até 2024 para que os Estados façam isso.
A incúria de Bolsonaro levou à queda de
três executivos da Petrobras e de um ministro sem que ele tivesse sido atendido
em seus resmungos eleitorais. Desta vez pode ser diferente - ou não.
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